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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h56.
Um pequeno anúncio de jornal selou o destino do paulistano Patrick Aron, o senhor na foto ao lado. Funcionário de uma rede de joalherias, ele planejava a abertura de um negócio próprio junto com a irmã Brigitte e o primo Didier. A oportunidade surgiu em 1982, quando o trio deparou com o anúncio de uma pequena loja de presentes à venda em São Bernardo do Campo. Com a ajuda dos pais, os três jovens, todos beirando 25 anos, compraram a loja. Entrou então o acaso: no vasto mix de produtos da loja havia alguns perfumes de uma fábrica paranaense ainda desconhecida no mercado paulista, O Boticário. Em poucos anos, os Aron passaram de simples vendedores dos perfumes a franqueados da marca. Um salto no tempo resume o resultado dessa parceria: os Aron são hoje os maiores franqueados de O Boticário na região metropolitana de São Paulo. Têm 16 lojas, entre elas a que mais vende no Brasil: a unidade do Shopping Center Norte, que fatura em média 230 000 reais por mês. O segredo do sucesso? "Uma mistura de sorte, feeling, trabalho duro, determinação e organização para crescer", diz Patrick Aron, de 44 anos.
O empreendedor reconhece que se deu bem porque contou também com o respaldo de uma rede cuja trajetória foi igualmente surpreendente. A desconhecida fornecedora de perfume dos Aron transformou-se na maior rede brasileira de franquias, com 2 035 unidades no país em dezembro do ano passado (este número já aumentou para 2 110 em abril deste ano). Para abastecer toda essa cadeia, O Boticário produz anualmente 60 milhões de unidades de perfumes e cosméticos em sua fábrica de 35 000 metros quadrados em São José dos Pinhais, no Paraná.
A empresa, fundada em 1977 pelo empresário boliviano Miguel Krigsner, alcançou também o topo do ranking das maiores redes de franquias em São Paulo, segundo um levantamento feito com exclusividade pelo Instituto Franchising para EXAME SP (veja quadro na página seguinte). São 197 lojas na metrópole, responsáveis no ano passado por vendas de 143 milhões de reais -- 14,5% dos 985 milhões de reais que a marca faturou no varejo no período. Em todo o estado de São Paulo, o número de lojas sobe para 531 -- mais de um quarto da rede. No total, o braço paulista contribuiu com quase um terço do faturamento da rede. A marca tornou-se tão forte que acaba de anunciar o lançamento de sua loja virtual e do Clio O Boticário -- uma versão do automóvel da Renault, projetado em parceria com a montadora francesa especialmente para o público feminino.
A história dos Aron e de O Boticário pode levar alguns a acreditar que o franchising é o melhor negócio do mundo. Não é bem assim. Os Aron colecionam também experiências malsucedidas. Encantados com o franchising, tornaram-se franqueados de uma confecção cuja marca hoje preferem esquecer, tantos foram os problemas que enfrentaram. Também deixaram de lado duas franquias do próprio O Boticário. Uma delas, aberta na década de 80 no Golden Shopping de São Bernardo do Campo, resistiu até o ano passado. "O shopping já não valia a pena e a loja entrou no vermelho", diz Patrick. Outra unidade que não emplacou funcionava no antigo hipermercado Paes Mendonça, na mesma região. "O faturamento era muito baixo e nem sequer cobria nosso custo operacional."
Lições dos fracassos
Assim como os Aron, há centenas de empresários que fizeram excelentes negócios com suas franquias em São Paulo, em setores igualmente concorridos, como alimentação, ensino de idiomas e vestuário. Nas contas de muitos outros, porém, só apareceram prejuízos. Quando desistiram do país, levando na bagagem o vermelho de suas operações, bandeiras famosas como as americanas Subway, Arbys e KFC e a italiana Benetton deixaram órfãos dezenas de franqueados. E não foram poucas as empresas nacionais que brilharam no mercado e, de uma hora para outra, sumiram das listas de franquias. A Nipomed, de planos de saúde, é um dos exemplos mais recentes. Depois de se tornar uma das maiores redes brasileiras, enfrentou a revolta de alguns franqueados e teve de fechar para balanço.
Há três anos, os guias de oportunidades apresentavam mais de 1 000 empresas interessadas em atrair franqueados. Hoje, são menos de 600. As mais recentes estimativas, feitas com base no banco de dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF) e do Instituto Franchising, apontam que há no país 579 redes franqueadoras, responsáveis por uma cadeia de 38 079 unidades e com um faturamento anual de 17,4 bilhões de reais. Talvez esses números sejam maiores, pois não incluem empresas que não forneceram informações aos pesquisadores nem marcas como Correios, Casas Lotéricas e Kodak Express, cujas operações são muito parecidas com as das franquias.
O que não se discute é que o número de empresas franqueadoras realmente caiu. E isso trouxe grandes lições ao sistema. A saída da Arbys, por exemplo, acendeu o debate sobre a importância do crescimento de uma rede -- só assim é possível ter escala para enfrentar o poder de fogo dos gigantes. As dificuldades da Nipomed, por sua vez, mostraram que crescimento meteórico é perigoso, pois pode levar ao descontrole do negócio. A KFC passou a ser citada como um exemplo da inadequação do produto aos hábitos locais -- seu frango frito servido em balde não caiu nas graças do paulistano. Já o fracasso da Subway deixou claro que gestão e profissionalismo são fatores decisivos no negócio.
O consolo é que, se prejudicaram investidores, essas experiências contribuíram para o amadurecimento das redes que permanecem no sistema. Resultado: os empresários chegam hoje com menos sede ao pote. Tanto os franqueadores, que estão mais cuidadosos na hora de projetar o crescimento de seus negócios, como os potenciais franqueados, que também têm demonstrado mais prudência na escolha da marca. Isso leva a crer que o pior já passou. De fato, depois de registrar 469 redes em 2000 -- o número mais baixo desde 1991 --, o sistema voltou a crescer no ano passado. De acordo com estimativas preliminares, houve em 2001 um crescimento de 23% no número de redes e de 12% no número de unidades e no faturamento.
Essas estimativas revelam também um dado interessante para quem estuda a viabilidade de montar uma franquia em São Paulo: das atuais 579 redes de franquia, nada menos que 251 são resultado de negócios que nasceram na região metropolitana e depois se espalharam pelo Brasil com a abertura de 19 480 unidades. "Essas redes montaram 49% do total de unidades do franchising brasileiro e contribuem com 54% do faturamento nacional das franquias", calcula Fernando Câmpora, diretor do Instituto Franchising.
O grande mercado
São Paulo tem um peso fundamental para as principais redes franqueadoras. No Habibs, por exemplo, a região metropolitana responde por mais da metade do número de unidades e do faturamento, proporção semelhante à das redes americanas Jani King e Dunkin Donuts. Já o McDonalds concentra na Grande São Paulo 148 de seus 537 restaurantes e 183 de seus 609 quiosques do país. Isso representa 38% do faturamento, que atingiu 1,57 bilhão de reais no ano passado. A gaúcha Florense, fabricante de móveis, mantém hoje 25 de suas 98 franquias no estado de São Paulo, onde obteve 20% da receita de 83 milhões de reais em 2001.
Seja qual for o conceito franqueado ou a familiaridade do franqueador com o mercado, existe uma certeza: se este é o maior mercado do país, é também o mais difícil de se trabalhar. "É necessário oferecer conveniência, preço e rapidez", diz Gerson Keila, presidente da ABF. "E também estar atento à qualidade do produto ou do serviço e ao atendimento, e não perder de vista os movimentos da concorrência." Em outras palavras, é importante ter algo que faça a diferença. Por exemplo: delivery não é mais uma novidade em São Paulo. Centenas de empresas lançam mão do serviço para compensar a falta de tempo do paulistano, o trânsito caótico, a insegurança das ruas. Na área de alimentação existem até marcas, como a China in Box, que só operam com entregas em domicílio. O que ninguém mais possui é uma estrutura como a que o Habibs acaba de criar. A rede de fast food, especializada em comida árabe, investiu 18 milhões de reais para montar uma nova empresa, a Vox Line, que terá 700 funcionários -- a maior parte para ocupar os 400 pontos de atendimento criados para receber pedidos por telefone ou pela internet.
Conhecido no mercado como um grande caçador de pontos, Alberto Saraiva, o criador do Habibs, decidiu oferecer mais que uma simples entrega em domicílio. "Prometemos entregar em 28 minutos", afirma Saraiva. "Se não cumprirmos esse prazo, nada cobraremos." Os pedidos de todo o Brasil serão centralizados em São Paulo. Ao discar o número do Habibs 28 Minutos no seu estado, o consumidor tem sua ligação transferida para a central de contatos de São Paulo, que fará o cadastro e enviará o pedido à impressora da cozinha da loja mais próxima. O franqueado terá apenas de providenciar que o pedido chegue ao destino no tempo previsto. A novidade vai atender inicialmente os consumidores da zona leste de São Paulo e do Grande ABC, mas o plano do Habibs é estendê-la ainda neste semestre para as suas 180 lojas. Com o serviço, Saraiva espera aumentar em 40% o faturamento da rede, estimado em 350 milhões de reais no ano passado.
Outra gigante do fast food, o McDonalds aposta numa estratégia diferente. Depois de testar o funcionamento 24 horas (ou no mínimo até as 5 da manhã) em 12 unidades e implantar em 38 -- o que já resultou em 100 000 novos clientes --, a rede vai adotar o horário estendido em todos os restaurantes da região metropolitana. "A refeição durante a madrugada vai se tornar um hábito de muitas pessoas que moram em São Paulo", diz Roberto Désio, vice-presidente do McDonalds no Brasil.
Oferecer produtos na forma e nos horários que os consumidores desejam é só uma parte da munição que as redes estão usando para melhorar o desempenho das lojas. Para muitas redes, essa estratégia é agora mais importante do que abrir novas unidades no Brasil ou no exterior. O Habibs e a rede de idiomas Yázigi Internexus, por exemplo, adiaram seus planos de internacionalização depois dos atentados terroristas nos Estados Unidos em setembro do ano passado. "Há um objetivo muito claro no mercado: tornar as lojas já abertas mais rentáveis", diz o consultor Marcelo Cherto. De acordo com o empresário Ricardo Young, diretor da Yázigi Internexus, o novo cenário levou os empresários a conviver com uma grande queda de rentabilidade, agravada pelo aumento da carga tributária e dos juros, pelo acirramento da concorrência e pelo achatamento da renda da classe média. Por isso, na maioria das redes, a ordem agora é arrumar a casa e virar o jogo.
É mais ou menos isso o que está acontecendo no McDonalds. A empresa surpreendeu o mercado ao fechar 20 unidades no ano passado. O ícone do franchising virou alvo de críticas de vários franqueados. Segundo Elias Salum, diretor da Associação dos Franqueados Independentes do McDonalds (Afim), há atualmente no país 25 franqueados insatisfeitos com alguns aspectos da operação. Um deles é a sublocação. "O McDonalds repassa ao franqueado o imóvel que alugou por um valor muito maior do que paga ao proprietário", afirma Salum. "Isso compromete a rentabilidade do negócio."
O McDonalds evita alimentar a polêmica. Não nega o fechamento das unidades, mas diz que abriu outras 40 lojas e que tem planos para inaugurar mais 30 neste ano. Além disso, acaba de anunciar duas grandes tacadas: uma campanha com produtos específicos para a Copa do Mundo e uma política de mercado que prevê a redução de preços de alguns itens em determinados horários e dias da semana. "Vamos ter preços imbatíveis e sustentar essa redução por longos períodos", afirma Désio. Segundo ele, essas iniciativas permitirão um aumento de caixa imediato para os franqueados.
A falta de rentabilidade também afeta outros segmentos. Com 52 anos de mercado e 300 escolas no Brasil, o Yázigi poderia ter faturado muito mais que os 160 milhões de reais do ano passado. Além da pressão da concorrência -- há 29 redes de ensino de idiomas e mais de 7 000 escolas no Brasil --, o Yázigi sentiu de perto o efeito Bin Laden e a conseqüente alta do dólar: perdeu 60% do movimento das escolas no segmento de intercâmbio. As perdas só não foram tão graves porque essa atividade não representa mais que 15% da receita das escolas.
Negócios emergentes
Além dos setores tradicionais, como perfumaria, fast food e idiomas, São Paulo tem uma generosa oferta de franquias de negócios adequados às necessidades da metrópole em nichos inexplorados ou setores emergentes. Um deles é o que reúne academias, clínicas de estética, escolinhas de esportes e outros negócios relacionados a saúde e beleza. O número de redes franqueadoras na área aumentou, em 2001, 33%, e o de unidades, 42%. "Tudo que se relaciona a estética vai bem, principalmente se a rede investe pesado em propaganda", diz André Friedheim, da consultoria Francap. Tanto acredita no que diz que comprou uma franquia da Onodera, rede de clínicas de estética criada há dois anos e já presente em 19 endereços na Grande São Paulo, com faturamento próximo de 1 milhão de reais por mês.
É também nesse segmento que atua a Hagla, empresa carioca criada pela médica Paula Cabral há 12 anos e que agora está desembarcando em São Paulo. Formada em medicina e nutrologia, Paula pesava excessivos 90 quilos para seu 1,72 metro de altura. Desenvolveu então um método de emagrecimento que não só a ajudou a perder 30 quilos como se tornou um promissor negócio. Com seu plano de trabalho personalizado e 30 tipos de tratamento, a médica pretende abrir de quatro a seis franquias na cidade e outras 20 nas demais capitais do país nos próximos quatro anos. O negócio exige um investimento entre 70 000 e 100 000 reais, pouco menos que os 120 000 reais da Onodera.
Outro investimento sob medida para profissionais da saúde é a franquia do laboratório Bioclínico. Para enfrentar gigantes da área, como Fleury e Delboni Auriemo, que apostam no conceito de megaunidades, o Bioclínico quer avançar em São Paulo com a ajuda de franqueados. Fundado em 1954, o laboratório foi um dos primeiros a trabalhar com a terceirização na área -- oferece os serviços de análises clínicas dentro do Hospital Nove de Junho e na central de atendimento da Amil. Além dessas, tem oito unidades espalhadas por várias regiões de São Paulo. Juntas, faturaram 24 milhões de reais no ano passado. O plano é abrir dez franquias até o fim do próximo ano. Cada uma exigirá um investimento de cerca de 300 000 reais e funcionará como um posto de coleta de materiais, que serão enviados para análise na sede do laboratório.
Há também uma movimentação sem precedentes na área de limpeza e conservação, cujo número de franquias cresceu 15% no ano passado em relação ao anterior. Além das lavanderias, fazem parte desse setor as prestadoras de serviços ligados a condomínios empresariais ou residenciais. O empresário Renato Ticoulat Neto considera o negócio tão promissor que resolveu deixar a Jani King -- marca americana de limpeza comercial que trouxe ao Brasil há 12 anos em sociedade com Thomas Crhak e Oswaldo Alves. Ticoulat criou uma nova rede de franquias, a Zelo, cujo foco é facilitar todas as atividades de um condomínio, incluindo o fornecimento de profissionais para portaria, segurança e pequenas reformas. Ticoulat tentou agregar essas atividades às da Jani King, mas a franqueadora americana não concordou com alterações no conceito do negócio. A saída foi dividir a sociedade e trabalhar em parceria. A cisão preocupa franqueados e estimula especulações sobre o futuro da Jani King. Ticoulat e seus ex-sócios, no entanto, afirmam que essa foi a melhor forma de preservar uma rede que no ano passado faturou 31 milhões de reais com suas 140 franquias.
Para Ticoulat, o desafio vale a pena. A cidade de São Paulo tem hoje 35 000 condomínios residenciais e 5 000 comerciais. É a segunda do mundo em número de prédios, atrás apenas de Nova York. Somente 15% desses condomínios estão terceirizados. "As administradoras não têm mais estrutura para a gama de serviços necessários e precisam diminuir custos", afirma Ticoulat, de olho numa participação de 4% nesse mercado. "É aí que entramos."
Para quem se dispõe a montar um negócio com a cara de São Paulo, são inúmeras as oportunidades de franquias. A concorrência é grande, mas há espaço para conceitos diferenciados, bem administrados e adequados ao consumidor paulistano. "O importante é saber escolher a marca", afirma a consultora Ana Vecchi, da Vecchi & Ancona. Para acertar na escolha, é preciso visitar unidades já estabelecidas e desconfiar dos pontos-de-venda sempre vazios e de quem vende franquias "de baciada". "Apesar do amadurecimento das redes, ainda há muito mico no mercado", diz Ana.