Bobby Jania, CMO do Marketing Cloud da Salesforce: “O marketing não pode mais ser um ‘do not reply’. As pessoas querem conversar, e as marcas precisam estar preparadas para responder” (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 28 de outubro de 2025 às 06h07.
SÃO FRANCISCO - O marketing vive mais uma transformação. Se antes bastava enviar uma mensagem com um call to action (chamada para ação) e esperar por cliques, agora a comunicação passa a ser contínua, moldada por agentes de inteligência artificial capazes de interpretar intenções, responder dúvidas e agir em segundos.
Para Bobby Jania, CMO do Marketing Cloud na Salesforce, essa é a próxima grande evolução do setor. “O marketing não pode mais ser um ‘do not reply’”, afirma o executivo, em referência às mensagens automáticas que não permitem resposta. “As pessoas querem conversar, e as marcas precisam estar preparadas para responder.”
No Dreamforce 2025, sua conferência anual realizada em São Francisco neste mês de outubro, a gigante de software apresentou o Agentforce Marketing, solução que insere agentes de inteligência artificial em todos os pontos da jornada do consumidor, do e-mail e WhatsApp ao SMS e ao site, e transforma mensagens em conversas bidirecionais.
“Se você pensar nas relações pessoais, nenhuma funciona quando alguém só fala e nunca ouve. No marketing é a mesma coisa. Por muito tempo, achávamos que enviar um e-mail com um link era suficiente. O cliente clicava, ia para o site e tinha de juntar as peças sozinho. Agora, cada mensagem pode ser o início de uma conversa”, diz.
O avanço da IA generativa, explica, acelerou essa mudança de comportamento. “Todo mundo já experimentou fazer uma pergunta e receber uma resposta personalizada. As pessoas esperam o mesmo das marcas.” Para ele, a comunicação fragmentada tende a perder espaço.
Com o Agentforce Marketing, a ideia é que o consumidor possa responder a um e-mail ou mensagem, mesmo fora do contexto original, e receber uma resposta imediata, gerada por agentes de IA que entendem o histórico do usuário. “Mostramos isso com canais como WhatsApp e SMS, mas queremos que qualquer ponto de contato seja adaptativo”, afirma Jania.
Na prática, a Salesforce já aplica esse conceito. A marca neozelandesa de eletrodomésticos premium Fisher & Paykel, por exemplo, transformou seu site em uma plataforma que aprende com o comportamento de cada visitante.
À medida que o usuário navega, o conteúdo e as ofertas se ajustam ao perfil e à intenção de compra. Caso o cliente decida visitar uma loja, o agente agenda o horário, envia lembretes e repassa o histórico ao atendente. O resultado foi um aumento de 33% na taxa de conversão de pedidos.
A solução também já tem uso no Brasil, um dos mercados que mais rapidamente adotaram as jornadas conversacionais. “Tem sido uma região de crescimento incrível para nós recentemente”, afirma o CMO. “A primeira empresa que tivemos operando marketing bidirecional por WhatsApp estava no Brasil”, acrescenta, sem revelar o nome.
Tudo começou com uma mensagem promocional enviada pelo aplicativo. O cliente podia responder e iniciar uma conversa com um agente. “O interessante é que o diálogo podia evoluir naturalmente: se fosse uma dúvida, passava para o time de serviço; se fosse uma compra, seguia para o de comércio”, explica o executivo.
O caso virou referência dentro da companhia, que passou a replicar o modelo em outros mercados. “Apresentamos as experiências brasileiras a clientes na Europa, onde o uso do WhatsApp também é forte”, conta. “Agora estudamos como adaptar o formato a outros aplicativos — em países como o Japão, por exemplo, onde predominam ferramentas diferentes. A ideia é desenvolver componentes equivalentes em cada ecossistema.”
O executivo destaca que o Brasil é uma das regiões mais relevantes para a Salesforce e também uma das mais ágeis na incorporação de novos canais. “Formatos móveis como SMS e WhatsApp ganham tração muito mais rápido aí do que na América do Norte, e essa é uma tendência que deve se espalhar pelo mundo.”
O Agentforce Marketing foi apresentado como uma solução baseada em três pilares: dados, engajamento e inteligência. Integrado ao Data Cloud, o sistema busca reunir informações de diferentes áreas da empresa para facilitar o entendimento do consumidor, automatizar tarefas e apoiar a criação de experiências mais personalizadas.
Segundo o CMO, o uso de agentes de IA tende a ajudar também no fluxo de trabalho interno. “Os profissionais gastam muito tempo montando campanhas”, diz. “Com o Agentforce, o briefing pode ser criado por IA, convertido em segmento, jornada e até gerar o primeiro rascunho de e-mail com base no conteúdo aprovado da marca.”
A ferramenta promete eliminar etapas repetitivas e reduzir o tempo de execução. “Assim, o profissional pode focar em decisões estratégicas enquanto o sistema cuida da montagem”, complementa.
Um exemplo prático é a otimização de mídia paga. “As equipes sempre querem orçamentos maiores, mas poucos têm alguém dedicado só a isso. Agora, um agente pode analisar diariamente todos os investimentos em anúncios e realocar verba em tempo real, aumentando o gasto no que funciona e pausando o que não funciona.”
Ao ser questionado sobre a concorrência com empresas como a SAP, Jania evitou comparações diretas. “O que torna a Salesforce especial é a capacidade de unificar informações de diferentes áreas. Não dá para fazer bom marketing de forma isolada”, diz.
A Salesforce planeja disponibilizar os recursos de mensagens bidirecionais por SMS e WhatsApp a partir de dezembro de 2025, integrados às licenças do Marketing Cloud Engagement e do Account Engagement.
Para o CMO, a abertura da plataforma para desenvolvedores e parceiros lembra o impacto da App Store da Apple. “Ninguém imaginava que dali surgiriam empresas como Uber ou Airbnb. O Agentforce cria o mesmo tipo de oportunidade para que parceiros e marcas construam soluções próprias em cima dele.”
Ao projetar os próximos anos, Jania afirma que a direção da Salesforce continua a mesma. “Queremos ser a plataforma que nossos clientes usam para gerenciar todo o engajamento com seus consumidores”, diz. “Seguimos falando sobre criar conexões de um jeito novo — a diferença é que agora fazemos isso com novas ferramentas.”
Como mostrou a reportagem da EXAME, as soluções apresentadas pela companhia no Dreamforce 2025 chegam em um momento decisivo para a Salesforce, que enfrenta um cenário de maior cautela do mercado em relação ao potencial de receita da inteligência artificial. As ações da empresa acumulam queda superior a 25% no ano.
A estratégia da gigante de software é demonstrar que os novos recursos, como os agentes de IA aplicados a marketing, vão além da automação e podem gerar valor mensurável para os negócios. Ao mesmo tempo, o setor de tecnologia vive um ponto de inflexão: após a euforia inicial com a IA generativa, cresce a cobrança por resultados concretos. O foco deixa de ser apenas inovação e passa a ser eficiência com impacto no balanço.