Profissionais de marketing apontam que a estratégia vive um ponto de virada e precisa provar seu valor como pilar de crescimento, mostra o estudo The Future of Strategy 2025, da Warc (Nitat Termmee/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 8 de outubro de 2025 às 08h00.
Em um cenário de incerteza econômica e transformações tecnológicas aceleradas, a estratégia de marketing vive um paradoxo. Embora a demanda por orientação estratégica nunca tenha sido tão alta, a área vem perdendo espaço dentro das agências. É o que mostra o relatório The Future of Strategy 2025, publicado pela Warc, plataforma global de inteligência em marketing pertencente ao grupo Informa, responsável também pelo Cannes Lions e Effie Awards.
O estudo, realizado com 1.127 estrategistas de mais de 70 países, a maioria atuando em agências, revela que 80% acreditam que a disciplina está em um ponto de virada. Para 62%, a estratégia é tratada como algo “descartável” quando há cortes de orçamento, apesar do reconhecimento crescente de sua importância.
“A base econômica da estratégia está se desmanchando, o que é curioso, já que a demanda por ela nunca foi tão alta”, diz Tom Morton, fundador da consultoria Narratory Capital.
A percepção é de que, mesmo com o aumento da complexidade no comportamento do consumidor e na fragmentação da mídia, as estruturas internas das agências não acompanharam essa evolução.
O relatório aponta que as equipes de estratégia tendem a encolher. Apenas 31% dos entrevistados esperam crescimento nos próximos 12 meses, uma queda em relação a 2024, quando 47% tinham essa expectativa. A retração ocorre justamente no momento em que mais se exige pensamento estratégico das marcas.
Para Ellie Bamford, chief strategy officer da VML North America, a perda de relevância tem relação direta com a aversão ao risco.
“Nos tornamos avessos ao risco, e nossos clientes também. Estamos nos escondendo atrás de montanhas de dados e não estamos nos posicionando de forma suficientemente firme. Isso reduz nosso valor”, disse.
O levantamento também mostra que muitos profissionais consideram migrar para o lado do cliente ou para consultorias independentes. Entre os estrategistas mais experientes, 24% afirmam que seu próximo passo deve ser fora das agências.
O relatório destaca ainda o avanço dos estrategistas independentes, que ganham espaço como alternativa ao modelo tradicional, impulsionados por marcas que buscam times mais flexíveis e especializados.
O relatório identifica a inteligência artificial como o principal fator de mudança na rotina dos estrategistas: 76% afirmam ter ampliado o uso de ferramentas de IA no último ano, percentual que chega a 85% na América do Norte.
As principais aplicações estão em tarefas operacionais, como análise de concorrência (66%), criação de briefings (51%) e identificação de tendências culturais (42%).
Ainda assim, há dúvidas sobre os efeitos de longo prazo. Quase metade (46%) discorda que a IA vá reduzir o valor dos estrategistas, mas 37% acreditam que a tecnologia poderá aprender a dar “saltos estratégicos” — decisões criativas com base em raciocínio não linear.
“O desafio não é resistir à IA nem adotá-la cegamente, mas aprender a trabalhar com ela. Trata-se de evoluir nosso papel, não de abdicá-lo”, diz Oliver Feldwick, chief innovation officer da T&P.
Mesmo com o avanço da automação e do uso de dados sintéticos, presentes em 38% das pesquisas estratégicas, ante 32% em 2024, o estudo reforça que a pesquisa conduzida por humanos continua essencial. Entre as principais limitações da IA, os entrevistados apontam falta de originalidade (61%) e ausência de nuances culturais e emocionais (60%).
Na visão da Warc, o estrategista tende a assumir o papel de “guardião da realidade”, responsável por ancorar as ideias no mundo real e manter o senso de contexto humano e cultural das marcas em um ambiente dominado por algoritmos.
Outro ponto central do relatório é o chamado “retorno à imaginação”. A Warc aponta que as agências precisam incentivar um pensamento mais criativo e disruptivo, deixando de depender exclusivamente de frameworks padronizados.
“A estratégia recupera relevância quando para de polir simetrias e começa a explorar lacunas — de entendimento, de acesso e de timing”, resume Joseph Burns, da Quality Meats Creative.
“O planejamento precisa parar de tentar estar certo e começar a ser útil. Ele deve ser guiado por empatia, imaginação e verdade”, acrescenta Steve Walls, da Moon Rabbit.
Para Tomas Gonsorcik, chief strategy officer global da BBH, a área precisa ser reposicionada dentro das agências — de suporte de bastidor para serviço central de crescimento.
“Precisamos reposicionar a estratégia,não como luxo, mas como serviço essencial, claro e responsável. Seu papel é oferecer clareza de crescimento, não apenas apresentações”, afirma.
De acordo com o estudo, as maiores oportunidades para os estrategistas estão em ajudar marcas a navegar em cenários complexos (52%) e a entender mudanças no ecossistema de mídia (45%).
O relatório The Future of Strategy 2025 combina dados quantitativos e qualitativos e traz análises de profissionais de diferentes regiões. Publicado anualmente desde 2017, ele se tornou um dos principais termômetros sobre o papel da estratégia dentro do marketing.
A edição deste ano mostra uma disciplina sob pressão, mas também em transformação, impulsionada pela IA, pela busca por relevância e pela necessidade de provar seu impacto no crescimento dos negócios.
“A estratégia nas agências precisa se reinventar. Mais do que nunca, os clientes esperam clareza e direção em meio ao caos”, conclui Lena Roland, diretora de conteúdo da Warc Strategy.