Marketing

'Criatividade diferencia marcas em mercados competitivos', diz Thais Nicolau, da Nomad

Executiva de marketing que avaliou mais de 300 cases no Cannes Lions comenta premiações, uso de IA e como a fintech busca se diferenciar globalmente

Thais Nicolau, da Nomad, integrou o júri da categoria Creative Strategy no Cannes Lions 2025 (Mariana Pekin)

Thais Nicolau, da Nomad, integrou o júri da categoria Creative Strategy no Cannes Lions 2025 (Mariana Pekin)

Juliana Pio
Juliana Pio

Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais

Publicado em 30 de junho de 2025 às 11h26.

Última atualização em 30 de junho de 2025 às 12h24.

Tudo sobreCannes Lions
Saiba mais

CANNES - A criatividade ainda é um diferencial competitivo nos negócios — e o Cannes Lions, um dos maiores festivais de publicidade do mundo, segue sendo uma vitrine importante para identificar quem está usando essa criatividade com estratégia e impacto. Mesmo em meio à polêmica envolvendo o cancelamento de um case brasileiro por manipulação de dados, o evento reforçou sua relevância como termômetro da indústria.

Para Thais Nicolau, diretora de marketing da Nomad e jurada da categoria Creative Strategy neste ano, Cannes continua importante não só por premiar ideias criativas, mas por destacar aquelas que geram resultados concretos para as marcas. Na conversa a seguir, ela reflete sobre os critérios que guiaram sua avaliação entre mais de 300 cases de diferentes países, comenta o reconhecimento do Brasil como Creative Country of the Year e detalha os movimentos mais recentes da Nomad — de ações com IA e Will Smith a estratégias de diferenciação no mercado financeiro. Acompanhe.

Por que Cannes ainda importa para a indústria da comunicação?

O festival é, de fato, uma referência global em criatividade. Historicamente, cerca de 3% das campanhas inscritas são premiadas com algum Leão — considerando que o Cannes Lions recebe mais de 25 mil inscrições por ano. Por isso, ter uma campanha premiada, seja com Leão de Bronze, Prata, Ouro ou Grand Prix, é um reflexo de que aquela campanha teve um impacto muito importante para a marca, ajudando-a a se diferenciar no seu setor ou conquistar um marco que antes não conseguia.

Mas, além da criatividade, existem vários estudos que mostram que marcas premiadas entregam maior lucratividade e aumento efetivo do valor de mercado. Não se trata só do prêmio em si, mas do fato de que o festival reconhece campanhas que realmente se destacaram e que geraram resultados para o negócio. Um dos estudos mais conhecidos é da McKinsey, chamado Creativity is the Bottom Line: How Winning Companies Turn Creativity into Business Value and Growth. Esse levantamento compara indicadores como valor de mercado, crescimento orgânico de receita e Ebitda, relacionando esses resultados ao número de Leões conquistados pelas marcas. A conclusão é clara: marcas premiadas por sua criatividade tendem a ter uma performance melhor do ponto de vista de negócios.

Também há um estudo da Kantar em parceria com a WARC que mostra o impacto direto da qualidade e criatividade sobre lucro. Eles avaliam se a campanha é realmente impactante e o quanto ela influencia tanto o desempenho no curto prazo — como o aumento de vendas — quanto no longo prazo, com a construção da marca. Existe uma correlação muito forte entre campanhas criativas, premiadas e que geram resultados concretos tanto no curto quanto no longo prazo. Ou seja, o Cannes Lions continua sendo muito relevante — não apenas como termômetro da criatividade global, mas também como indicador da performance das marcas.

Cannes ainda dita o futuro da comunicação ou passou a refletir apenas o que está acontecendo agora?

Acredito que o Cannes Lions hoje é um híbrido. Não acho que o festival, sozinho, aponte o futuro, mas ele segue sendo um termômetro importante para mostrar as transformações na comunicação — seja pelas categorias que vão sendo criadas ou reformuladas ao longo dos anos, seja pelas tendências que costumam emergir ali.

Normalmente, as campanhas vencedoras já tiveram algum grau de impacto cultural ou viralização antes mesmo da inscrição, por conta do prazo exigido para participação. E, quando analisamos marcas com estratégias consistentes de longo prazo, isso fica ainda mais evidente. Um bom exemplo é o case da Dove com a campanha Real Beauty, que mostra como uma marca pode ser consistente, gerar impacto e ajudar a moldar tendências dentro do setor.

Ao mesmo tempo, Cannes também antecipa movimentos culturais, tecnológicos e comportamentais que influenciam o futuro da comunicação. Categorias como Innovation, Creative Business Transformation e Creative Data, por exemplo, costumam premiar campanhas que exploram modelos emergentes de comunicação ou tecnologias novas. Por isso, acredito que hoje o festival cumpre esse papel duplo: reconhece o que já teve impacto e aponta caminhos para o que pode moldar o futuro da indústria.

Como jurada de Creative Strategy, quais critérios você considera essenciais para distinguir campanhas estratégicas que unem propósito de marca e resultados mensuráveis?

A categoria de Creative Strategy celebra a ideia por trás da ideia — ou seja, o insight estratégico que deu origem à criação, guiou o desenvolvimento e mostrou que a criatividade começa por uma boa definição de problema: qual é o público-alvo, quais métricas se pretende alcançar, e qual a necessidade de negócio por trás da campanha.

Os critérios que busquei foram campanhas que, de fato, tiveram impacto relevante, seja por gerar mudança de comportamento, alavancar significativamente a marca ou resolver um problema de negócio. Ou seja, trabalhos que tiveram impacto real e em que a estratégia desempenhou papel protagonista nesse resultado. Não se trata apenas da execução, mas de como a estratégia inicial foi fundamental para o sucesso da campanha.

Também valorizei campanhas que trouxeram impacto cultural e que, de alguma forma, promoveram transformação positiva na sociedade — especialmente no caso de campanhas de propósito. Outro ponto que observei foi o entendimento profundo da audiência. O insight estratégico não poderia ter sido destravado se o público-alvo não tivesse sido muito bem compreendido.

De modo geral, o entendimento comportamental profundo que orienta a estratégia e a execução foi um aspecto que me chamou bastante atenção. E, claro, não dá para deixar de mencionar a inteligência artificial. Vi a IA sendo usada de forma diferenciada, sempre combinada com o trabalho humano — seja como protagonista para gerar insights estratégicos, seja para oferecer execuções inovadoras.

Por fim, considerei se a campanha era autêntica para a marca, se a empresa tinha legitimidade para abordar aquele tema, especialmente em ações com propósito. Acredito que, quando o tema é esse, é fundamental que haja autenticidade e consistência com o posicionamento e a atuação da marca como um todo.

Você poderia compartilhar elementos de campanhas — premiadas ou inspiradoras — que mais chamaram sua atenção e por quê?

Alguns elementos me chamaram bastante atenção. Campanhas de impacto que, de fato, geraram mudanças concretas — como alterações em legislações, influência em eleições ou a abordagem de temas sensíveis de forma extremamente emocional.

Um exemplo disso é o case da AXA, Three Words, que venceu o Leão de Ouro em Creative Strategy ao incluir as palavras “and domestic violence” em todas as suas apólices, novas e existentes. A ação partiu do entendimento de que muitas vítimas de violência doméstica permanecem em relações abusivas por não terem para onde ir, e o acréscimo nos contratos foi uma forma de garantir acesso à moradia segura.

yt thumbnail

Outro case marcante nesse sentido foi o Transition Body Lotion, da Vaseline, que recebeu o Leão de Bronze em Creative Strategy e o Grand Prix de Glass. O projeto envolveu dois anos de co-criação com a comunidade trans na Tailândia para desenvolver um hidratante específico para pessoas em processo de transição de gênero.

yt thumbnail

O case do jornal libanês AnNahar, com a campanha AI President, também se destacou. Há cinco anos, a marca vem construindo uma estratégia consistente de educação sobre democracia e participação política, com iniciativas que geram impacto de longo prazo.

yt thumbnail

Outro ponto importante foram as campanhas que, a partir de um insight de consumo, conseguiram destravar novos modelos de negócio ou abrir canais de distribuição para a marca. É o caso do Encore Hours, da Taco Bell, que expandiu sua presença internacional com ativações voltadas à cultura jovem e eventos noturnos.

O Mi Banco, com o case Estibadores, também trouxe um olhar relevante ao adaptar soluções financeiras às necessidades específicas dos trabalhadores portuários em Porto Rico. E o Airbnb, com a iniciativa Icons, mostrou como uma ação de marca voltada à experiência pode evoluir para uma nova frente de negócios — ao transformar experiências com celebridades em um produto que gera receita e amplia o alcance da plataforma.

yt thumbnail

Por fim, me chamaram atenção as campanhas que apresentaram verdadeiros hacks estratégicos: ideias simples, baseadas em comportamentos naturais das pessoas, mas que geraram resultados expressivos. Football is for Food, da Uber Eats, é um bom exemplo — ao vincular a doação de alimentos à paixão nacional pelo futebol.

yt thumbnail

E mesmo sem ter sido premiado, o case da Waoo, operadora de internet, me pareceu brilhante: eles criaram nomes de redes Wi-Fi com a marca para aparecerem automaticamente nos dispositivos quando a conexão caía — um jeito criativo de capturar atenção e se posicionar como solução no momento de frustração do usuário.

Na Nomad, você conduziu campanhas ousadas, como a de IA com o Will Smith. Como a experiência de criar conteúdo de impacto influencia seu olhar técnico ao avaliar cases no festival?

Acho que o grande ganho — tanto pessoal quanto profissional — e também a principal contribuição técnica que levo da experiência como jurada está no repertório. Julguei mais de 300 campanhas na fase de shortlist, vindas de diferentes países e categorias, e isso ampliou muito meu olhar. Esse contato com tantos trabalhos diversos fez com que meu critério de avaliação ficasse ainda mais apurado — elevando a régua do que considero relevante.

Durante o processo, fui desenvolvendo um olhar cada vez mais crítico para entender o que era realmente disruptivo, o que era de fato inovador e o que se parecia com algo que já vi antes. Isso foi muito enriquecedor. Quanto mais você mergulha nos conceitos criativos, nos insights e nos resultados, mais criterioso você se torna. Cheguei a revisar minhas notas várias vezes, porque, conforme ganhava repertório, comecei a reavaliar: será que essa campanha é realmente de shortlist? Ela é boa, mas será que merece ser premiada? Esse exercício constante de calibrar o olhar foi uma das partes mais valiosas da experiência.

A Nomad tem ampliado sua comunicação para além do cartão de débito internacional. Como a estratégia criativa da marca tem se adaptado para comunicar esse portfólio mais amplo em um mercado tão competitivo?

De fato, a Nomad foi lançada como uma marca focada no cartão de débito internacional e, por bastante tempo, esse foi o principal eixo das nossas estratégias de aquisição. Mas hoje somos um ecossistema completo de soluções para a vida financeira internacional, com dois principais casos de uso: viagens e investimentos no exterior.

O primeiro passo da nossa estratégia foi apresentar a marca a partir do cartão de débito, mas sempre deixando claro que éramos mais do que isso. Aos poucos, ampliamos essa narrativa para incluir os investimentos internacionais, que têm ganhado cada vez mais espaço na nossa comunicação.

Também buscamos nos diferenciar por meio de produtos e serviços inovadores, além das estratégias de comunicação. Fomos a primeira fintech a lançar uma sala VIP no Aeroporto de Guarulhos e, no ano passado, abrimos o Nomad Coffee em frente ao consulado, para estar presentes desde o planejamento da viagem. Na última semana, lançamos um serviço inédito que permite abrir a conta direto no aeroporto e, com o uso de uma máquina automatizada, já sair com o cartão físico em mãos — algo inovador no mercado.

Em 2024, com a marca já consolidada no segmento de viagens, passamos a liderar a discussão sobre dolarização de patrimônio, de forma acessível e democrática. A nossa nova campanha parte de um comportamento universal — jogar uma moeda em uma fonte para fazer um pedido — para propor uma reflexão: por que não investir parte do seu patrimônio em dólar e conquistar seus objetivos com mais segurança? Em um cenário volátil, ter uma parte dos recursos em moeda forte, como o dólar, é uma forma relevante de proteger o patrimônio.

Em sua visão, qual o papel da criatividade na construção de marcas sólidas e no crescimento sustentável, especialmente em mercados competitivos como financeiro e tecnologia?

A criatividade é essencial, independentemente do setor. Já trabalhei com fast food, e-commerce e, agora, mercado financeiro. E o que percebo é que, se colocarmos lado a lado os prints ou vídeos das campanhas desses segmentos, muitas vezes veremos propostas de valor muito similares, tanto em termos de funcionalidade quanto de linguagem.

No mercado de investimentos, por exemplo, é comum encontrar uma comunicação mais sóbria, com tons escuros e estereótipos bastante definidos de audiência. Ou seja, em mercados com alta concorrência, a comunicação tende à homogeneidade — tanto no conteúdo quanto na forma.

Por isso, usar a criatividade para construir campanhas e execuções diferenciadas é fundamental. É o que gera vantagem competitiva, saliência e visibilidade para a marca — especialmente quando o orçamento não é o maior do mercado, como é o nosso caso.

A campanha com o Will Smith foi nosso primeiro grande marco de comunicação. Foi quando apresentamos a Nomad de forma mais completa ao mercado. Ela ultrapassou 50 milhões de visualizações somando YouTube, Instagram e TikTok, e fez da Nomad a marca mais lembrada em propaganda de conta internacional — mesmo com apenas um terço da verba das concorrentes.

Campanhas disruptivas têm esse poder: geram conversa, destacam a marca e entregam resultados concretos. No nosso caso, além dos ganhos de marca, tivemos um crescimento de 17% em contas para viagens com cartão de débito e de 31% em contas de investimento no exterior. Esse é o impacto da criatividade quando usada de forma estratégica.

O Brasil foi reconhecido como o primeiro ‘Creative Country of the Year’ em Cannes Lions 2025. O que esse título representa para o país e para a imagem das agências e marcas brasileiras?

Historicamente, o Brasil sempre teve destaque no festival, entre os cinco países mais premiados com frequência. A indústria publicitária brasileira é uma das que mais evoluiu no mundo, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, revelando alguns dos publicitários mais criativos e premiados do cenário global. É impossível não citar nomes como Washington Olivetto e agências que se tornaram verdadeiros ícones da publicidade.

Por isso, considero esse título um reconhecimento simbólico, mas também extremamente estratégico para o país. Ele reforça nosso patamar de influência e protagonismo internacional. O Brasil é um dos países mais diversos do mundo — em etnia, classe social, sotaques, crenças, contextos e estilos de vida. Essa multiplicidade gera um repertório riquíssimo de referências e tensões culturais, que funcionam como ponto de partida para insights únicos e criativos.

Fiquei especialmente feliz em ver o Brasil sendo homenageado nessa nova categoria pela primeira vez. Acredito que isso consolida ainda mais nosso posicionamento como referência global em criatividade e comunicação.

  • *A jornalista viajou a convite da Nomad

LEIA MAIS SOBRE CANNES LIONS 2025

Acompanhe tudo sobre:Cannes LionsCriatividadePublicitáriosestrategias-de-marketing

Mais de Marketing

URGENTE: DM9 perde Grand Prix em Cannes após manipulação de case

Para transformar nostalgia em desejo, Nike e Levi’s se juntam e lançam produtos exclusivos

Do básico ao maximalismo: Skims, de Kim Kardashian, lança nova coleção e reposiciona sua imagem

Entenda como a Netflix transformou sua abertura em referência de sucesso mundial