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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h55.
Radicado há duas décadas nos Estados Unidos, o designer e publicitário francês Marc Gobé, de 55 anos, já criou latas para a Coca-Cola, arranjou os espaços internos das lojas Godiva e, mais recentemente, foi chamado pela Natura, fabricante brasileira de cosméticos, para ajudar na estratégia de lançamento de sua marca na Europa (a Natura planeja abrir uma loja em Paris no segundo semestre de 2004).
Em seu primeiro livro, A Emoção das Marcas (Negócio Editora), Gobé chama a atenção das empresas para a necessidade de formar elos emocionais com os consumidores para se diferenciar da enorme quantidade de produtos à venda no mercado. No segundo livro, Brand Citizen, ainda inédito no Brasil, ele se debruça sobre a questão da responsabilidade das marcas corporativas no capitalismo. Em entrevista exclusiva ao portal EXAME, Gobé analisou as conseqüências do escândalo financeiro na Parmalat para a sobrevivência de uma marca que é ao mesmo tempo corporativa e nomeia uma gama de produtos.
EXAME - A Parmalat forjou uma marca forte no país. A seu ver, quais as conseqüências e riscos para ela com o escândalo financeiro em sua matriz?
MARC GOBÉ - É o pior dos mundos, justamente por se tratar de uma marca de consumo em que o conceito de confiança é muito elevado. Uma nota positiva é que o escândalo foi exposto de maneira ágil e francamente na imprensa e na justiça. Seu núcleo diz respeito à ética na cúpula da empresa - e menos sobre toda a organização.
EXAME - Pelo fato de se tratar de uma marca de alimento as conseqüências podem ser piores?
GOBÉ - Sim. São produtos de nossa vida cotidiana, que visitam nossos lares, portanto, a conexão emocional aqui é muito alta. O lado bom é que o escândalo ficou restrito à alta cúpula, envolvendo executivos motivados pela ambição. A maioria dos funcionários na Parmalat está trabalhando duro. São eles quem correm o risco de perdas nesse terrível episódio. Felizmente, os criminosos estão sendo punidos, o que é uma mensagem positiva para a sociedade.
EXAME - Há risco de que a marca Parmalat venha a desaparecer?
GOBÉ - Uma marca pode ser abalada ou morrer em tais circunstâncias se os consumidores perderem a confiança na capacidade da companhia de operar normalmente, ou se financeiramente a marca não puder sobreviver. O prejuízo vai além, pois afeta os negócios em geral e, mais importante, o conceito de democracia e de livre mercado. Isso porque o sistema está baseado na honestidade e na responsabilidade para com os indivíduos. Se a marca não puder sobreviver, o melhor caminho é vender o patrimônio da empresa para outra marca com melhor reputação.
EXAME - Uma boa marca pode sobreviver nas mãos de maus empresários e executivos?
GOBÉ - Infelizmente sim, pois maus empresários podem ser bons administradores. Algumas marcas são mais fortes do que seus fundadores e resistem a escândalos. O fundador de uma fábrica de sapatos nos EUA está na cadeia por evasão fiscal, mas seu negócio está segue com empenho. A marca Martha Stewart, que pertence a uma proprietária que está sendo julgada, ainda sobrevive. A questão é se o proprietário feriu a marca enquanto a administrava (falta de investimento, produtos etc) para apoiar sua ambição pessoal ou cometeu erros como evasão fiscal ou atividades ilegais. No caso Parmalat é até mais preocupante porque se trata de ambos dado o fato que o proprietário, que também é o fundador, usou a companhia para seu próprio benefício, ferindo a marca para ganhos pessoais. A Arthur Andersen foi destruída porque rompeu com o código de ética que estava no coração de seu negócio. A francesa Elf foi obrigada a se fundir uma vez que os escândalos associados à marca a tornaram irrelevante para os investidores mundiais. A Worldcom e a Enron também quebraram a confiança do público. A Worldcom, lidando com a ponta do consumidor, não poderia permanecer com esse nome. Já a Enron, como possui uma operação business to business saiu da tela de radar do consumidor e poderia manter seu nome. Mas, felizmente, esses episódios não são uma regra. Dado o número de negócios globais no mundo, apenas um número limitado deles passa por problemas. A maioria das empresas abertas entendem hoje sua responsabilidade para com os empregados e acionistas e estão sob
um olhar atento do público. A boa notícia é que as más corporações estão sendo descobertas e não são protegidos apesar da sua influência e conexões, algo muito tranqüilizador para o publico e os acionistas.
EXAME - Como a Parmalat pode agora se prevenir das piores conseqüencias?
GOBÉ - Sendo aberta e transparente, comunicando tudo sobre a nova administração e sua visão, além de assegurar aos consumidores que a qualidade dos produtos será mantida. Mais importante, a empresa deve agir rapidamente para proteger os empregos e assegurar tranqüilidade também aos funcionários. A saúde de uma marca será tão boa quanto forem as pessoas e a conexão emocional com o mercado. Eu recomendaria ir tão longe como mudar o nome da companhia. Isso dará uma chance para comunicar uma mensagem nova e positiva da nova administração e manter o passado lá atrás... no lugar a que pertence.