(Avon/Divulgação)
Clara Cerioni
Publicado em 5 de abril de 2017 às 14h44.
São Paulo - A nova campanha da rede de fast food Burger King é estrelada pela drag queen Anny B.
Já um emocionante comercial da Vick traz uma menina indiana que conta como se tornou órfã e, depois, foi adotada por uma mulher transgênera.
Esses dois exemplos recentes mostram uma tendência que cresce e se consolida no mundo da publicidade: a inclusão do público LGBT como estratégia de marketing das empresas.
Apesar de discreto, o chamado "marketing LGBT" já existe há décadas. Nos Estados Unidos e em países da Europa, por exemplo, desde os anos 80 algumas empresas arriscam a incluir esse público em suas propagandas.
Em 1981, a marca sueca de vodka Absolut desenvolveu anúncios para circular em duas revistas voltadas para homens gays, a The Advocate e a After Dark.
Nos EUA, em 1994, a rede de móveis Ikea, veiculou um comercial com um casal formado por dois homens escolhendo mesas de jantar. A peça foi transmitida apenas duas vezes e saiu do ar após a companhia receber ameaças de bombas em suas lojas.
Já no Brasil, apenas nos últimos três anos essa realidade foi percebida e colocada em prática com mais engajamento.
A Natura lançou, no Dia das Mães de 2014, uma propaganda que retratava uma família com duas mães e incentivou outras marcas a fazerem o mesmo.
Em 2015, a companhia aérea Gol criou, para a mesma data comemorativa, um anúncio com dois pais, para mostrar que "entre tantos destinos, eles escolheram o amor".
Já em 2016, a marca de cosméticos Avon também apostou na diversidade e representatividade para o lançamento de uma campanha: a drag queen Pablo Vittar seria a nova garota-propaganda da marca.
Mas, afinal, por quê as marcas estão "saindo do armário"?
Para Silvio Sato, professor de Publicidade e Propaganda da FAAP, mais do que reconhecer que o público lésbico, gay, bissexual, transexual e transgênero é um cliente como qualquer outro, o marketing das marcas também percebeu que essa é uma demanda social.
"Posicionar-se a favor dos LGBT é uma questão emergente e as empresas não podem ignorá-la. Muito mais do que lucro, elas sabem seu papel como formadoras de opinião e por isso se posicionam a favor do tema", explica.
De acordo com Sato, para conquistar esses consumidores as marcas não precisam de muito, apenas das estratégias clássicas de marketing - uma vez que a diversidade dentro da comunidade LGBT é bastante representativa.
"É preciso fazer o básico: separar os consumidores em grupos, de acordo com os critérios de interesse das empresas e dos consumidores. O público LGBT não é nada além de que mais um consumidor, que tem seus desejos e expectativas", diz.
O especialista acrescenta que o mais importante para a marca é a visão que esse consumidor constrói quando se sente representado.
"Marcas engajadas nessa política social são melhores vistas pelo público LGBT, que se sente representado e que só busca ser tratado com naturalidade. Isso é positivo e atrai mais visibilidade para a marca", explica.
Anna Castanha, professora de Marketing LGBT da ESPM, no entanto, alerta para uma realidade comum em propagandas voltadas a esse público: a falta de continuidade.
"As empresas fazem ações muito pontuais para os LGBT, que depois de um tempo caem no esquecimento. Para se tornar referência é preciso de periodicidade", explica.
A especialista recomenta ainda que as marcas percebam as oportunidades olhando para esse público sempre como um potencial cliente. Para ela, marcas precisam encontrar quais os serviços que podem oferecer para se firmar nesse segmento.
"Empresas de plano de saúde, previdência privada e seguro de vida, por exemplo, têm um grande potencial para atender a demanda dessas pessoas e devem fazer isso. E não por oportunismo, ou para ganhar mais dinheiro, mas porque os LGBT nem sabem que têm esses direitos e não vão atrás", completa.
As marcas que decidem levantar a bandeira da igualdade em sua comunicação, no entanto, precisam se atentar para que a iniciativa não seja vista como mero oportunismo.
Para os consumidores, não adianta retratar os LGBT nas propagandas, mas não inseri-los nos corredores da empresa.
Segundo o censo mais recente do IBGE, de 2010, 10% da população brasileira é formada por homossexuais. Isso significa que dentro de uma empresa espera-se que tenha ao menos essa proporção de funcionários assumidos.
Para Castanha, antes de encher as propagandas com protagonistas LGBT, as empresas precisam olhar para dentro delas. Segundo ela, esse é um dos maiores erros que as marcas comentem nesse tema.
"Não adianta querer ganhar dinheiro em cima de uma causa social e não fazer nada além disso para mudar o cenário de homofobia e preconceito que essas pessoas enfrentam. Isso é oportunismo e não é bem-visto pela sociedade", explica.
O professor Sato completa ainda que a escolha por dar visibilidade a uma minoria social é uma escolha e por isso ela deve estar em todas as ações das empresas, e não apenas na comunicação externa.
"A marca se colocou nessa posição e por isso deve realmente entrar no jogo porque, se a prática não for igual ao discurso, os danos serão enormes".
Um dos maiores desafios das marcas é gerenciar crises. Um caso emblemático no Brasil aconteceu com O Boticário, em 2015.
A empresa, que apostou em uma campanha de Dia dos Namorados estrelada por casais homossexuais e heterossexuais, precisou lidar com a repercussão positiva e negativa da peça publicitária.
Até agora, o vídeo no YouTube teve 3,7 milhões de visualizações e 386 mil curtidas. Mas a iniciativa não agradou a todos: 194 mil pessoas o reprovaram.
A repercussão foi tanta que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) recebeu mais de trinta reclamações sobre o anúncio. A maioria questionava a moralidade da propaganda.
Segundo Sato, essa é uma consequência que as marcas precisam estar prontas para lidar. "Quando a empresa escolhe por abraçar a discussão das minorias, ela se abre para receber críticas. Mas isso não significa que ela não deve fazer, porque o assunto é emergente e as marcas têm um papel essencial nessa discussão".
Veja abaixo quais são as empresas que as lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros mais se simpatizam, de acordo com um levantamento de 2015, da YouGov BrandIndex.
O ranking levou em consideração o índice de igualdade empresarial, as políticas LGBT no local de trabalho e as campanhas publicitárias para pontuar as marcas.
O primeiro lugar ficou com a gigante eletrônica Amazon, que em 2014 aparecia apenas na sexta posição.
Apple e iPhone completam os três primeiros colocados. Ambas as marcas não apareciam nas nove primeiras posições no ano anterior.
Essa mudança brusca de reconhecimento, explica Castanha, se deve exatamente pelas ações pontuais que deixam a empresa em evidência por um tempo, mas depois caem no esquecimento.