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Enredo patrocinado: o fim da folia ou o futuro do carnaval?

Se de um lado, as escolas de samba ganham um carnaval mais farto com o patrocínio das marcas, de outro, podem perder em tradição

Gisele: garota-propaganda da Pantene, top desfilará pela Vila Isabel, escola patrocinada pela marca (Divulgação/Pantene)

Gisele: garota-propaganda da Pantene, top desfilará pela Vila Isabel, escola patrocinada pela marca (Divulgação/Pantene)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de março de 2011 às 18h26.

São Paulo - Não há dúvidas de que a maior festa popular do mundo é fundamental para a saúde do turismo nacional e, mais do que em qualquer outro momento, para a imagem que o Rio de Janeiro, futura sede dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo, procura construir lá fora. Para as escolas de samba que protagonizam o carnaval, no entanto, segurar os altos custos dos desfiles é uma tarefa árdua, batalhada ano após ano.

Em São Paulo, o principal patrocinador é a prefeitura, que somente para as escolas, dará R$ 10 milhões dos R$ 25 milhões investidos neste ano. A ajuda é bem-vinda, mas claramente insuficiente: cada agremiação já gasta, sozinha, de R$ 5 a R$ 10 milhões para bancar o próprio brilho na passarela. A solução encontrada vem da iniciativa privada. Neste ano, multinacionais como Nestlé e P&G estão bancando parte da festa, junto com marcas como China in Box, Nova Schin, Unimed-Rio e Comgás. Embora positiva para as escolas, que passam a contar com mais recursos, a entrada de marcas em uma festa que é essencialmente popular levanta um questionamento: até que ponto o carnaval consegue manter sua essência intacta, sem se tornar um grande palco para a publicidade?

Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, o regulamento das ligas que representam as escolas de samba proíbe a apresentação de marcas ou qualquer tipo de merchandising, implícito ou explícito, na passarela, principalmente para proteger os direitos dos parceiros comerciais da Rede Globo, que transmite nacionalmente os desfiles. Com isso, as escolas têm o desafio de tentar incluir os anunciantes em seus sambas-enredo de forma pertinente, sem deixar que isso se torne evidente. Um caso que virou emblema desse desafio no ano passado foi o da Rosas de Ouro, de São Paulo. Embora a escola tenha saído campeã da avenida, apenas um mês antes dos desfiles havia sido obrigada a alterar a letra que regeria seu desfile: de “o cacau é show”, em uma óbvia referência à então patrocinadora Cacau Show, a frase comprometida do refrão virou “o cacau chegou”.

Neste ano, o caso mais emblemático, porém até agora, bem-sucedido, envolve a Pantene, da P&G, e a Unidos da Vila Isabel. Patrocinada pela marca, a escola entrará na Sapucaí com o enredo “Mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelo”. Com o argumento de que o cabelo faz parte do samba e do carnaval desde a época das marchinhas, a escola terá a presença da top Gisele Bündchen, garota-propaganda da marca, no desfile, além de ações de ativação já encerradas que colocarão cinco pessoas no desfile.

Para Júlio Moreira, professor de branding da pós-graduação em comunicação da ESPM, a estratégia é válida e beneficia as escolas de samba, o que não significa que seja despida de riscos. Segundo Moreira, a exposição excessiva de uma marca - principalmente se for multinacional - em uma festa popular como o carnaval pode até ser vista por muitos espectadores como uma atitude imperialista. “É preciso ter muito cuidado com isso. Hoje, os consumidores estão muito críticos e não aceitam a publicidade de uma forma passiva. Além disso, existem canais muito ágeis para criticar. Tenho certeza de que haverá pessoas tuitando do sambódromo. Tanto a marca anunciante como a escola, que, aliás, também é uma marca, precisam saber dosar para não causar incômodo em quem assiste aos desfiles”.


É sabido que junto com as escolas de samba, existem marcas desfilando nos sambódromos e, mesmo que isso aconteça de forma implícita, um olhar mais atento reconhece facilmente o merchandising. Angelina Basílio, presidente da Rosas de Ouro, defende que a presença de marcas na passarela só engrandece o espetáculo: “Essa parceria é maravilhosa. A gente deixa de gastar com um monte de coisas... É benéfico para os dois lados. Eu diria que é o futuro das escolas de samba”. Neste ano, repetindo a estratégia do ano passado, a agremiação fechou uma parceria com a China in Box. Ao desfilar com um enredo que falará sobre a sorte, a escola e a marca encontraram uma oportunidade. A Rosas de Ouro terá um carro alegórico que mostrará um dragão chinês, em uma alusão ao tradicional biscoito da sorte: “Está tudo dentro da história que a gente vai contar”, adianta-se Angelina, referindo-se à alusão à marca patrocinadora da escola.

Para as marcas, o ganho é a exposição da marca na mídia. No caso da Rosas de Ouro, a China in Box fez um investimento de 250 mil reais que já está dando retorno antes mesmo do carnaval, de acordo com a diretora de marketing da marca, Mary Kadei. A rede intensificou promoções entre os franqueados locais e levará consumidores para participarem no desfile, praticamente inascessível para muitos por causa do alto preço das fantasias. A vantagem em patrocinar uma escola de samba, segundo Mary Kadei, está em colocar a marca de culinária chinesa em eventos tipicamente brasileiros.

Júlio Moreira, da ESPM, diz assistir à intervenção das marcas no carnaval com preocupação. O professor de branding afirma que, embora seja, de fato, uma solução para a “folia”, tirando a festa da rota de possíveis patrocínios de fontes ilegais como o tráfico e o jogo do bicho, há que se ter um cuidado grande para que a lógica de mercado não predomine sobre um aspecto artístico e cultural. Moreira atesta que o que merece mais atenção é a geração de conteúdo, muito mais do que o patrocínio em si:  “É preciso observar o risco de muitas empresas administrarem o conteúdo das apresentações, até mesmo o tema das escolas de samba, interferindo numa festa tipicamente popular brasileira em troca de visibilidade. Uma coisa é as marcas darem apoio, outra é participarem de uma maneira ostensiva nos desfiles”.

Injetando um investimento de cerca de um milhão de reais - desses, 900 mil via Lei Rouanet - no desfile da paulistana Águia de Ouro, a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) é mais uma marca que viu na festa uma oportunidade.De acordo com Bruna Milet, gerente de comunicação da companhia, já existe uma tradição de incentivo a ações culturais por parte da empresa, e quando a escola de samba procurou a Comgás, já com o enredo definido sob o título"Com todo o gás, a Águia de Ouro é Fogo", entendeu-se que parceria fazia todo o sentido para a estratégia da marca, que busca uma aproximação maior com a classe C.

“O patrocínio tem a  ver com a valorização da produção local. Agora que estamos crescendo no segmento residencial, focando a classe C, ativar nossa marca através do carnaval faz todo o sentido, porque o enredo da Águia de Ouro vai contar um pouco da história do gás. As pessoas ainda estão muito acostumadas com o botijão, então o desfile pode ajudar a criar uma cultura de gás canalizado para uma população que não está acostumada a isso”, diz Bruna Milet. Um dos carros alegóricos da escola remeterá ao abastecimento de táxis movidos a GNV, além de mostrar outros usos do produto, como na indústria, nos chuveiros (para aquecimento de água) e fogões, entre outras aplicações.

Resta saber se a abordagem “didática” será bem capaz de cativar os foliões na avenida. No carnaval do ano passado, a carioca Portela buscou uma aproximação com a Positivo, marca patrocinadora da agremiação, explorando o tema “inclusão digital”. Pouco criativo e de difícil execução, o enredo não impressionou o público e comprometeu o desempenho da escola de samba na classificação geral, derrubando-a da 3ª posição, alcançada em 2009, para a 9ª. No final, o grande desafio das escolas patrocinadas é não deixar a marca atravessar o samba.

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