Rafaela Lotto, CEO da Youpix, afirma no Cannes Lions 2025: “Vejo os publicitários se premiando e tomando rosé, enquanto o modelo de negócio deles derrete no Brasil.” (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 18 de junho de 2025 às 08h26.
Última atualização em 18 de junho de 2025 às 08h47.
No Cannes Lions 2025, a creator economy consolidou espaço na agenda do festival, com programação e premiações voltadas a criadores de conteúdo, marcas e especialistas. A presença reforça a transição da publicidade tradicional para um modelo orientado por dados, tecnologia e pelo protagonismo dos influenciadores.
O evento tem abordado discussões sobre ética, transparência e estrutura do setor. No entanto, para Rafaela Lotto, CEO e sócia da Youpix, consultoria especializada em creator economy, ainda faltam debates mais consistentes sobre as novas gerações responsáveis por moldar um mercado estimado em US$ 480 bilhões até 2027, segundo projeção do Goldman Sachs.
Formada em Publicidade pela Universidade Metodista de São Paulo e com MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Lotto tem mais de 20 anos de experiência no mercado digital e atua com estratégias para influenciadores e marcas. À EXAME, ela compartilha sua visão sobre o espaço que os creators ocupam — ou ainda não ocupam — na indústria.
Acredito que hoje tenha um papel institucional importante de reunir o mercado e concentrar pautas que são comuns a todos. Em uma realidade muito mais fragmentada, com eventos ao redor do mundo discutindo pedaços dessa indústria, sinto que o festival tenta, de alguma forma, trazer uma visão do ecossistema e manter uma unidade colocando a criatividade como centro. No entanto, vejo que, ao mesmo tempo, ignora justamente o que está à margem, focado na criatividade e ignorando toda a problemática e os desafios que os modelos de negócios em torno da criatividade enfrentam hoje.
Como uma “outsider” recém-integrada a essa discussão (já que é apenas o segundo ano em que os creators e o mercado da creator economy estão sendo convidados para o festival), vejo que Cannes está longe de discutir o futuro da comunicação. O que vejo dentro das marcas e também nos eventos do nosso mercado é um futuro da comunicação acontecendo, enquanto os publicitários tentam se agarrar ao que ainda existe. Estando fisicamente em Cannes, vejo os publicitários se premiando e tomando rosé, enquanto o modelo de negócio deles derrete no Brasil.
Vejo como uma tentativa da indústria de se aproximar dos creators e do mercado por motivos práticos: a verba da publicidade está indo para lá. Mas as discussões que o festival traz são pouco voltadas para o creator e sim para a publicidade que ele faz para as marcas. A creator economy não é feita apenas de influenciadores e marcas, mas de uma discussão muito mais ampla sobre comunidade, modelos de monetização, fontes de receita diversas, algoritmo, plataformas, inteligência artificial, etc. Mas essas discussões, como não interessam aos publicitários, não estão na mesa em Cannes.
O que me chama atenção na programação deste ano é justamente o que ela não traz, que é uma discussão central sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na criatividade. É inacreditável como esse assunto é secundário, discutido ou abordado muito mais nas ações de patrocinadores como Microsoft, Canva e Meta do que no programa central do evento.
O Brasil sendo reconhecido como “Creative Country of the Year” é um reconhecimento de certa forma esperado, já que é o segundo maior em número de Leões, atrás apenas dos Estados Unidos, que não está num bom momento para ser “celebrado”, muito menos pelos franceses. Acredito também que a ideia de eleger um país por ano seja uma estratégia de engajamento com os profissionais e até de atração de novos participantes. Para a creator economy, acho que o impacto é quase nulo, já que ela não é tema central dessa criatividade comemorada.
Nos chamam para a festa, mas não nos tiram para dançar.
Para o nosso mercado, o que espero levar de volta são as conexões que fazemos durante o festival. Para além do conteúdo, que para a creator economy, como falei, é bastante superficial, muito do que se leva de Cannes não está nos palcos.
Acredito que a tendência do debate está no não lugar para as pautas necessárias, como inteligência artificial, modelos de negócio, criatividade descentralizada e o “incômodo” que os creators vêm trazendo para os até então “únicos criativos” que frequentavam a Riviera Francesa durante essa semana. Embora o festival faça questão de trazê-los para perto, vejo mais como uma forma de não parecerem desatualizados do que como real intenção de trazer essa pauta para o centro da discussão. Essa é também a minha crítica. O pensamento de Cannes é o pensamento do mercado. Se estivéssemos no TikTok, poderíamos dizer que os publicitários estão #delulu — abreviação de delusional (delirante, em inglês), usada para descrever uma mentalidade excessivamente otimista, na qual se acredita que desejos e objetivos já foram alcançados, mesmo sem respaldo na realidade.
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