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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
No mundo todo, as grandes marcas de luxo sempre foram conhecidas por sua incrível e glamourosa capacidade de lançar tendências. Basta que um acessório, cor ou tecido seja apresentado com sucesso nas passarelas para a novidade ser copiada em pequenas oficinas do interior da China ou nas maiores redes de varejo de roupa dos Estados Unidos. A recente crise econômica que abateu boa parte da economia dos países desenvolvidos e o surto de comedimento gerado por ela, no entanto, inverteram esse processo. Agora, são justamente as grandes grifes que perseguem uma "moda": a da sustentabilidade. Mais do que sentir um repentino amor pelas florestas ou por comunidades de países devastados por guerras e pela miséria, essas companhias foram, digamos, sensibilizadas por uma lógica puramente econômica. Nos últimos dois anos, segundo dados da consultoria Bain & Company, o mercado de luxo sofreu retração de mais de 10% - uma conta de quase 25 bilhões de dólares. A expectativa dos analistas é que as vendas só retornem aos níveis de 2008 em 2012. Para enfrentar esses tempos bicudos, as marcas de luxo encontraram no apelo ecológico e na postura politicamente correta a maneira mais eficiente de fazer com que o consumidor não se sinta tão culpado ao desembolsar uma pequena fortuna por uma bolsa ou um vestido. "O 'verde' tornou-se o novo 'pretinho básico' do setor de luxo", afirma Manfredi Ricca, diretor da consultoria Interbrand em Milão. Entre os jovens, esse apelo é ainda mais eficiente. Uma pesquisa feita pela consultoria Luxury Institute de Nova York com mais de 1 000 pessoas entre 18 e 25 anos de idade mostrou que quase 60% delas buscam informações sobre sustentabilidade antes de decidir a compra de um item de luxo - ante 40% da média dos americanos.
O primeiro a aderir ao "luxo com consciência" foi o grupo LVMH, dono de marcas como Louis Vuitton e Dior. Em maio de 2009, o maior conglomerado de luxo do mundo adquiriu 50% de participação na grife de moda Edun. Criada pelo popstar engajado Bono Vox, vocalista da banda U2, a grife nasceu para promover o desenvolvimento em países pobres - o algodão usado nas peças, por exemplo, é cultivado por pequenos produtores da África. No mês seguinte, o grupo rival PPR, dono das marcas Gucci e Yves Saint Laurent, patrocinou um documentário de 1 hora e meia sobre a devastação do planeta, exibido em mais de 100 países. Pouco tempo depois, a joalheria Tiffany enfeitou com corais sintéticos as vitrines de suas lojas em todo o mundo só para deixar claro que não usa corais verdadeiros, hoje sob risco de extinção, em suas joias. Em outubro, foi a vez da aristocrática fabricante de carros Bentley lançar seu primeiro modelo com motor flex, o Continental Supersports, por "módicos" 270 000 dólares - nas últimas semanas, a Lincoln, divisão de luxo da Ford, anunciou que pretende fazer o mesmo. Nessa corrida, algumas ideias beiram a bizarrice. A italiana Ermenegildo Zegna lançou, em 2008, um casaco de couro com pequenos painéis solares nas mangas, utilizados para abastecer uma bateria que aquece a gola da roupa. "A sustentabilidade é a grande aposta das marcas de luxo para continuar crescendo", diz Ricca. "É dessa maneira que elas pretendem se diferenciar dos concorrentes."
UMA DAS ESTRATÉGIAS MAIS estruturadas é a da Cartier, responsável pela compra de 1% de todo diamante usado em joias no planeta. A empresa francesa mobilizou o Responsible Jewellery Council, que reúne 150 fabricantes de joias, para convencer todos os associados a exigir de seus fornecedores uma certificação ambiental e social - de modo a garantir que as pedras preciosas utilizadas em suas peças não tenham nenhuma ligação com zonas de conflito, sobretudo na África. "Depois do filme Diamante de Sangue, em 2006, passamos a ser questionados nas lojas a respeito da procedência das pedras", diz Pamela Caillens, diretora de responsabilidade corporativa da Cartier. "Apesar de nossos diamantes não serem provenientes de zonas de conflito, decidimos dar um passo além e mostrar aos consumidores que somos uma empresa limpa."
Embora o ímpeto sustentável tenha se intensificado de 2009 para cá, algumas marcas de luxo já se aventuravam numa espécie de marketing ecológico há pelo menos cinco anos. Os resultados, no entanto, foram medíocres. Em 2004, na tentativa de reduzir suas emissões de poluentes, a LVMH diminuiu o número de viagens corporativas e pôs fim ao transporte aéreo de seus produtos. A PPR, por sua vez, alardeou a criação de uma diretoria de responsabilidade social só para cuidar de temas como meio ambien te e diversidade. Uma pesquisa realizada pela ONG ambientalista WWF em 2007, porém, jogou um balde de água fria nesses projetos. No ranking de sustentabilidade da organização, a nota máxima obtida pelas grifes de luxo foi um tímido C+, dado à LVMH, à Hermès e à L'Oréal (a PPR ficou com um D). Nesse grupo de pioneiros - geralmente malsucedidos -, a alemã BMW é exceção. A empresa vem investindo no desenvolvimento de tecnologias limpas desde 1995 e hoje é considerada a montadora com o melhor programa de redução de CO2 pela Federação Europeia para Trans porte e Meio Ambiente. Além de reduzir quase 30% das emissões de seus 27 modelos, a BMW tomou iniciativas como usar gás metano de aterros sanitários para gerar energia para suas fábricas. "A maior parte das marcas de luxo reconhece a importância da sustentabilidade", afirma Jem Bendell, conselheiro do WWF e um dos cria dores do ranking. "O problema é que elas não sabem ao certo como colocar isso em prática."
Apesar do engajamento demonstrado pelas marcas de luxo, ainda é cedo para saber se o apelo ecológico veio mesmo para ficar - ou se não passa de mero paliativo para enfrentar os tempos duros. "Como nenhuma dessas empresas revela quanto, de fato, vem sendo investido, fica difícil saber quão comprometidas elas realmente estão", diz Carlos Ferreirinha, diretor da consultoria MCF, especializada no setor de luxo. Nesse caso, o maior pesadelo para uma grife de luxo seria a acusação de greenwash, termo que designa empresas que apenas simulam um compromisso com a sustentabilidade. A Mercedes-Benz pagou um preço alto por fazer uso desse expediente. Em setembro, a montadora anunciou com estardalhaço na Inglaterra sua nova linha de modelos E-Class, com índices de emissão de gás carbônico abaixo de 139 gramas por quilômetro rodado (a nova lei da União Europeia prevê que as emissões sejam reduzidas a 140 g/km até 2012). O que a Mercedes "esqueceu" de avisar foi que isso só era possível em duas das 24 combinações de câmbio, combustível e motor apresentadas pelo carro. O anúncio foi suspenso pela Advertising Standards Authority, o Conar britânico, mas o estrago já havia sido feito. Blogs especializados foram inundados de críticas à montadora. "Comprar um produto 'pintado de verde' é muito mais grave quando se trata do mercado de luxo", diz Ferreirinha. "O consumidor pa ga uma fortuna por um bem graças, sobretudo, à reputação da empresa." O dinheiro, nesse caso, compra a tranquilidade.
Muito luxo, pouca culpa
O que algumas marcas de prestígio estão fazendo para conquistar uma aura sustentável:
Empresa: Cartier
O QUE FEZ Lidera um programa mundial de certificação na exploração de pedras preciosas. A ideia é que a exploração de ouro e o diamante de suas joias não seja feita em zonas de conflito nem utilize mão de obra infantil, sobretudo na África.
Empresa: Tiffany
O QUE FEZ Deixou de empregar corais na fabricação de suas joias. Para alardear o feito, montou vitrines no mundo todo (inclusive no Brasil) com peças sintéticas, imitando corais verdadeiros.
Empresa: Bentley
O QUE FEZ Lançou seu primeiro modelo com motor flex, o Continental Supersports, em outubro. Segundo a montadora, o carro emite 70% menos CO2 se considerada toda a cadeia do etanol, desde a produção até a queima do combustível.
Empresa: PPR
O QUE FEZ Além de ser dona da grife Stella McCartney, que não utiliza couro nem peles naturais em suas peças, patrocinou um documentário de 1 hora e meia sobre a devastação do planeta. O filme foi exibido em mais de 100 países.
Empresa: LVMH
O QUE FEZ Adquiriu 50% da grife de moda Edun. A marca, criada pelo cantor Bono Vox e sua mulher, nasceu com o propósito de ajudar no desenvolvimento de países pobres. Suas roupas são feitas com algodão de lavouras de Uganda, do Quênia e da Índia.