Taylor Swift foi a cantora mais ouvida de 2023, no topo do ranking (Angela Weiss/Getty Images)
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Publicado em 24 de novembro de 2023 às 15h31.
Última atualização em 24 de novembro de 2023 às 18h32.
Existe uma revolução em curso no mundo da gestão, e isso tem a ver com a maneira com a qual as empresas têm se estruturado e a forma como interagem com o seu meio. Muitos negócios assumem o formato de “plataforma”, tornando-os parte de um verdadeiro ecossistema, o que vai além da simples relação entre comprador e vendedor de bens ou serviços.
Uma plataforma sugere uma integração maior e mais robusta entre empresas e pessoas, com resultados positivos para um conjunto mais amplo de participantes. A visão de ecossistema dita que todos extraiam recursos do ambiente, mas “devolvam” o suficiente para que a cadeia se mantenha. É uma visão mais orgânica e colaborativa do que o mecanicismo da administração científica baseada em poder. É um conceito que depende de certa "generosidade" dos envolvidos e que não se mostrou presente na última semana, após os acontecimentos envolvendo a turnê “The Eras Tour“, da cantora Taylor Swift, organizada pela empresa Ticket for Fun (T4F).
Ter generosidade significa o fim de uma expressão muito usada no meio executivo: “não podemos deixar dinheiro na mesa”. A ideia serve como pretexto para estressar as relações ao máximo. São inúmeros os exemplos: reduzir margens e aumentar prazos de pagamentos com fornecedores, usar de barganha para reduzir lucratividade de distribuidores e forçar consumidores e clientes a comprarem da empresa criando situações de exclusividade. O “não deixar dinheiro na mesa”, nesse contexto, é a antítese da generosidade. É um extremo de falta de empatia e algo que, felizmente, começa a parecer anacrônico depois de escândalos, como o caso da Americanas e sua forma de gerenciar fornecedores.
A T4F transpareceu viver em um mundo no qual a boa gestão é centrada em “não deixar dinheiro na mesa” e todos os artifícios são usados para se extrair a máxima rentabilidade de um evento que tem, para os fãs da artista, caráter de algo único e exclusivo – uma demanda inelástica.
Pelo envolvimento das pessoas com os seus ídolos, é possível anunciar valores exorbitantes e continuar a ter ingressos esgotados em minutos. Além disso, cobra-se um sobrepreço de 20% a título de “taxa de conveniência”. Acrescenta-se ao faturamento a venda de patrocínios para empresas que querem explorar esse momento de alta intensidade emocional dos espectadores. Tudo isso garante lucros bastante altos, e aqui não se faz uma crítica a eles. Até porque isso é o “core” do evento e da função da promotora do show. Mas a verdade é que ainda há “dinheiro na mesa” em atividades “fora do core”.
É sabido que as pessoas chegam cedo para ficar o mais próximo possível do artista, e que em shows, para além do consumo opcional de bebidas alcoólicas, é necessário se hidratar e se alimentar. Eis o dinheiro na mesa. Se uma pessoa seguir, por exemplo, a recomendação de tomar ao menos um litro de água enquanto espera horas até o artista subir ao palco, precisará em média de cinco copos de 200ml, no valor de 8 reais cada. Isso totaliza um faturamento per capta de 40 reais somente com a venda de água ou um potencial de 2,5 milhões de reais por dia de show. Não se pode deixar esse dinheiro na mesa. Por isso, muitas vezes, proíbem a entrada com garrafas plásticas e não se criam acessos à água potável no espaço próximo à apresentação. Essa é uma prática comum, mas que voltou ao centro das discussões após a situação extrema de morte da jovem Ana Clara Benevides, na última sexta-feira, 17, durante a estreia de Taylor Swift no Brasil.
O problema não é o lucro, nem as taxas ou o alto preço do ingresso e mesmo a cobrança por bebidas e comidas dentro dos ambientes dos shows. Só se defende um olhar mais empático sobre as relações entre os participantes desse ecossistema. E essa culpa não recai apenas sobre a promotora dos shows. Afinal, existe um participante chave nesse ecossistema – os artistas, sempre tão envolvidos nas redes sociais, preocupados com as mazelas do mundo e tão carinhosos com os seus fãs.
É comum inclusive, durante o fechamento de contratos de shows, serem feitas inúmeras solicitações e cláusulas específicas que determinam, eventualmente, a marca da água do camarim. Será que artistas como Taylor Swift não poderiam incluir algo que desse um mínimo de conforto aos seus “swifties”?
Um ecossistema só funciona quando todos ao redor dele estão satisfeitos com as trocas obtidas. Caso contrário, o sistema colapsa. Assim funcionam, por exemplo, os marketplaces da Amazon e da Magalu. Isso não significa que disputas não aconteçam – como no caso da remuneração de motoristas de aplicativos. Mas se essas demandas não forem endereçadas, os motoristas irão trocar de companhia até que uma delas traga um equilíbrio para o sistema. E, assim, vai acabar por funcionar em todos os outros ecossistemas. Do contrário, as pressões vão aparecer de alguma forma, inclusive, sob regulamentação do governo. Temos visto isso nas disputas do governo paulistano com a Enel. Vimos as determinações do Ministério da Justiça e do governo do Rio de Janeiro quanto à disponibilização de água em shows e eventos.
Essa é uma nova visão de negócios. Se não for assim, ao final tem-se insatisfação. E a insatisfação é o combustível dos concorrentes, no caso, outros produtores que podem ser mais generosos com o principal financiador do seu ecossistema – os fãs. Uma pena que as pressões e discussões só ocorreram após a morte da “swiftie” Ana Clara. Agora, é torcer para que as mudanças recentes sejam permanentes, de modo a tornar o ecossistema mais empático e generoso, para que nunca mais o sonho de ver o artista preferido se transforme em uma tragédia.