Campanha “Efficient Way to Pay”, da DM9 para a Consul, venceu o Grand Prix em Creative Data antes de ser alvo de denúncia anônima sobre possíveis inconsistências no videocase (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 20 de junho de 2025 às 19h04.
Última atualização em 20 de junho de 2025 às 19h14.
A inteligência artificial permeou boa parte das conversas sobre os rumos da publicidade no Cannes Lions 2025 — entre promessas de automação criativa, decisões orientadas por dados e os limites da máquina diante da experiência humana. Foi nesse mesmo cenário, porém, que surgiu uma nova polêmica envolvendo a campanha “Efficient Way to Pay” da Consul, criada pela agência DM9, que integra a rede DDB, pertencente ao grupo Omnicom.
Vencedora do Grand Prix em Creative Data, e agora sob suspeita por possíveis inconsistências no case apresentado ao júri, a campanha tem como proposta mostrar aos brasileiros que eletrodomésticos antigos geram alto custo de energia. A Consul forneceu novos aparelhos, mais eficientes, a famílias de baixa renda, que passaram a pagar pelas máquinas com a economia registrada na conta de luz após a troca.
O material oficial indicava que o projeto havia sido implantado em bairros de São Paulo, com o uso de data targeting e comunicação direta com os consumidores. Também relatava queda de até 48% nas contas de luz das famílias participantes, 1,28 mil lares beneficiados, crescimento de 17% nas vendas da Consul nas regiões atendidas e aumento de 9% na participação de mercado.
Após o anúncio do prêmio, contudo, começou a circular em grupos de WhatsApp uma denúncia anônima questionando a autenticidade do case. No vídeo enviado à EXAME, uma fonte anônima mostra suspeitas de inconsistências nas informações apresentadas no filme submetido ao júri, incluindo o depoimento de um consumidor, uma fala da senadora estadual da Carolina do Norte DeAndrea Salvador em um TED Talk e uma reportagem da CNN Brasil.
O caso gerou questionamentos sobre a implementação da iniciativa, a metodologia de medição dos resultados e o número real de famílias impactadas. Outro ponto levantado é o surgimento considerado abrupto da campanha e a ausência de registros públicos ou cobertura anterior à submissão ao Cannes.
No videocase enviado ao festival, aparece um trecho do Jornal da CNN, com a jornalista Glória Vanique (que saiu da emissora em 2022) à frente da reportagem. A legenda exibida no case diz: “Economia na conta de luz vira forma de pagamento de eletrodomésticos”. No entanto, na versão original, transmitida em 16 de outubro de 2021, a legenda era: “Aumenta procura por eletrodomésticos mais econômicos”. A reportagem tratava da evolução dos aparelhos em relação ao consumo de energia, sem qualquer menção à marca Consul.
Outro ponto questionado é o uso de uma fala retirada de uma palestra do TED Talks. No case, a senadora americana DeAndrea Salvador, da Carolina do Norte, aparece citando São Paulo. Porém, na apresentação original, de 2018, intitulada “How we can make energy more affordable for low-income families”, a senadora fala sobre os custos de energia nos Estados Unidos, sem referência ao Brasil. A citação à capital paulista não aparece na gravação original, a partir de 1min04s.
Após a repercussão, o videocase foi retirado do ar. Em nota à EXAME, a Consul, marca da Whirlpool, afirmou que o projeto integra um ecossistema criativo mais amplo, desenvolvido para celebrar os 75 anos da marca em 2025. “Reflete o DNA inovador e o compromisso contínuo em explorar novas linguagens, formatos e narrativas que aprofundem a conexão com o público”, diz o comunicado.
Em relação à participação no Festival de Cannes, “a responsabilidade sobre a inscrição de cases e premiações é exclusiva da DM9, agência responsável pela campanha. Qualquer abordagem relacionada à premiação está sendo conduzida diretamente pela própria agência.” Até o fechamento desta reportagem, a DM9 não se posicionou sobre o ocorrido.
Fontes ouvidas pela reportagem classificaram as acusações como uma possível campanha de difamação direcionada à DM9 e a Ícaro Doria, presidente e Chief Creative Officer (CCO) da agência. No Cannes Lions 2025, Doria presidiu o júri da categoria Print & Publishing Lions, liderando a avaliação dos trabalhos inscritos nessa área do festival. Outras, acreditam que houve manipulação de informações.
Nos bastidores, os rumores circulam pelos corredores desde ontem. Nesta sexta, último dia de premiação, enquanto as agências eram reconhecidas em categorias como Health e Craft, os aplausos para a DM9, vencedora em Experience, soaram mais contidos.
Em nota, a organização do Cannes Lions informou: “Levamos todas as alegações dessa natureza extremamente a sério. Iremos investigar completamente as denúncias e fornecer uma atualização sobre o desfecho.”
Ainda não está claro se o festival apura apenas possíveis irregularidades na apresentação enviada ou se também questiona a realização efetiva da campanha. Há uma expectativa generalizada por um posicionamento público da organização.
A polêmica reacende o debate sobre ética e os limites de tecnologias que permitem manipulação, como a inteligência artificial, na publicidade. Entre os que acompanham de perto o evento, o foco — até então — estava na celebração da criatividade brasileira, marcada pelas homenagens a Washington Olivetto e pela conquista de mais de 90 Leões.