Painel de branding no Festival É, Faz & Fala reuniu Alessandra Mattos Sekeff (Bluefit), Renata Altenfelder (Lojas Renner S.A.) e Sissi Freeman (Granado) com mediação de Ana Couto, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 19 de setembro de 2025 às 15h56.
Última atualização em 19 de setembro de 2025 às 16h27.
RIO DE JANEIRO – “O Brasil é a oitava economia do planeta, mas não tem marcas entre as 100 mais valiosas globalmente.” A frase, baseada no estudo Brand Finance Brazil 2025, foi dita por Ana Couto, especialista em branding, na abertura do festival É,Faz&Fala 2025, realizado nesta sexta-feira, 19, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. O encontro contou com a curadoria de Diego Barreto (iFood), Cris Naumovs (consultora em criatividade), Luiz Antônio Simas (escritor) e Adriana Barbosa (Preta Hub).
A provocação abriu o debate sobre como transformar a brasilidade em ativo estratégico e converter potencial cultural em valor de marca. Os números apresentados por Couto reforçaram o contraste. Hoje, 63% dos brasileiros dizem confiar mais em empresas do que em governos (Edelman, 2024); 90% confiam em companhias com propósito (InPress Brasil, 2021); e 81% preferem consumir de marcas que promovem diversidade (Edelman, 2025). Mesmo assim, apenas duas brasileiras aparecem entre as 500 mais valiosas do mundo, ambas do setor bancário.
Diante desse cenário, o evento promovido pela agência anacouto colocou em pauta como transformar confiança, propósito e diversidade cultural em vantagem competitiva, permitindo que marcas nacionais avancem de players locais a referências globais. A reflexão guiou o painel 'Como o branding pode revelar potências culturais e impulsionar negócios que carregam nossa identidade', com Sissi Freeman (Granado), Renata Altenfelder (Renner) e Alessandra Sekeff (Bluefit).
De segmentos distintos — beleza, moda e fitness — e com estruturas de capital diversas, as executivas convergiram em uma conclusão: branding precisa ser entendido como gestão de valor, e não apenas como comunicação.
O debate começou pelo impacto da estrutura de capital nas estratégias de marca. Sissi Freeman destacou que a Granado, por ser de capital fechado e verticalizada, consegue testar e mudar com rapidez. “O rebranding para nós foi mudar uma embalagem e abrir loja, em vez de grandes campanhas massivas”, disse.
Hoje, 70% do negócio ainda vem do atacado, com forte presença em farmácias e perfumarias, mas a empresa também soma mais de 100 lojas próprias no Brasil, 10 no exterior e e-commerce próprio. A internacionalização, retomada há quase dez anos com a entrada no Bon Marché, evidenciou diferenças culturais: “O consumidor estrangeiro vira a embalagem e pergunta sobre ingredientes, algo que só agora começa a acontecer aqui.”
Na Renner, Renata Altenfelder lembrou que a companhia foi pioneira no Brasil ao adotar o modelo de corporation pulverizada, sem controlador majoritário. “Não temos um sócio dominante; tenho 125 mil chefes”, afirmou. Essa multiplicidade de acionistas amplia a necessidade de consistência e transparência.
“Branding não é só para o consumidor; impacta colaboradores e investidores. Há responsabilidade ampliada sobre o valor da marca.” A CMO disse ainda que a companhia integra índices internacionais de sustentabilidade, como o Dow Jones, e ocupa a 11ª posição no ranking da Interbrand Brasil, fatores que elevam a pressão sobre a área de marketing.
Já Alessandra Mattos Sekeff, da Bluefit, trouxe a visão do private equity. O Mubadala, que detém 51% da rede de academias, cobra retorno financeiro, mas também incentiva a construção de marca como parte da valorização da empresa. “É uma cobrança forte, mas acompanhada de investimento em pessoas e expansão”, afirmou. Para a CEO, branding entra diretamente na equação de valor: “Construir marca deixa a empresa mais valiosa.”
O painel avançou para a brasilidade como diferencial competitivo. Freeman, da Granado, destacou que exportar a identidade nacional exige evitar estereótipos: “O estrangeiro enxerga só o Carnaval, o Rio ou a Amazônia. Nosso trabalho é mostrar que o Brasil é muito mais.” Ela citou ainda entraves regulatórios: “A lei da biodiversidade criou barreiras para nós, enquanto estrangeiros avançam usando ingredientes brasileiros.”
Altenfelder, da Renner, ressaltou a capacidade de adaptação como traço cultural: “O brasileiro tem habilidade única de interpretar tendências e usá-las a seu favor. Mas precisamos olhar além do eixo Rio-São Paulo e valorizar a diversidade cultural como ativo de marca.” Segundo ela, há um paradoxo a ser revertido: fora do país, consumidores costumam valorizar mais os produtos brasileiros do que o público interno.
Sekeff trouxe um exemplo prático da regionalização da Bluefit: “Em Salvador oferecemos aula de axé; em São Paulo, outro perfil. Em algumas cidades usamos carro de som, em outras Instagram. Não existe plano nacional único. A experiência precisa refletir a cultura local.”
A relação entre branding e performance, conhecida discussão do setor, também entrou em pauta. Altenfelder afirmou que a divisão entre os dois campos perdeu sentido: “Não existe mais dilema. Toda hora é hora de construir marca e de performar", falou a executiva da Renner.
O desafio, segundo ela, é convencer conselhos de administração. “Ainda nos perguntam pelo last click e pelo número de seguidores. Precisamos mostrar que branding gera valor no longo prazo.”
A diretora de marketing da Granado acrescentou a perspectiva financeira: “Lucro é o oxigênio da organização. Sem resultado positivo, não há reinvestimento em branding.” Para ela, o alto custo de capital no Brasil impõe pragmatismo que não aparece nos cases internacionais: “Não dá para replicar modelos de fora sem adaptar à nossa realidade.”
Na visão da CEO da Bluefit, o investidor também contribui para esse equilíbrio: “O fundo pressiona por retorno, mas injeta recursos para acelerar. Branding passa a ser entendido como construção patrimonial, e não gasto separado.”
As redes sociais apareceram como ferramentas de rejuvenescimento, vendas e governança. Freeman, da Granado, citou o exemplo de um sabonete de enxofre centenário, que ganhou novo fôlego após viralizar no TikTok: “Era um produto estável, com vendas médias de 100 mil unidades por mês. Virou o quarto item mais vendido da empresa.”
Para Altenfelder, as redes funcionam como mídia e como radar: “Uma collab com a marca Luffy esgotou em minutos e trouxe novos consumidores para a Renner. Ao mesmo tempo, qualquer falha de atendimento ou governança se torna pública em segundos.”
Na visão de Sekeff, o setor fitness ainda amadurece no digital, mas o ambiente online abre espaço para diferenciação. ‘É um mercado pulverizado, muitas vezes pouco estruturado. Branding e experiência são o que nos permite competir’, afirmou.
Quando questionadas sobre o impacto de seus aprendizados em negócios menores, as executivas foram unânimes sobre a importância do propósito. “Ninguém constrói uma marca em que não acredita. É preciso ser o primeiro usuário do que se vende", diz Freeman, da Granado.
Disciplina e foco como sustentação foram alguns dos fatores destacados pelas executivas. “Sonho é essencial, mas governança e foco no cliente garantem sustentabilidade. Nem sempre as oportunidades do caminho são para você”, falou a CMO da Renner. “É possível começar pequeno, mas sem consistência e execução não há crescimento", complementou Sekeff, da Bluefit.
No fechamento, cada executiva apontou um caminho distinto para fortalecer marcas brasileiras. Freeman, da Granado, falou sobre autenticidade e defendeu que a valorização da biodiversidade e da sustentabilidade é essencial para levar “o Brasil verdadeiro” para dentro e fora do país.
Altenfelder, da Renner, destacou a diversidade como ativo estratégico, lembrando que só será possível chegar ao grupo das grandes marcas globais quando o país reconhecer e incorporar suas diferenças. Já Sekeff, da Bluefit, enfatizou o impacto social, ressaltando que estimular o exercício físico pode transformar comunidades e, ao mesmo tempo, reforçar a proposta da empresa. Para Ana Couto, branding é como crédito em banco. "Construção diária, que garante fôlego em crises sem deixar a conta no vermelho", finaliza.
Do debate emergem sinais de transformação no mercado brasileiro. A regionalização aparece como contraponto à padronização global, com marcas ajustando experiências a sotaques locais. A integração de branding e performance reflete uma mudança estrutural: cada vez mais, as duas dimensões deixam de disputar orçamentos e passam a compor o mesmo ciclo de valor.
As redes sociais, por sua vez, se consolidam como laboratórios de rejuvenescimento, capazes de transformar produtos tradicionais em fenômenos contemporâneos. Já a crescente pressão por governança — de investidores, acionistas e consumidores — amplia o peso do propósito como métrica de negócios. Em comum, a visão de que a brasilidade, traduzida em autenticidade e disciplina, pode ser mais do que identidade cultural: pode se tornar estratégia consistente de crescimento.
O Festival É,Faz&Fala chegou à edição 2025 com o tema central da brasilidade como estratégia de marca e inovação. Realizado no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, o evento reuniu 370 participantes presenciais e cerca de 5 mil online, com painéis, palestras e workshops distribuídos em três eixos: Inspirar, Construir e Conectar.
Promovido pela agência anacouto, referência em branding no Brasil, o festival contou com a curadoria de Ana Couto (branding), Cris Naumovs (criatividade), Diego Barreto (tecnologia e negócios), Luiz Antônio Simas (brasilidade) e Adriana Barbosa (inovação social).
Além do encontro principal, realizado nesta sexta, 19, a programação incluiu talks online e workshops práticos ao longo do mês. O festival também integra um ecossistema que contempla o podcast É,Faz&Fala, a plataforma de educação Laje e o livro “A (R)evolução do Branding”, de Ana Couto.