Painel “Tecnologia e Negócios” no É,Faz&Fala 2025, no Museu do Amanhã, reuniu Diego Barreto (iFood), Guga Stocco (RedMind), Pedro Chiamulera (Confi/ClearSale) e João Sobreira (Advolve.ai)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 20 de setembro de 2025 às 16h05.
RIO DE JANEIRO — O Brasil só vai destravar valor em tecnologia quando abandonar o impulso de criticar o novo antes de compreender seu potencial. A avaliação é de Diego Barreto, CEO do iFood, que mediou o painel “Tecnologia e Negócios” no É,Faz&Fala 2025, nesta sexta, 19, no Museu do Amanhã.
“Parem de criticar tecnologia. A gente vê o desenvolvimento e, antes de experimentar, entender, saber a consequência, já começa a falar do problema. Com essa mentalidade, o Santos Dumont nunca teria inventado um avião”, disse.
Barreto comparou o momento atual a um “1922” da inovação brasileira. “Devíamos ser petulantes o suficiente para tratar encontros como este como uma nova Semana de Arte Moderna”, afirmou.
A referência não é estética, mas de atitude. Em 1922, explicou ele, um grupo de artistas modernistas sabiam que seriam “vaiados” e ainda assim subiram ao palco do Teatro Municipal de São Paulo para afirmar uma nova forma de ser brasileiro.
Para Barreto, esse espírito de ousadia é o que falta à inovação nacional: “É isso que a tecnologia permite hoje, poder de processamento combinado com conectividade, tudo nas mãos de todos.”
Segundo ele, a mesma coragem que levou os modernistas a romper com padrões importados precisa orientar a forma como empreendedores lidam com tecnologia. “Se a gente não tiver uma mentalidade antropofágica, que é ‘comer’ o que vem de fora, usar esse comportamento, essa criatividade para criar o que é nosso, vamos ficar para trás.”
O executivo retomou três marcos: microprocessamento, telecomunicações e a consolidação da tecnologia digital. Ele lembrou que, até os anos 1970, apenas grandes corporações tinham acesso a processamento de dados. “De repente, o que antes era algo muito grande passou a caber na mão das pessoas. Isso é poder.”
O segundo passo foi a popularização das telecomunicações, quando o preço da conectividade começou a cair. “Quem tem mais de 40 anos lembra de ligar de um orelhão nos Estados Unidos só para dizer ‘oi mãe, estou bem’ e desligar porque o cartão acabava. Hoje você entra em um Starbucks, pega o Wi-Fi e fala.”
Da soma desses dois movimentos nasceu a tecnologia digital, que uniu processamento e conectividade. Para Barreto, esse ponto foi o divisor de águas que abriu espaço para novos atores. “Um celular na mão habilita criadores, empreendedores e startups a testarem ideias que antes exigiam capital e infraestrutura inalcançáveis.”
Levantamento da Brand Finance Brazil 2025 mostra que o Brasil não tem nenhuma marca nacional entre as 100 mais valiosas do mundo. Para o CEO do Ifood, a dificuldade de o país gerar marcas globais tem raízes históricas. “O Brasil foi criado para não ser criativo.” Ele citou o período colonial como determinante. “Os portugueses mandavam e os colonos obedeciam. Depois vieram negros arrancados da África e indígenas tratados da mesma forma. Era uma relação de poder e controle. Zero criatividade, só sobrevivência.”
Segundo ele, a falta de rupturas estruturais perpetuou esse padrão. “As pessoas que mandavam no Brasil colônia eram as mesmas do Brasil independente. Você muda a cabeça que aparece no álbum de figurinha — imperador, presidente — mas o poder continua no Congresso, na Assembleia. Essa turma é a mesma desde sempre.”
Essa continuidade, explicou, fez com que o país não tivesse momentos de transformação como em outros lugares. “Nós nunca tivemos alternância. Alternância de pensamento, de propósito, de mentalidade. Seja ela para a direita ou para a esquerda, não interessa. Essa alternância é positiva e nós não tivemos.”
O efeito aparece na burocracia, que ele classificou como ferramenta de manutenção de poder. “Nenhum deputado faz campanha para aumentar burocracia. Por que então não diminuiu? O grande paga advogado e consultor para resolver a burocracia. O pequeno não.”
Provocado pela plateia sobre se a opressão histórica não teria, justamente, estimulado a criatividade brasileira, Barreto concordou em parte, mas fez uma ressalva. “Acho que sim. Mas qual é o problema? O problema é que quando a sua criatividade vem por causa da opressão, ela vem junto com uma limitação.”
Segundo ele, a lógica da sobrevivência impede que essa criatividade se converta em ambição global. “Você diz: eu preciso mais tentar sobreviver do que sonhar grande, do que ser foda, do que conquistar o mundo.”
Barreto conectou essa leitura ao empresariado nacional. “A gente nasce com um pensamento pequeno, nasce aqui com a cabeça sobrevivendo. O empresário monta um negócio, ganha dinheiro, aplica e se contenta. Não pensa em escalar, em conquistar o mundo.”
Barreto afirmou que muitas iniciativas sociais e de impacto ficam restritas ao território da comunidade onde nasceram, quando poderiam ganhar dimensão nacional. “Vejo projetos incríveis que aumentam a renda local, mas quando você fala em escalar, a resposta é: não, é só da comunidade.”
Ele citou um exemplo pessoal para ilustrar o potencial de expansão. “Daqui a 40 dias, vou receber 670 pessoas na minha casa para levantar o primeiro fundo de investimento para um negócio social da organização Gerando Falcões, do Eduardo Lira. Descobrimos que, onde a gente faz um projeto, a renda das pessoas aumenta. Se isso é fato, posso pegar esse aumento como dívida, financiar o projeto e, quando a renda subir, recuperar o investimento. Assim, ganho escala e paro de depender de doação.”
Para o executivo, essa lógica vale tanto para negócios quanto para iniciativas sociais. “Se aumenta renda, dá para financiar como dívida e parar de depender só de doação. Escala!”
No palco com Guga Stocco (RedMind), Pedro Chiamulera (Confi/ClearSale) e João Sobreira(Advolve.ai), o CEO do Ifood destacou o potencial da inteligência artificial em transformar setores da economia. “Literalmente todas.” foi a resposta unânime à pergunta sobre quais áreas poderiam ser impactadas.
Barreto deu o exemplo da atenção básica em saúde. “Pensa na quantidade de pessoas nesse país que tem um péssimo atendimento hospitalar, ou sequer tem contato com médico. Se você consegue tirar uma foto da garganta, do olho, de uma condição de pele e ter um diagnóstico inicial, já reduz a ansiedade de milhões até a consulta acontecer.”
Chiamulera ampliou o foco para o indivíduo. “A IA não tira emprego, mas tira função. Aquilo que você faz hoje deixa de existir e aparecem novas funções. Então é preciso se requalificar.” Ele defendeu o uso da tecnologia como tutor de aprendizagem. “Se você entra num chat de IA e pede uma resposta, ela resolve. Mas se pede para atuar como tutor, guiando passo a passo, você tem o melhor professor do mundo à disposição para aprender qualquer coisa.”
Sobreira trouxe exemplos menos óbvios. Um deles é a gestão de licitações públicas. “Muitas empresas perdem contratos porque nem sabem que a licitação existiu. Um agente de IA pode varrer editais e avisar quando há oportunidade.” Outro caso é a padronização de cadastros em ERPs e marketplaces. “No iFood, por exemplo, temos Coca-Cola escrita de todas as formas possíveis. Isso gera retrabalho sem fim. Um agente que organiza esses cadastros resolve um problema gigante.”
Para os três, a IA representa uma oportunidade única para empreendedores brasileiros, já que os grandes investimentos estão sendo feitos fora do país. Como resumiu Chiamulera: “Quem está pagando a conta são os gringos. Vamos aproveitar.”
Barreto encerrou o painel criticando o hábito nacional de desconfiar da inovação antes mesmo de testá-la. Para ele, essa atitude trava a capacidade de competir. Como contraponto, citou a Europa: “Qual é a grande empresa criada nos últimos 10, 20, 30 anos? Não tem. É difícil achar. Por quê? Porque todo mundo reclama de tudo.”
A defesa, disse, não é por ausência de responsabilidade ou ética, mas pela necessidade de amadurecimento gradual. “É igual um filho. Você não exige a mesma educação de uma criança de um ano e de um adolescente de 18. O setor nascente precisa desse tempo de crescimento.”
Segundo ele, o Brasil não pode repetir o “espírito europeu” de bloquear o novo. “Há cinquenta anos, dava para impedir a entrada de um produto físico. Hoje, é tudo digital. Ou você é frota, ou vai ficar para trás. O Brasil tem talento e tecnologia na mão — falta escala, ambição e menos medo.”