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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
Se o varejo já percebeu o poder de consumo da base da pirâmide, o mercado de produtos financeiros, por sua vez, precisa descobrir o verdadeiro potencial das classes D e E. Poupança, conta corrente e cartões de débito e crédito ainda são pouco utilizados, o que sinaliza oportunidade para quem souber entender este consumidor.
Motivos para investir neste público não faltam. Dados do estudo "Dossiê Brasil Emergente Consumo, crédito e produtos financeiros", realizado pelo Data Popular/Data Folha, indicam que, juntas, as classes D e E movimentarão cerca de R$ 400 bilhões este ano. Dinheiro no bolso significa maior potencial de consumo. "O mais importante é pensar que a classe D é a classe C de amanhã. Se estes consumidores estão melhorando de vida, quem primeiro conquistá-los terá fidelidade no futuro", aponta Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular.
Para atraí-los, cabe aos bancos e seguradoras entenderem o seu mundo e falarem a sua língua. Hoje, apenas 23% dos consumidores DE possuem conta corrente, como indica o estudo do Data Maioria. Em relação aos cartões de débito, este número cai para 22%, enquanto somente 21% da população da base da pirâmide possui cartão de crédito. A falta de adesão pode ser explicada pelo modelo de segmentação utilizado pelos bancos.
Modelo de segmentação precisa mudar
O primeiro passo seria trocar a lógica societária, de um relacionamento exclusivo com o indivíduo, por uma lógica comunitária, presente no consumo popular. "O modelo tradicional da indústria de cartões de crédito rebaixa e desclassifica o consumidor de baixa renda, já que a segmentação é feita pela renda disponível", aponta Meirelles, explicando que é preciso qualificar os clientes de outra forma, a partir de uma segmentação que esteja mais ligada à utilização do cartão do que ao tipo de pessoa.
Foi o que fez o Banco PanAmericano, que lançou, no último mês, um cartão em parceria com supermercados e atacadistas, podendo ser emitido nas bandeiras Visa e Mastercard. O investimento de R$ 55 milhões do Grupo Silvio Santos teve como objetivo credenciar 100 estabelecimentos e atingir R$ 250 mil cartões ainda este ano. Pensando no estilo de vida e necessidades do público-alvo, o cartão tem como vantagem a isenção de anuidade, além do programa de fidelidade Maxi Bonus.
Acumulando pontos, os consumidores podem trocá-los por recarga de celular, ingressos de cinema e até passagens aéreas. Outro exemplo são os cartões próprios do varejo, também conhecidos como private labels, especialmente os de lojas de departamento. O sucesso está nas facilidades no momento da compra, como a pré-aprovação de crédito e a possibilidade de poder pagar em até 40 dias sem juros.
Instituições financeiras devem orientar o consumidor
Orientar também é importante na hora de se aproximar deste consumidor. É papel das instituições financeiras explicar benefícios, vantagens e até mesmo estratégias de otimização do uso do produto, já que muitos dos consumidores que possuem cartões de crédito não sabem como utilizá-lo da melhor forma. A Visa e a Mastercard procuram satisfazer esta demanda por meio dos programas Finanças Práticas e Consumidor Consciente, respectivamente.
Uma das primeiras regras da economia doméstica também não é amplamente adotada pela baixa renda. Apenas 27% da classe DE possui conta poupança. A situação é ainda pior quando se pensa que, destes, a maioria utiliza uma conta corrente sem taxas. O que não quer dizer que estes consumidores não estejam preocupados em poupar. Pelo contrário.
A questão é que eles precisam de um objetivo para juntar dinheiro. "A classe A gosta de saber que tem dinheiro guardado, já o consumidor de baixa renda precisa estar focado em consumo para juntar dinheiro", conta o sócio-diretor do Data Popular. Com poucas opções, devido ao orçamento apertado, a poupança é direcionada para os gastos com a casa, a compra de um carro ou o pagamento de uma entrada para o parcelamento de um produto sem juros.
Mulher é quem manda no orçamento
A ausência da poupança, na hora da emergência, dá ao cartão de crédito um papel fundamental. Ao contrário do que acontece na classe AB, em que ele é ferramenta de pagamento, para a baixa renda o cartão é instrumento de crédito e acaba sendo um concorrente do seguro. Vale até pegar emprestado na hora do aperto, para quem está com o nome sujo ou para o consumidor que prefere não ter o cartão de crédito para não acumular dívidas.
Além de fonte de crédito, o cartão também é uma ferramenta de inclusão social, permitindo a compra a prazo sem o constrangimento da fila do crediário. Ao endividar-se, este consumidor dá prioridade às dívidas com parentes, amigos e o famoso fiado. "Isto acontece porque este consumidor dialoga com a lógica comunitária. As instituições financeiras têm muito a aprender com o pequeno varejo", conta Meirelles.
Se é difícil ver o dinheiro sobrar no final do mês, pagar um plano de saúde nem sempre está no planejamento dessas famílias. Quando é possível, a apólice destina-se apenas a alguns membros, na maioria das vezes os filhos. A oportunidade para o mercado estaria no seguro saúde, com mensalidades mais baratas, consultas limitadas e seguro de acidentes pessoais, que podem ter grande apelo para a baixa renda.
Aí aparece outro ponto pouco explorado pelo mercado. Na base da pirâmide, as mulheres têm o poder de decisão de compra, mesmo que os homens sejam os responsáveis pela renda. A comunicação, entretanto, é voltada para o público masculino. "Os serviços financeiros e o mercado imobiliário exploram o homem. Mas é a mulher quem manda no orçamento. A marca que quiser ser preferida precisa falar com ela", acredita Meirelles.
Quem quiser conquistar o mercado de baixa renda precisa, definitivamente, entrar no universo deste consumidor. "Tem que fazer um exercício de humildade e entender a lógica do cliente. Não se pode falar que uma pessoa que sabe em detalhes sobre o preço do leite não entende como administrar o orçamento. Ela não administra na lógica do economista", completa Meirelles.