Loja da Nike na China: com marca consolidada em todas as partes do mundo, empresa quer melhorar eficiência na relação com o consumidor (SOPA Images / Contributor/Getty Images)
Vanessa Barbosa
Publicado em 29 de junho de 2019 às 07h47.
Última atualização em 29 de junho de 2019 às 07h47.
São Paulo - Associar a força de uma marca com causas sociais é um movimento que, cada vez mais, reflete positivamente aos olhos dos consumidores em todo o mundo. Mas na China a estratégia pode ter efeito contrário. Nesta semana, a Nike deu um passo atrás e recolheu de todos os seus varejistas no país um tênis que recém-lançou em colaboração com a marca de streetwear japonesa Undercover.
O motivo? O designer da nova linha compartilhou um post de cunho político no Instagram sobre as manifestações que têm varrido Hong Kong desde o início do mês contra uma proposta de lei que prevê a extradição de residentes da ilha para julgamento na China. O plano é visto como uma última tentativa de líderes chineses de impor regras autoritárias à antiga colônia britânica, contrariando direitos garantidos até 2047 por um acordo constitucional.
O profissional da Undercover declarou-se a favor dos opositores, com a mensagem "Nenhuma extradição para a China" acompanhada de uma foto dos protestos. A postagem, feita na página da marca, gerou controvérsia nas mídias sociais e atraiu reações dos consumidores chineses, o que obrigou o estúdio a apagar o post, chamando-o de "opinião individual".
Segundo o jornal britânico "Financial Times", a Nike instruiu seus distribuidores na China a recolherem das lojas todos os tênis criados em colaboração com a empresa japonesa. Ao FT, um funcionário da empresa disse que a remoção foi feita com base nas "primeiras impressões dos consumidores chineses".
A China é um mercado chave para a Nike e em constante crescimento. As receitas da marca no país somaram US$ 1,7 bilhão nos últimos três meses do ano fiscal de 2019 (período encerrado em 31 de maio), uma alta de 22%, acima da taxa de 8% de crescimento verificada nos Estados Unidos, principal mercado da empresa, com vendas de US$ 4,2 bilhões. Além disso, cerca de 25% de seus produtos são produzidos na China.
Em poucas palavras: a Nike não pode se dar ao luxo de "ofender" Pequim. Em resposta ao ocorrido, o presidente-executivo da Nike afirmou que a empresa está comprometida com a China "por décadas".
Por outro lado, em um mundo voraz por transparência e coerência, a resposta da empresa expõe contradições de posicionamento da marca que, em outros países, abraça confortavelmente diferentes causas sociais, de direitos da comunidade LGBT à inclusão e capacitação de deficientes (PCD). No ano passado, a marca escolheu o ativista e ex-jogador de futebol americano Colin Kaepernick para ser o rosto da campanha em comemoração aos 30 anos do slogan “Just Do It”.
A ação consistia numa imagem em preto e branco do rosto do atleta com a mensagem “Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo”. Durante a pré-temporada de 2016 da Liga de Futebol Americano dos Estados Unidos (NFL), Kaepernick ajoelhou-se ao longo do hino nacional dos EUA como uma maneira de pedir ao país que proteja e defenda os direitos de seu povo, em resposta à violência e brutalidade da polícia contra pessoas negras.
Se ativismo e negócios, cada vez mais, andam de mãos dadas, resta saber até onde essa união resiste e sob que tipo de pressão. O episódio chinês chama atenção para os riscos políticos que empresas ocidentais enfrentam ao operar no país. Como lembra o jornal britânico, a Nike não é a primeira a adaptar sua estratégia para não provocar a ira de Pequim e dos consumidores chineses em questões delicadas.
No ano passado, a Mercedes-Benz teve que pedir desculpas por usar uma citação do Dalai Lama em uma mensagem postada no Instagram. A Gap também recuou rapidamente diante dos ataques em redes sociais após publicar um mapa da China que não incluía Taiwan, parte do Tibet e áreas do Mar da China que são reivindicadas por Pequim.
Quando não esbarram em tabus políticos ou culturais, as marcas também testam seus valores e condutas diante de imposições regulatórias do mercado chinês. É o caso da união da fabricante de cosméticos Natura com a Avon, anunciada no mês passado. A primeira não vende seus produtos na China, já que o país exige a realização de testes em animais para a comercialização de cosméticos. Mas o império de venda direta da Avon tem pernas e mãos por lá.
Não há caminhos simples para resolver essas incoerências. Mas há uma certeza: a China é o dilema que as empresas precisam enfrentar para alinhar discursos e práticas, indo além do marketing.