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ARTIGO - Gerenciamento de crise: só o treinamento mostra o despreparo das empresas

O público nunca ficou sabendo, mas alguns anos atrás uma importante indústria de produtos alimentícios aqui no Brasil foi vítima de um chantagista que enviou a seu diretor de marketing um dos mais populares produtos da empresa, com a embalagem aparentemente inviolada, mas com seu conteúdo envenenado. Seguiu-se o telefonema, de origem não-localizável, em que […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.

O público nunca ficou sabendo, mas alguns anos atrás uma importante indústria de produtos alimentícios aqui no Brasil foi vítima de um chantagista que enviou a seu diretor de marketing um dos mais populares produtos da empresa, com a embalagem aparentemente inviolada, mas com seu conteúdo envenenado. Seguiu-se o telefonema, de origem não-localizável, em que um homem exigia da empresa vários milhões de reais, caso contrário colocaria idênticos artigos envenenados em diversos supermercados.

Começou aí um período de 30 dias frenéticos para o comitê de administração de crise instalado pela empresa. Criou-se um verdadeiro War Room, um salão dotado de telefones com viva-voz, gravadores, computadores, impressoras etc. A polícia foi acionada. Contratou-se um serviço internacional de segurança. Advogados prepararam o trabalho jurídico. O setor de comunicação redigiu comunicados e séries de perguntas e respostas, exprimindo as posições da empresa, para o caso de vazamento interno ou externo.

O comitê determinou que o negociador seria o diretor de marketing, que recebera a primeira ameaça. Durante quatro semanas ele teve longas conversas telefônicas diárias com o chantagista, reduzindo o valor exigido, ganhando tempo e procurando convencê-lo a não colocar o veneno nas gôndolas.

Ao final, o criminoso não recebeu o dinheiro e acabou preso. Na empresa, só quem precisava saber teve conhecimento do episódio. O fato não chegou à imprensa, nem aos consumidores. E, acima de tudo, ninguém morreu. Mas, durante aqueles 30 dias, os membros do comitê dormiam e acordavam diariamente aterrorizados com a possibilidade de algum consumidor morrer envenenado por seu produto.

Por mais sofisticada que seja uma empresa e por mais aptos que seus executivos julguem estar para administrar crises como essa, é surpreendentemente frequente que uma simples sessão de treinamento prático, de um dia de duração, mostre o quão despreparada a empresa realmente está, para enfrentar com êxito esse difícil tipo de situação.

Num dos recentes workshops como esse que conduzi para uma grande companhia, essa preocupante realidade ficou patente mais uma vez, levando seu presidente a afirmar, ao final, que infelizmente o principal e mais valioso resultado do trabalho fora a demonstração prática e realística de que, apesar de todas as políticas, normas e procedimentos internacionais de que a empresa dispõe para a administração de situações críticas, seus executivos na verdade se encontravam totalmente despreparados para gerir uma crise verdadeira.

Uma crise institucional se define como uma situação aguda, frequentemente inesperada ou imprevista, que possa danificar seriamente a reputação da empresa. Que prejudique um produto, uma divisão, a situação financeira da companhia, a saúde da comunidade, de empregados ou consumidores. Ou que possa manchar a imagem da empresa, retirando-lhe a confiança da opinião publica.

Exemplos de crises institucionais de que todos se recordam: o caso de Tylenol envenenado, nos Estados Unidos; as Balas Van Melle, no Brasil, acusadas de conter drogas; a contaminação da Coca Cola, na Europa; o envenenamento de um produto Nestlé, no Brasil, por um chantagista (não se trata do caso mencionado na abertura deste artigo, o qual jamais se tornou público); o derrame de petróleo do navio Exxon Valdez, no Alaska; a poluição da Guanabara pela Petrobras; os gases letais exalados pela Union Carbide e que vitimaram a população de Bhopal, na Índia; a alegação de contaminação de botulismo contra o palmito Gini; a queda do avião da TAM em Congonhas; e a farinha detectada nos comprimidos de Microvlar, no Brasil.

Essas situações podem ter uma variedade de origens, entre as quais: ação criminosa; desastre industrial ou natural; falha de equipamento ou humana; questão jurídica ou de legislação; problema de RH, trabalhista ou ocupacional; episódio ambiental ou de saúde; disputa política; violação ou sabotagem de produtos; desastre aéreo; violência no local de trabalho; ameaça ou efetiva ocupação de instalações; sequestro; incidente eletrônico (hackers, vírus criminosos) e outras.

E a metodologia globalmente aceita para uma empresa encarar e ultrapassar uma crise institucional baseia-se em algumas recomendações básicas, como as seguintes:

1. A empresa deve dispor de uma norma escrita de administração de crises: um documento formal, preferivelmente preparado com a participação dos vários setores da empresa, para assegurar o amplo envolvimento de todos;

2. Essa norma deve conter as regras do processo de administração de crises, indicando também a constituição de comitês de crise no nível corporativo e em cada uma das instalações locais (nomes das pessoas, seus telefones profissionais, residenciais e celulares, endereços residenciais e demais indicações para sua rápida localização a qualquer momento);

3. Também é importante que todos esses gestores estejam sempre preparados (técnica, organizacional e emocionalmente) para administrar crises, o que requer treinamento prático periódico da mesma forma como se faz costumeiramente nas empresas para que todos saibam escapar de um incêndio sem tumulto;

4. Avaliação dos resultados dos treinamentos e do desempenho dos participantes e, se necessário, atualização da norma o que, em si, também constitui um reforço para a internalização da norma pelos executivos;

5. Envolvimento de todas as áreas nos treinamentos, porque uma crise pode abranger varias delas simultaneamente.

Essas regras podem ser continuamente aprimoradas e sofisticadas. Há mesmo livros de autores estrangeiros que trazem, anexo, um disquete com caminho crítico e fluxograma do processo de administração de crises institucionais.

Porém todos esses conceitos e sistemas, pacificamente aceitos, muitas vezes naufragam porque as ações de administração de crise são necessariamente planejadas e executadas não por computadores ou robôs e sim por pessoas. Com todas as emoções, preocupações, temores, ímpetos e tensões que as caracterizam. São executivos empresariais cujo forte é a produção, as finanças, o marketing, ou o direito não necessariamente a administração de crises, sob intensa pressão psicológica e física e que, além de gerir a estratégia e executar as ações emergenciais que essa gestão demanda, precisam, ao mesmo tempo, continuar a tocar seu trabalho rotineiro. Muito poucos estão preparados ou sequer têm perfil para isso.

Ao encarar uma crise real de uma semana de duração, em um workshop de um dia única maneira de viabilizar um treinamento como esse, pois não se consegue mais que um dia na agenda de altos executivos é possível demonstrar, na prática, o grau de preparo ou despreparo do presidente, diretores e gerentes de uma empresa. Esse é o primeiro passo e o mais importante, porque constitui experiência prática, não a superficial leitura de um manual ou a passiva audiência a uma palestra para que os executivos de uma empresa possam avaliar por experiência própria, não só pela razão, mas também pela emoção, sua efetiva capacitação, podendo então começar a construir uma estrutura organizacional psicológica e profissionalmente equipada para adminstrar com êxito as crises institucionais.

Nos treinamentos práticos desse tipo que tenho conduzido em diferentes empresas todas de grandes dimensões e alto padrão de sofisticação empresarial as principais vulnerabilidades que pude observar são as que vão a seguir enumeradas.

1. Perplexidade com a imprensa. Mesmo companhias organizacionalmente equipadas para o relacionamento rotineiro com os jornalistas se vêem muitas vezes atarantadas em face do telefonema de um repórter que surpreende a empresa com uma colocação questionadora ou a inesperada revelação de um fato ameaçador;

2. Cabeça quente. Ceder à emoção e ao envolvimento pessoal é outro aspecto que frequentemente se registra entre os executivos que se defrontam com uma crise institucional. Administrar com o fígado é o pior caminho, prejudica o julgamento na tomada de decisões e dificulta a estruturação organizacional do comitê de crise, emperrando a execução das ações necessárias;

3. Esquecer a Norma. Também se percebe que pontos importantes das políticas e procedimentos de Crisis Management são frequentemente esquecidos pelos executivos, no calor da refrega. As consequências podem ser as mais diversas, mas todas prejudiciais à empresa. A causa desse problema provavelmente é o fato de que os executivos lêem as normas de forma passiva, não crítica, não refletindo sobre seu conteúdo, portanto não as sentem, não as internalizam, como deveriam, para poder vivenciá-las;

4. Desorganização. Outro ponto que muitas vezes se observa nesses workshops que tenho realizado é que, acuados pela crise que eclodiu e tendo cedido à emoção (vizinha próxima do pânico), os executivos por vezes esquecem até mesmo de, logo no primeiro momento, organizar-se, atribuir funções e, em geral, determinar quem faz o que. A impressão de quem observa de fora é de um bando atabalhoado, não um comitê de crise.

5. Falhas de cobertura. Não dar a devida atenção aos diversos públicos importantes para a empresa também é uma falha que ocorre com frequência nesses treinamentos. Isso acontece principalmente porque os executivos acabam tão preocupados com os jornalistas, que esquecem os demais públicos. Por isso eu costumo dizer que, nas empresas, uma situação só passa a ser chamada de crise quando sai ou pode vir a sair no jornal. Caso contrário é apenas um problema .

6. Insensibilidade política. Acostumados à vida empresarial, os executivos muitas vezes não têm a necessária sensibilidade política exigida para administrar uma crise institucional. Não estão habituados a cultivar essa arte, que, no fundo, é a principal ferramenta e característica de uma crise institucional. Os políticos lêem nas entrelinhas, têm jogo de cintura, são atentos aos detalhes, não perdem de vista sua meta e sabem jogar xadrez. Antes de mover uma peça, avaliam rapidamente todas as consequências e as futuras jogadas possíveis suas e do adversário.

7. Comunicação falha. Por mais experientes que sejam em seu trabalho no dia-a-dia, muitas vezes os executivos mesmo os profissionais de comunicação acabam por sucumbir à pressão e à emoção e passam a violar regras básicas de Media Training, reagindo a um rumor sem investigar se ele tem base de realidade, respondendo a situações hipotéticas ou especulativas colocadas por jornalistas, usando excesso de palavras para responder a perguntas simples, perdendo a paciência com a imprensa etc.

8. Presumir culpa. Em face da alegação de que a empresa teve algum comportamento irregular, é bastante frequente que os executivos responsáveis pela administração da crise presumam que essa afirmação é correta, sem dar a devida prioridade à investigação da realidade. Ou seja, sua primeira inclinação é presumir que a empresa está errada. Um executivo que não conhece em profundidade e amplitude a empresa em que trabalha desconhece suas vulnerabilidades e aspectos positivos. Por isso, na hora de enfrentar uma alegação ou situação crítica, por vezes é incapaz de reagir com a necessária rapidez para evitar ou extinguir uma crise.

9. Falta de registro. Uma das regras básicas do funcionamento de um comitê de crise é o relato escrito (um diário) de todas as ações realizadas, para permitir posterior avaliação e aprimoramento do processo. Essa é mais uma falha que se observa com frequência nos treinamentos práticos. Espicaçados pelas dificuldades, os membros do comitê muitas vezes esquecem de indicar um relator para essa importante função.

10. Ficar a reboque da crise. Envolvidos pela emoção, insuficiente informados, atabalhoados pela desorganização, os integrantes do comitê de crise lembram por vezes o ambiente de uma campanha eleitoral de centro acadêmico e o resultado é que, por isso, não conseguem passar à frente do processo, como deveriam. Em vez disso, vêem-se arrastados pela crise.

Há quem diga que, depois dos 40 anos, ninguém é capaz de mudar sua personalidade e seu comportamento. Em outras palavras, não se conseguem ensinar novos truques a um cachorro velho. Por isso treinamentos desse tipo de nada adiantariam.

No entanto os workshops para treinamento prático em Crisis Management podem efetivamente ajudar a preparar melhor os executivos empresariais a administrar de forma eficaz as crises institucionais.

Isso principalmente porque esses workshops os sensibilizam para a gravidade das crises e para a real necessidade de saberem enfrentá-las com cabeça e atitude de estrategistas de estado-maior, não cedendo à adrenalina.

Depois de sensibilizados, torna-se muito mais fácil e eficaz internalizarem a norma e os comportamentos, adquirindo condição de administrar organizadamente uma crise, unindo e exercendo os valores do management racional às técnicas da comunicação, sob a ótica da arte política.

Nemércio Nogueira é vice-presidente associado da Andreoli/Manning, Selvage & Lee

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