João Mesquita: “Nunca nos satisfazemos com o que já foi feito. Sempre perguntamos o porquê e recompensamos quem desafia o status quo.” (Juliana Pio)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 30 de abril de 2025 às 06h00.
Em uma empresa com mais de 1,3 milhão de funcionários e faturamento anual acima de US$ 640 bilhões, a ordem é uma só: agir como se fosse o primeiro dia. Essa é a filosofia do chamado 'Day 1', conceito central da cultura organizacional da Amazon e, segundo João Mesquita, ex-CEO do Globoplay e atual diretor do Amazon Prime Video, a base para a construção de times de marketing de alta performance.
“O Day 1 é uma abordagem que não permite acomodação. Mesmo numa empresa desse porte, seguimos desafiando soluções estabelecidas, porque o que funciona hoje pode não servir amanhã”, afirmou Mesquita durante o painel 'Building high performance marketing teams with a Day 1 mentality' (na tradução, 'Construindo equipes de marketing de alta performance com uma mentalidade de Primeiro Dia'), nesta terça-feira, 29, no Web Summit Rio.
A filosofia é aplicada em todas as áreas da companhia, da tecnologia ao varejo. No marketing, significa ter equipes que funcionam com autonomia, foco em dados e espírito empreendedor. “Nunca nos satisfazemos com o que já foi feito. Sempre perguntamos o porquê, recompensamos quem desafia o status quo e quem está disposto a testar — e até errar — para aprender rápido.”
Durante o painel, Mesquita reforçou que o marketing, especialmente em empresas como a Amazon, mudou de função. “Marketing não é mais só comunicação. É growth, é performance, é aquisição, é tecnologia. O time de marketing participa do desenho do produto, acompanha resultados e se conecta com todas as áreas.”
Ele destacou que essa transformação exige um novo tipo de profissional, com habilidades analíticas, visão de negócio e familiaridade com dados. “O marketing passou a ser parte central da estratégia. E para isso, é preciso ter clareza de propósito e responsabilidade sobre o impacto que cada ação gera no cliente.”
No dia a dia da Amazon, o erro é encarado como parte do processo. A empresa classifica decisões em dois tipos: as de “porta de um lado só” — que, uma vez tomadas, não têm volta — e as de “duas portas” — reversíveis e ideais para experimentação. “A gente precisa entender se o risco de uma decisão é aceitável. Se for, vale testar. O importante não é o erro em si, mas o aprendizado que ele traz. Quanto mais rápido você falha, mais rápido pode corrigir e tentar de novo.”
Para ele, um dos maiores problemas de outras organizações é justamente punir o erro e desincentivar o risco. “Muitas empresas dizem que apoiam a inovação, mas, na prática, promovem quem não toma decisões. Na Amazon, preferimos quem tentou dez vezes e errou a quem nunca arriscou.”
Outro pilar essencial para o sucesso de um time de marketing, segundo Mesquita, é a diversidade — não apenas de perfis, mas de pensamento. “Vejo líderes formarem equipes compostas apenas por pessoas parecidas com eles. Isso é um erro. Meu time precisa saber mais do que eu. São especialistas profundos em áreas que eu não domino. Meu papel é fazer todos tocarem a mesma música.”
Para isso, é necessário criar um ambiente seguro para o desacordo. “A discordância é parte importante do processo. A gente incentiva o disagree and commit, que é: debater com dados, hipóteses e argumentos, mas, uma vez tomada a decisão, todos seguem juntos, comprometidos. Não existe ‘eu avisei’. Quem fala isso não tem espaço.”
O respeito aparece como valor inegociável. “Sem respeito, nada mais funciona. Todo mundo merece ser ouvido. Você não precisa saber tudo — e ninguém sabe mais sobre o cliente do que o próprio cliente. Então, humildade também é essencial.”
Mesquita também destacou o princípio da Amazon conhecido como ownership, ou mentalidade de dono. “Todos aqui sentem que são donos da empresa. Mas isso só funciona se você dá espaço para as pessoas errarem, testarem e aprenderem.”
Ao mesmo tempo, essa liberdade precisa de direção clara. “Não é aleatório. Não basta conhecer os princípios — é preciso saber onde se quer chegar. Time de alta performance só entrega se tiver um norte.”
Com experiência em empresas familiares, multinacionais europeias, norte-americanas e brasileiras, Mesquita reforçou que a Amazon foi a organização que mais formalizou seus valores. “Os 16 princípios de liderança nos ajudam a tomar decisões consistentes. Cada novo desafio é enfrentado com base nesses princípios.”
Ao longo da carreira, Mesquita entrevistou e contratou muitos profissionais e compartilhou o que considera um traço valioso. “Existem dois tipos de pessoas: as que chegam com o problema e as que chegam com a solução. Eu sempre vou preferir quem chega com a solução. Isso mostra atitude, proatividade e mentalidade de dono.”
Ao final do painel, deixou um conselho aos profissionais de marketing em início de carreira. “Ouçam mais. Respeitem as diferenças. Saibam que o cliente sempre vai saber mais sobre ele do que a gente. E nunca parem de aprender — porque, no 'Day 1', sempre é hora de começar de novo.”
Desde os primeiros dias da Amazon, o magnata Jeff Bezos tem promovido a ideia de que a empresa deve operar como se fosse sempre o "Dia 1". Essa filosofia, introduzida em sua carta aos acionistas de 1997, enfatiza a importância de manter uma mentalidade de startup, caracterizada por agilidade, inovação constante e foco inabalável no cliente.
Em contraste, Bezos alerta contra o que chama de "Day 2", que representa estagnação, irrelevância e declínio gradual, culminando na morte da empresa. Para evitar essa trajetória, ele propõe quatro princípios fundamentais: