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O mercado de trabalho se converteu no mercado público de talentos

A explosão de pedidos de demissão por parte dos trabalhadores nos últimos três anos pode ser a resposta

Empresas precisarão ter um novo olhar para a força de trabalho no futuro (Maskot/Getty Images)

Empresas precisarão ter um novo olhar para a força de trabalho no futuro (Maskot/Getty Images)

Felipe Mendes
Felipe Mendes

Colunista

Publicado em 4 de maio de 2023 às 17h27.

Última atualização em 15 de maio de 2023 às 17h44.

Muitos líderes de empresas se surpreenderam com os custos de pessoal no primeiro trimestre deste ano. Os aumentos são significativamente acima da inflação, afetando margens em um momento de demanda restrita. Dados do IBGE apontam que, no trimestre de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023, a massa de salários teve uma alta real de 7,5% quando comparada ao mesmo trimestre terminado em fevereiro de 2022.

Há diversas explicações para isso, sendo as negociações dos dissídios de 2022, a mais utilizada. É fato que muitas datas-base coincidiram com o pico da inflação acumulada e que reposições de 9% a 10% foram comuns, sendo que a inflação teve forte redução logo em seguida. Porém há algo estrutural que merece a atenção.

A transformação do mercado após a peste negra e a covid

No século 14, a peste negra devastou a Europa, com mortes estimadas de até um terço da população. Em um continente agrícola e feudal, o desaparecimento de mão de obra estimulou novas relações de trabalho, que perduraram nos séculos seguintes. De um cenário de vassalagem e servidão, emergiu a classe dos “empregados”, remunerados por salários, escolhendo onde iriam trabalhar.

A covid trouxe 4 movimentos importantes para o emprego no século 21: o fechamento da sociedade (lockdown), o apoio do governo, em especial para classes mais baixas (Auxílio Brasil), o trabalho não presencial (home office), a digitalização acelerada, e um nível altíssimo de troca de empregos (great resignation).

Os “lockdowns” tiraram muitas pessoas do mercado de trabalho, de maneira temporária ou definitiva. Em setores como o varejo essencial, a saída foi temporária, mas em entretenimento e hospitalidade, foram muitos meses com atividade reduzida. Com isso, profissionais que estavam nesses setores tiveram de buscar outras oportunidades de trabalho, para manter sua condição financeira. Com isso, ao retorno de diversas atividades, não havia gente qualificada para trabalhar, elevando os salários de (re)contratação.

Em paralelo, aqueles profissionais que estavam descontentes em suas atividades, mas que receberam o Auxílio Brasil, puderam esperar por melhores opções de trabalho em seu retorno. Entenda-se por melhores opções não apenas salários mas também uma melhor cobertura de plano de saúde, com custos crescentes.

Já outro grupo de profissionais se viu trabalhando de casa e, após a acomodação inicial, começou a repensar a sua rotina diária, o esforço do deslocamento, o ambiente de trabalho. Em alguns setores, especialmente aqueles ligados à digitalização da economia (tecnologia, dados, infraestrutura), a falta de recursos para se dar conta do crescimento da demanda foi notória. O home office facilitou entrevistas de trabalho virtuais e, pela falta de relacionamento social, reduziu o engajamento dos colaboradores com os colegas, fator relevante para retenção de profissionais.

Finalmente, muitos profissionais despertaram para o “empreendedorismo”, seja oferecendo seus serviços em sites de trabalho temporário ou diretamente para empresas de fora do Brasil, seja vivendo parcialmente de suas paixões, por exemplo, fazendo restauração de móveis e divulgando em sites como o Etsy.

Os custos da great resignation

Esse cenário acelerou a troca de empregos, a tal “great resignation”, de maneira poucas vezes vista em economias de baixo crescimento. Se em 2019 tínhamos uma média de 250 mil pedidos de demissão por mês, em 2020 o número superou os 500 mil pedidos mensais. A cada troca de emprego, um ganho salarial para o funcionário, mas um impacto futuro para o empregador.

Além disso, em 2021 e 2022 as empresas começaram a refletir sobre o impacto que a saída de funcionários teve em seus negócios e começaram a reavaliar suas políticas de benefícios, sejam eles monetários ou de melhoria do ambiente no geral, todas elas impactando os custos de pessoal. Entre as medidas implementadas, houve a proteção do talento interno, com aumentos ativos ou reativos de salário para retenção dos funcionários mais antigos, em alguns casos simplesmente para equiparar com os recém-chegados.

Todo esse movimento foi especialmente sentido no primeiro trimestre de 2023, porque os pedidos de demissão reduziram enormemente e as empresas se viram com estruturas completas, salários e benefícios ajustados para cima e altos dissídios. Tudo isso aliado a receitas estáveis ou com pequenos crescimentos, além de outras pressões inflacionárias.

Uma nova maneira de se pensar na busca e desenvolvimento de talentos

A falta de talentos ou o custo altíssimo para recontratação levou diversas empresas a repensarem sua estratégia de busca de talentos. Critérios antes obrigatórios, como idioma e até curso superior, foram reavaliados à luz das necessidades específicas das vagas. A essa necessidade somou-se a oportunidade do aumento da diversidade nas empresas, com foco não apenas em gênero mas também em critérios raciais ou sociais.

As empresas se deram conta que, em sua maioria, exigiam (e pagavam) por conhecimentos desnecessários, em especial se pensarmos na velocidade com o que o mundo dos negócios se transforma atualmente. Um olhar de formação constante para a força de trabalho, além da redução dos custos iniciais de contratação, pode levar a maior lealdade dos funcionários e, com certeza, um aumento de eficiência da força laboral.

Esse é um movimento sem impacto imediato nos custos de pessoal das empresas, mas aponta para um caminho promissor para o mercado de trabalho, do ponto de vista social e econômico.

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