A aceleração social pode ser dividida em três categorias: tecnológica, mudanças sociais e ritmo de vida. (Taiyou Nomachi/Getty Images)
Colunista
Publicado em 28 de junho de 2024 às 14h29.
Última atualização em 28 de junho de 2024 às 14h52.
Imagine um executivo de uma grande empresa: Paulo, que trabalha 11 horas por dia, responde a e-mails durante o jantar e verifica mensagens do trabalho antes de dormir. Ele raramente tira férias e, quando o faz, sente-se culpado por não estar "produzindo".
Imagine, então, se fosse uma executiva: Joana, que carrega a dupla jornada: profissional e doméstica (casa e filhos). Paulo e Joana representam muitos profissionais da nossa sociedade contemporânea, pressionados a fazer mais em menos tempo.
Assim como eles, comemos rápido, dormimos pouco e dedicamos menos tempo do que gostaríamos à família. Vivemos com a sensação de que o mundo sempre oferece mais do que pode ser vivido ao longo de uma vida. Essas questões refletem uma realidade cruel onde o tempo percebido do mundo e o tempo da vida individual divergem dramaticamente no mundo moderno. A aceleração do ritmo de vida criou a ilusão do equilíbrio estático entre a vida pessoal e profissional.
No mundo acelerado, não podemos parar e descansar, interromper a corrida e assegurar posição, uma vez que ou subimos ou caímos. Não há ponto de equilíbrio, pois ficar parado equivale a ficar para trás. Assim, sempre nos sentimos pressionados. “Tirar férias prolongadas” significa ficar desatualizado no que acontece na empresa; assim que limpamos nossa caixa de mensagens e focamos em outra atividade, começamos a ficar para trás de novo, e nossa “caixa de entrada” volta a encher silenciosamente.
No livro Alienação e Aceleração: Por uma teoria crítica da temporalidade tardio-moderna, Hartmut Rosa explora as razões por trás dessa aceleração e como ela impacta profundamente nossa vida, criando sentimentos de ansiedade e alienação. A aceleração social pode ser dividida em três categorias:
Aceleração tecnológica: refere-se ao rápido desenvolvimento de novas tecnologias que transformam a maneira como trabalhamos, nos comunicamos e nos transportamos. Embora esperemos mais tempo livre, o contrário ocorre: nossas horas se tornam cada vez mais escassas.
Aceleração das mudanças sociais: envolve rápidas mudanças nas estruturas familiares e profissionais, e nas expectativas culturais, exigindo constante adaptação. Exemplo disso são crescentes taxas de divórcio e segundo casamento.
Aceleração do ritmo de vida: refere-se ao aumento do ritmo de nossas atividades diárias, desde o trabalho até o lazer. Temos “fome de tempo”!
Os impactos dessa aceleração podem ser sentidos em várias áreas da nossa vida. Precisamos acelerar e economizar tempo para obter vantagens competitivas em todas as esferas da nossa vida.
Além disso, em geral, nos tornamos cada vez menos religiosos, com a aceleração funcionando como um substituto para a promessa religiosa da vida eterna. E nossa relação com o espaço e os objetos mudaram completamente.
Nossas relações íntimas ficaram mais virtuais devido a mídias modernas, e somos mais consumistas do que nunca devido à rápida obsolescência tecnológica dos objetos.
Além das pressões diárias, a aceleração social impacta diretamente nossa saúde mental criando um sentimento cada vez mais frequente de desconexão e falta de controle sobre a própria vida. Vivemos com uma sensação de que nunca temos tempo suficiente para realizar todas as nossas tarefas e projetos.
Paradoxalmente, quanto mais tempo tentamos economizar por meio de tecnologias e processos eficientes, mais sobrecarregados e ansiosos nos sentimos. Esse estado pode levar a uma diminuição na qualidade das relações pessoais e profissionais, bem como a uma sensação de vazio e insatisfação.
Adicionalmente, a pressão constante para estar sempre disponível e pela constante necessidade de se adaptar e de estar à frente cria um ciclo interminável de urgência e insuficiência temporal. Esse conjunto de fatores tem levado muitas pessoas a um esgotamento físico e mental severo resultando em uma crise global de depressão e esgotamento (burnout) cada vez mais comum entre profissionais de diversas áreas.
Essas pressões e desafios nos levam a questionar a viabilidade do tão almejado equilíbrio entre vida profissional e pessoal que parece cada vez mais inalcançável na sociedade contemporânea. No contexto empresarial, a cultura da alta performance e a necessidade de estar sempre conectado fazem com que nós, consciente ou inconscientemente, coloquemos nossas carreiras à frente de outras áreas da vida.
Esse desafio é ainda mais acentuado para as mulheres que, muitas vezes, carregam a dupla jornada de trabalho: profissional e doméstico. Mesmo com avanços em igualdade de gênero, muitas mulheres ainda enfrentam expectativas sociais para cuidar das responsabilidades familiares e do lar, além de suas carreiras. Isso cria uma sobrecarga significativa que pode levar ao esgotamento mais rápido e a um maior sentimento de culpa por não conseguir equilibrar todas as demandas.
Para os homens, embora a pressão para ter sucesso na carreira seja igualmente intensa, eles frequentemente enfrentam muito menos expectativas culturais relacionadas às tarefas domésticas e ao cuidado dos filhos. Por mais que essa dinâmica esteja mudando aos poucos, a falta de suporte para licença parental igualitária e horários de trabalho flexíveis muitas vezes impede uma verdadeira partilha de responsabilidades.
Para combater os efeitos negativos da aceleração, Rosa propõe o conceito de desaceleração social, que pode ocorrer de forma disfuncional (ex. engarrafamentos no trânsito), patológica (ex. depressão e burnout), intencional (ex. práticas de ioga e mindfulness), ou ideológicas (ex. superecológicos, fanáticos religiosos). Entender a necessidade de criar espaços e tempos em que a pressão para ser produtivo e eficiente é aliviada permite uma reconexão com o tempo vivido de maneira mais significativa.
Embora a aceleração traga muitos desafios, também oferece ganhos e oportunidades significativas. A rapidez no desenvolvimento tecnológico permite às empresas inovarem e responderem rapidamente às mudanças de mercado e às demandas dos consumidores.
Para os empreendedores, a capacidade de adaptar-se rapidamente e de implementar novas estratégias pode ser um diferencial crucial. Aceleradores de startups e incubadoras são exemplos de como a velocidade pode ser utilizada para fomentar a inovação e o crescimento rápido.
Além disso, a agilidade na tomada de decisões e na execução de projetos permite que as empresas sejam mais resilientes e capazes de enfrentar crises com maior eficiência.
A promessa do equilíbrio entre vida profissional e pessoal, ou work-life balance, é frequentemente vista como um mito porque pressupõe que é possível alcançar um estado ideal onde todas as áreas da vida estão em perfeita harmonia. Na prática, a aceleração constante da vida moderna produz novas experiências do tempo e do espaço, novos padrões de interação social. Isso, obviamente, não é em si mesmo nem bom, nem ruim, apenas aponta um desdobramento que, em larga medida, torna esse equilíbrio uma meta ilusória e angustiante. Em vez de perseguir um equilíbrio estático, devemos encarar esse desafio de maneira diferente: aceitando que a vida é dinâmica e que o equilíbrio deve ser flexível e adaptável.
Convido executivos(as) e empreendedores(as) a refletirem sobre esses desafios de como mitigar os potenciais efeitos da alienação e do burnout nas suas equipes. Estratégias como incentivar a comunicação aberta, promover um ambiente de trabalho colaborativo e investir no bem-estar mental de seus colaboradores não apenas melhoram a qualidade de vida de seus funcionários, mas também aumentam a produtividade e a satisfação no trabalho.
Além disso, é fundamental reconhecer as diferentes pressões enfrentadas entre homens e mulheres para criar ambientes de trabalho que apoiem o verdadeiro equilíbrio entre vida profissional e pessoal para todos os gêneros. Políticas como licença parental compartilhada, horários flexíveis e apoio para cuidados infantis podem ajudar a aliviar essas pressões e promover um ambiente mais inclusivo e equilibrado. O futuro das organizações dependerá da capacidade de harmonizar a velocidade com a qualidade de vida, garantindo que o sucesso não venha à custa da saúde e da felicidade dos indivíduos.