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Não desista (quase) nunca: a sabedoria oculta em abrir mão

Reflexões sobre escolhas que moldam novos caminhos e despertam futuros possíveis

Desistência: abrir mão pode revelar caminhos antes invisíveis e impulsionar mudanças internas. (Creative-Family/Thinkstock)

Desistência: abrir mão pode revelar caminhos antes invisíveis e impulsionar mudanças internas. (Creative-Family/Thinkstock)

Publicado em 10 de julho de 2025 às 16h00.

Em um mundo que glorifica a persistência incansável e a máxima de "nunca desista", pouco se fala sobre a complexidade e, por vezes, a sabedoria inerente ao ato de desistir. Gostaria de compartilhar algumas reflexões com vocês, inspiradas nas ideias de Adam Phillips em seu livro “Sobre Desistir”, para entender o que realmente significa abrir mão e quando esse gesto, longe de ser um sinal de fraqueza, pode ser um poderoso motor de transformação.

Desistir e voltar atrás: entendendo as diferenças

Para começarmos, precisamos estabelecer algumas diferenciações muito importantes. “voltar atrás” e “desistir” nem sempre são a mesma coisa. Voltar atrás em um livro que estamos lendo, por exemplo, é muito diferente de desistir dele. Voltar atrás pode implicar uma reconsideração, uma pausa para reavaliar, um momento de reflexão. Desistir, por outro lado, sugere um abandono definitivo. No entanto, mesmo no abandono, há nuances importantes:  abrimos mão das coisas quando acreditamos que podemos mudar, e desistimos quando acreditamos que não podemos mais.

Adam Phillips sugere que a desistência é uma forma de previsão. Ela se relaciona tanto com a transição e a transformação quanto com o sucesso e o fracasso. Desistir de algo é um momento crítico, um sinal da morte de um desejo, sim, mas que abre espaço para o surgimento de outros. É a tentativa de criar um futuro diferente, de ousar imaginar um caminho que antes parecia impensável.

O ponto sem retorno e o orgulho da desistência

Franz Kafka, em sua sabedoria, nos provocou: "a partir de certo ponto não é mais possível voltar atrás. Este é o ponto que precisa ser alcançado". Mas por quê? Seria a tentação de desistir, ou, mais sugestivamente, a tentação de voltar atrás, de dar meia-volta? A desistência, ao contrário da conclusão, geralmente precisa ser justificada. Ela raramente nos enche de orgulho, pois significa ficar aquém da pessoa que preferíamos ser – a menos que seja um sinal de "conhecer nossos próprios limites".

No entanto, quando não nos deixamos abater demais pela desistência, somos capazes de perceber o que realmente valorizamos. Criamos todo um mundo a partir disso, um universo de novas possibilidades que antes estavam obscurecidas pela insistência. Afinal, a questão fundamental que Adam Phillips nos convida a ponderar não é "por que desistimos?", e sim "por que não desistimos?".

Heróis e antídotos à desistência: essencialistas vs. experimentalistas

A vitalidade dos heróis e heroínas reside em suas visões do que precisam fazer e do que precisa ter acontecido para que atinjam seus objetivos. Parece que eles possuem a clareza íntima e pessoal de saber o que desejam para viver, e qual a sensação de ter vivido plenamente. Mas de onde vem a natureza dessa vontade? Eles têm a característica de saber conseguir ficar sem o que querem, mas reconhecem que é difícil ficar sem o que precisam. E muitas vezes, parece ser quase impossível ficar sem o que desejam!

Heróis e heroínas são frequentemente glorificados por sua perseverança inabalável. Eles não desistem, apenas recuam temporariamente para, no final, triunfar. Mas cuidado: nem todo herói vive um final feliz. Os “heróis trágicos”, por sua vez, são exemplos catastróficos da incapacidade de desistir. Sua recusa em abrir mão de um conjunto de crenças organizadoras, ou de mudar de ideia, é o que precipita a tragédia. A tragédia é criada por pessoas que se recusam a desistir.

Esses heróis, filosoficamente, são frequentemente essencialistas – aqueles que afirmam saber quem realmente são e, portanto, o que deveriam ser. Levam tempo para se formarem e se entenderem.

No outro espectro filosófico, existem os antiessencialistas ou experimentalistas, onde a verdadeira sabedoria está em reconhecer que somos seres em constante transformação, e que a desistência é parte desse processo. Para esse grupo, não conseguir desistir é ser incapaz de aceitar a perda, a vulnerabilidade, a passagem do tempo e as revisões que ele traz. Desistir requer um senso de encerramento, é saber, na medida do possível, quando chegou a hora de parar. É saber reconhecer que, muitas vezes, não desistimos por conta própria, mas somos forçados a fazê-lo. Querer e cometer erros são experiências inseparáveis; a vida é um experimento contínuo sobre estar certo e, principalmente, sobre estar errado.

O sono: um modelo de desistência diária

O próprio livro traz um exemplo revelador: Macbeth sugere o sono como um modelo de desistência. Todas as noites, desistimos: abrimos mão da consciência, deixamos de pensar, abandonamos a vigilância, abdicamos da atenção. O sono é uma versão benigna, alentadora e restauradora da desistência, um lembrete diário da nossa capacidade (e necessidade) de soltar.

Portanto, em um cenário onde a resiliência é um mantra, talvez seja hora de revisitar a desistência não como um tabu, mas como uma ferramenta poderosa de autoconhecimento e de construção de futuros mais alinhados com quem realmente somos e com o que realmente importa. A coragem não reside apenas em persistir, mas também em saber a hora de soltar, de abrir espaço para o novo e de abraçar a complexidade de nossa própria existência.

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