A beleza escondida por trás da crise (Klaus Vedfelt/Getty Images)
Colunista
Publicado em 24 de novembro de 2023 às 09h08.
Última atualização em 1 de abril de 2024 às 17h34.
Nem todo grande líder é um bom líder em momentos de crise. Na verdade, é muito comum que excelentes profissionais fujam da crise, receando prejuízos a sua imagem e reputação. Outros profissionais veem na crise oportunidades. Eu sou um desses.
Já passei por muitas crises durante minha carreira executiva. Em algumas vezes, assumi o posto justamente no início da crise, com o objetivo de resolvê-la. Acho curioso que, quando falamos em crise, é comum que as pessoas façam associação a problemas financeiros, o que não é correto. Há crises dos mais diversos tipos, como reputacional, organizacional e, inclusive, crises de crescimento, quando a empresa precisa se reestruturar para continuar a crescer.
Quando assumi a presidência do estaleiro Atlântico Sul, em 2019, a situação era de crise. Em função de alterações regulatórias e redução nos planos de investimento da Petrobrás, as operações foram interrompidas, tivemos que demitir quase 3 mil funcionários, e a geração de caixa era insuficiente para o pagamento da dívida. Isso era tudo que o mercado enxergava. Eu também enxergava isso, mas acima de tudo, via a oportunidade: um ativo fantástico, capaz de ser revocacionado, e um time tremendo, formado por poucas pessoas, mas que estavam 100% comprometidas a fazer o “gigante acordar”. Isso era suficiente.
A experiência bem-sucedida no estaleiro – que hoje opera com novo nome, nova atividade, novos projetos, nova estrutura de capital e, aproximadamente, mil empregados – é um ótimo exemplo da beleza escondida por trás da crise, e as características que um líder precisa ter para engajar, motivar e reter as pessoas certas quando se tem pouco a oferecer, exceto um grande propósito. Em março deste ano, deixei a empresa para novos desafios, mas posso assegurar que não só transformei, mas fui transformada por essa bela história.
Afinal, liderança é sobre ajudar pessoas a crescer. Nesse sentido, gosto muito de citar Paul Polman, ex-CEO da Unilever: “Liderança é sobre ajudar pessoas a serem bem-sucedidas, inspirando e unindo-as por um propósito comum, com responsabilidade” (tradução nossa).
Liderança transformacional é o oposto de liderança transacional. O líder transformacional usa de empatia e de outros motivadores intrínsecos, tais como inspiração e propósito, para engajar seus liderados, enquanto o líder transacional se apega mais aos motivadores extrínsecos, ou seja, ao dinheiro. Por consequência, no segundo caso, há um distanciamento maior entre o líder e seu time. O foco é no “eu”: eu sou, eu faço, eu aconteço, o que costumo chamar de CEO-centrismo, normalmente caracterizado como modelo de gestão por conflito, onde o medo é utilizado como ferramenta de motivação.
Já a liderança transformacional – também conhecida como liderança ressonante – é totalmente voltada ao time. O CEO é servo, responsável por ajudar o time a alcançar sua melhor versão. O engajamento é natural, o resultado é desejado não como forma de manutenção do emprego, mas de realização pessoal. As pessoas enxergam oportunidade de crescer, de se transformar, e de transformar o ambiente. Como ensina o neurocientista Pedro Calabrez, neste caso, os líderes se tornam “protagonistas da transformação”, entendendo que “são as emoções que levam as pessoas a transformar suas vidas, os negócios e o mundo”.
Na crise, não há espaço para liderança transacional. Os recursos normalmente são escassos, seja em valor, perspectiva ou segurança. A incerteza, tão comum em momentos de crise, por si só gera medo e precisa ser neutralizada por um ambiente de extrema confiança, o que só é possível quando há proximidade, transparência, empatia e simpatia.
Outras características necessárias para liderar na crise:
Ainda, é preciso coragem, muita coragem, pois o caminho é estreito e o sucesso não é garantido.
Entretanto, como dizia Roosevelt: “É muito melhor atrever-se a fazer coisas poderosas, vencer batalhas gloriosas, ainda que alternadas de fracassos, do que ter desses espíritos pobres, que nem comemoram muito, nem sofrem muito, porque vivem no intermediário, que não conhecem nem a vitória, nem a derrota”. De fato, o insucesso não define e, tampouco, afasta a beleza da trajetória.
Nicole Terpins: Executiva e conselheira de grandes empresas, tem especialização em mudanças organizacionais pelo MIT e negociações avançadas pelo Harvard Institute of Negotiation, e atua como consultora de empresas de controle familiar.