Homem olhando gráfico: prêmio é alto, mas pode ficar maior, a depender dos próximos passos do novo governo (Hiroshi Watanabe/Getty Images)
Marília Almeida
Publicado em 16 de novembro de 2022 às 06h00.
Os sinais de como será a política fiscal no terceiro mandato de Luíz Inácio Lula da Silva (PT) vem sendo acompanhados atentamente pelo mercado financeiro. E, na quinta-feira passada, o primeiro discurso do novo presidente foi mal recebido.
Lula criticou a estabilidade fiscal, e voltou a cogitar retirar gastos com o Auxílio Brasil da meta, sem anunciar medidas adicionais para coibir o crescimento da dívida pública. Quase instantaneamente, a fala, que coroa uma série de discursos no mesmo tom, em conjunto com uma previsão mais elevada para a inflação e nomes do governo Dilma na equipe de transição adicionou risco aos investimentos.
"Para quem esperava nomes como o de Meirelles e rigor fiscal, o tom foi pelo caminho contrário, da gastança", diz Fernando Siqueira, diretor de pesquisas da corretora Guide.
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Esses sinais levaram a uma reprecificação de risco das aplicações. A bolsa caiu 3,35%, e o dólar subiu 4,14%. Na renda fixa, os títulos do Tesouro Direto mais longos e atrelados à inflação chegaram a pagar IPCA + 6,11% ao ano, 1,25 ponto porcentual a mais do que estavam pagando. Quanto mais longos, mais os títulos foram afetados. O movimento somente poupou aplicações de até 1 ano.
A reação do mercado, considerada "exagerada" pelo novo governante, aparentemente foi levada em conta. A PEC da transição, que tem como objetivo retirar despesas do teto de gastos para projetos sociais, foi adiada para esta quarta-feira, 16. Desde então, as taxas pagas pelos títulos se acomodaram um pouco abaixo, e agora o Tesouro IPCA+ 2045 paga a inflação mais 6,04% ao ano. A taxa do Tesouro Prefixado com vencimento em 2029 está em 12,83% ao ano.
É um prêmio alto se considerarmos um governo com responsabilidade fiscal, mas baixo se houver irresponsabilidade, aponta Marília Fontes, sócio-fundadora da casa de análises Nord. "Esse prêmio já chegou a 7,5% em 2016 e a 10% em crises passadas", lembra.
Para acalmar os ânimos, o governo precisará mostrar que a trajetória da dívida vai ser menor no futuro, completa Fontes. "O mercado tolera financiar o governo no curto prazo, desde que a dívida pública diminua no longo prazo. O que não tolera é uma dívida de bola de neve: ninguém precisa financiar um pagador ruim. Neste caso, melhor financiar outros governos".
Se houver mudança no teto dos gastos, que venha com uma solução, conclui. "Até agora, tudo o que temos é que poderá ser retirado do teto um gasto estrutural. Aí fica complicado".
Os prêmios relativamente altos que estão sendo pedidos não apenas nos títulos públicos, mas também em LCIs, LCAs e debêntures podem ser uma oportunidade para o investidor? Fontes, da Nord, acredita que não. "A não ser que tenhamos um governo responsável, eu não investiria no longo prazo no Brasil".
Para os analistas da Genial, não se sabe se a deterioração será suficiente para fazer o novo governo retroceder ao pragmatismo ou se será necessário mais deterioração no preço dos ativos. O conselho da corretora ao investidor é ficar de fora e esperar um pouco mais de clareza. "A volatilidade está em níveis surreais", apontam.
Siqueira, da Guide, já tem uma visão mais flexível. "O prêmio maior pode ser aproveitado pelo investidor que topa correr o risco". O elevado grau de incertezas sobre a política econômica que deve ser seguida a partir de 2023 deve diminuir a variedade de títulos de crédito privado no mercado, completa. "As empresas devem segurar novas emissões até que as taxas estejam mais contidas".