Mesmo ganhando pouco dá para se prevenir de situações extremas de endividamento mudando comportamentos e mentalidades. (Netflix/Reprodução)
Bianca Alvarenga
Publicado em 15 de outubro de 2021 às 13h45.
Última atualização em 15 de outubro de 2021 às 16h15.
Bastaram algumas semanas para que o seriado coreano Round 6 (Squid Game, no título em inglês) se tornasse a produção mais assistida em período de estreia na Netflix. O tema não poderia ser mais universal: pessoas endividadas tentam ganhar um jogo que oferece um prêmio milionário, 45,6 bilhões de wons (cerca de 200 milhões de reais). Caso não consigam ganhar, abrem mão da própria vida.
Endividadas, aliás, não seria a palavra correta. Elas estão superendividadas (no Brasil, recentemente, foi criada uma lei para tratar esse problema), algo próximo a uma 'falência pessoal'. Para dar um exemplo, a dívida do protagonista Seong Gi-Hun é equivalente a 732 mil reais. A de seu parceiro e amigo de infância, Cho Sang-Woo, 27,4 milhões de reais.
Deixando de lado o exagero das situações, muitos espectadores da série podem se identificar em algum nível com os protagonistas. Isso porque seus comportamentos são relativamente comuns. Por isso, é possível extrair da série lições preciosas sobre o que não fazer quando o assunto é dinheiro.
É necessário ponderar também a questão da desigualdade social, tema central da série. Alguns personagens passaram por situações delicadas, que geraram grandes traumas e, no final das contas, se tornaram uma parte importante da causa do endividamento. Tal histórico também explica por que os personagens acabam recorrendo a métodos escusos para sobreviver.
Para além de todo o aspecto sci-fi da série e a boa dose de sangue, algumas características dos endividados de Round 6 podem ser úteis para quem está com a vida financeira em desordem.
A EXAME Invest entrevistou a planejadora financeira Eliane Tanabe, da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros) para falar sobre como os superendividados podem sair dessa situação - e sem ter que passar pelo jogo "Batatinha Frita 1,2,3".
A série Round 6 é muito pertinente em mostrar que o endividamento tem uma relação próxima com questões psicológicas. A maior parte dos personagens, especialmente os que acumulam os débitos mais altos, têm algum tipo de relação comportamental com o dinheiro.
"O personagem principal, o Seong Gi-hun, vive pedindo 10 mil wons para as pessoas próximas. Será que ele precisa, mesmo, de 10 mil wons para essas as situações, ou o ato de pedir dinheiro emprestado virou um hábito?", questiona Eliane.
O endividamento faz parte da vida de qualquer um, pois é uma importante ferramenta para alcançar o acúmulo de patrimônio material e intelectual. Por meio do crédito, é possível comprar um carro, uma casa, ou até pagar por uma formação acadêmica que vai ajudar na progressão de carreira (e, consequentemente, da renda).
As dívidas costumam virar armadilha quando a decisão de tomar empréstimos passa a envolver aspectos irracionais. Eliane, da Planejar, cita o caso do co-protagonista, Cho Sang-Woo.
"Ele atuava no mercado financeiro e tem um traço bastante evidente de competição. Por ter uma relação perigosa com o risco, o coadjuvante da série acaba caindo na armadilha de excesso de confiança, e acumula uma dívida enorme operando no mercado de opções da bolsa", lembra a planejadora financeira.
O excesso de confiança e a má avaliação de riscos são dois aspectos bastante comuns em pessoas que dão passos maiores do que as próprias pernas, e que acabam acumulando dívidas praticamente impagáveis.
Embora o conceito de falência seja mais disseminado entre as empresas, pessoas físicas também podem chegar a um ponto de contrair dívidas muito maiores do que o próprio patrimônio ou renda acumulados durante toda a vida. Em outras palavras: são débitos considerados impagáveis.
Nesse caso, assim como acontece com uma empresa, é necessário sentar e conversar com os credores de forma franca. Para facilitar esse processo, o Congresso aprovou recentemente a lei dos superendividados, que cria condições para que consumidores negociem suas dívidas de forma única com diferentes instituições financeiras.
"Pessoas podem falir, e é sempre difícil encarar essa realidade. Eu costumo dizer que o superendividamento é igual a uma doença: se o problema não for enfrentado de frente, nunca haverá tratamento", defende Eliane.
Embora a racionalidade seja associada de forma quase imediata à vida financeira, muito dos hábitos que definem a relação de cada um com o dinheiro têm a ver com aspectos comportamentais.
Por isso, planejadores financeiros costumam fazer uma espécie de terapia financeira com clientes superendividados. O plano aqui é, além de elaborar um passo a passo para a quitação dos débitos, tentar entender o que levou a pessoa à situação financeira delicada.
"Se o aspecto comportamental não é tratado, provavelmente aquele superendividado vai voltar a atrasar contas, retornando à situação de bola de neve", explica a planejadora financeira.
Outro conceito apresentado pela série é o de que a dívida não está, necessariamente, relacionado ao padrão de vida do devedor. O caso de Cho Sang-Woo, personagem que teve uma formação brilhante, frequentou a melhor universidade do país e que tinha uma carreira aparentemente bem-sucedida no mercado financeiro, é bastante ilustrativo.
"Claro que algumas situações da vida, como a perda do emprego ou até a perda de algum ente querido, podem empurrar a pessoa para as dívidas. Mas de maneira geral, o superendividamento está mais ligado a questões comportamentais, e não a problemas pontuais", pondera Eliane, da Planejar.
Além dos assuntos listados acima, outros pontos sobre finanças podem ser aprendidos em Round 6, como:
Confira essas dicas adicionais no vídeo abaixo com a Jessica Castro, jornalista e embaixadora da EXAME.