Joe Biden e Vladimir Putin em encontro em Genebra, na Suíça, em 2021: risco de confronto nuclear é ignorado nos mercados (Sputnik/Mikhail Metzel/Pool/Reuters)
Da Redação
Publicado em 11 de março de 2022 às 14h37.
Os mercados financeiros parecem estar ignorando todos os riscos da invasão russa da Ucrânia. A ausência de qualquer resposta negativa significativa nos mercados de ações, dívida corporativa e dívida soberana na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e no Japão dificilmente faria sentido, mesmo que não houvesse chance de a situação se transformar em um conflito aberto entre OTAN e Rússia. Mas esse não é o único risco real; como também é a ameaça de o conflito se tornar nuclear.
Fora da Ucrânia e da Rússia, os prováveis efeitos econômicos e financeiros de curto prazo da guerra de Vladimir Putin são materiais, mas administráveis, desde que o conflito não se espalhe. O prejuízo de um choque negativo de oferta seria infligido principalmente por meio de preços mais altos das commodities, notadamente, petróleo e gás, trigo, alumínio e matérias-primas estratégicas como paládio e gás neon.
Mesmo nesse cenário de “contido conflito convencional”, a escassez de combustíveis fósseis, a perda de mercados de exportação e ataques cibernéticos ocasionais se somarão ao impacto estagflacionário do aumento dos preços das commodities na Europa.
E, em nível global, a potencial produção de médio e longo prazo sofrerá, devido à nova bifurcação entre um sistema comercial e financeiro centrado na China e na Rússia e outro com os EUA, a Europa e o Japão como seus hubs. Além disso, realocações defensivas e avessas ao risco de investimentos e outros recursos reduzirão ainda mais a produção potencial à medida que governos e corporações buscam maior resiliência da cadeia de suprimentos.
Os mercados globais de ativos sequer precificaram nesse cenário menos ruim. Mas se a guerra Rússia-Ucrânia escalasse para se tornar uma guerra Rússia-OTAN, haveria um sério risco de conflito nuclear. Uma maneira segura de chegar-se a essa escalada seria a OTAN estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia, como o governo ucraniano pediu.
Embora a OTAN e os governos ocidentais tenham imposto sanções econômicas e financeiras à Rússia e fornecido à Ucrânia armas antitanque, drones, mísseis portáteis terra e ar e munição, essas formas de apoio não equivalem a um ato de guerra. Impor uma zona de exclusão aérea, no entanto, significaria derrubar alvos russos. Se a OTAN tomasse essa atitude, uma guerra mais ampla se tornaria inevitável.
Mesmo que um conflito mais amplo permanecesse convencional, isso resultaria em uma calamidade humana e econômica regional. O risco de um confronto nuclear – com o uso de armas nucleares táticas e estratégicas – seria maior do que em qualquer outro momento desde a Guerra Fria. O território e os cidadãos de cada estado membro da OTAN estariam em risco de vida.
Até agora, a OTAN rejeitou abertamente os pedidos de uma zona de exclusão aérea. Também mostrou moderação em resposta à agitação nuclear de Putin. Em 27 de fevereiro de 2022, Putin colocou as forças nucleares da Rússia em alerta máximo em resposta às sanções ocidentais e ao que ele chamou de “declarações agressivas” das potências da OTAN. No mesmo dia, a Bielorrússia abandonou seu status de não nuclear – permitindo assim armas nucleares da Rússia em seu território.
Essa escalada veio logo após os extensos exercícios nucleares estratégicos da Rússia em 19 de fevereiro e o discurso televisionado de Putin anunciando a invasão em 24 de fevereiro, quando ele enfatizou que a Rússia ainda é um dos estados mais poderosos do mundo, detentores de armas nucleares
Embora essas declarações provavelmente sejam fanfarronices, elas não podem ser simplesmente descartadas. Afinal, acidentes acontecem e o risco de um acidente nuclear aumenta sempre que um arsenal nuclear está sendo anunciado.
Além disso, mesmo que nenhum agente racional recorra à força nuclear pelo risco de uma destruição mútua e assegurada, a confiabilidade da MAD (destruição mútua assegurada) pode estar em dúvida. Além disso, a racionalidade pode ser escassa onde é mais necessária. Alguns observadores têm se questionado se Putin continua totalmente em seu juízo perfeito, especulando que seu isolamento durante a pandemia tenha contribuído para aumentar sua paranoia.
Desde janeiro de 2020, o Boletim dos Cientistas Atômicos, o Relógio do Juízo Final, parou em 100 segundos para a meia-noite, indicando que a organização considera a humanidade mais próxima de um apocalipse causado pelo homem do que em qualquer outro momento desde a criação do relógio em 1947.
Essa avaliação é impulsionada principalmente por riscos nucleares, mudanças climáticas e tecnologias disruptivas. O ajuste anual do relógio ocorreu neste ano em 20 de janeiro. Se tivesse ocorrido em 1º de março, o relógio sem dúvida teria sido movido para mais perto da meia-noite e do Armagedom.
O risco de uma guerra nuclear agora parece maior do que em qualquer outro momento desde a crise dos mísseis cubanos em outubro de 1962, ou pelo menos desde o exercício Able Archer da OTAN em 1983, quando membros do Politburo e militares da União Soviética interpretaram o exercício como um pretexto para um genuíno primeiro ataque nuclear e iniciou os preparativos para a guerra nuclear.
O impacto da crise dos mísseis cubanos nos mercados de ações dos EUA foi pequeno: houve uma queda de cerca de 7% no S&P 500 , a maior parte recuperada quando o líder soviético Nikita Khrushchev cedeu. O incidente de Able Archer não chegou ao conhecimento público até 2015 e, portanto, os mercados não podem ser culpados por não responder.
Hoje, há poucas evidências de que os mercados tenham percebido o crescente risco de um conflito nuclear. Ignorar é o nome do jogo.
Tradução de Anna Maria Dalle Luche.
*Willem H. Buiter é professor adjunto de Relações Internacionais e públicas na Universidade de Columbia.
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