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Uma moradia ou um imóvel?

Imóveis, como qualquer ativo de renda variável, valorizam-se e desvalorizam-se ao sabor de inúmeras variáveis e têm prazos de liquidação maiores

Sigrid Guimarães: "será que a melhor maneira de oferecer esse conforto aos filhos é comprar um imóvel agora" (Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães: "será que a melhor maneira de oferecer esse conforto aos filhos é comprar um imóvel agora" (Divulgação/Divulgação)

Sigrid Guimarães
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 9 de abril de 2024 às 09h31.

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Por Sigrid Guimarães*

Minha amiga Isabel conta que uma máxima atravessa gerações da sua família: “Se você deixar um diploma e um teto para cada filho, a sobrevivência deles está garantida.”.

Isabel e o marido se esforçam para seguir o lema. Fazem tudo que podem pela instrução das crianças, mas estão conformados em esperar, no mínimo, 16 anos até a formatura do caçula. Enquanto isso, correm para realizar a tarefa da moradia. Até aí, eu já sabia, mas agora ela me surpreende ao dizer que quer minha opinião sobre qual será o melhor negócio entre os dois imóveis que já têm em vista para a filha mais velha, que hoje tem oito anos.

Não contenho a pergunta: “Mas já?”

Isabel responde, vibrante, que “Sim!”, ela já tem a grana, e logo passa a dar detalhes sobre os apartamentos e as possíveis transações. É uma amiga querida. Por isso, corro o risco de ser chata e insisto: “Mas não é um pouco cedo?”

Há um sentimento bonito e profundamente humano no entusiasmo da minha amiga, ligado à própria noção de família, e ela o justifica com razões de ordem prática das quais não discordo. “Morar é uma necessidade quase tão básica quanto comer”, diz. Estou de acordo e acrescento a particularidade de ser um custo fixo alto, sem margem de manobra a curto prazo.

Mesmo que doa, podem-se cortar despesas de supermercado imediatamente, pular uma refeição e até passar um mês comendo apenas arroz com ovo, mas não há solução rápida para reduzir os custos da moradia. Não dá para pedir abatimento ao senhorio ou ao financiador alegando que a família vai sair de férias ou que, este mês, não usará a sala. Então, na maioria das vezes, o jeito é encarar uma mudança, o que demora para se concretizar, exige gastos, estressa ao máximo e tem consequências duradouras na vida da família.

Enfim, concordamos que a garantia de um teto sobre a cabeça facilita muito a vida, mas minha questão é: será que a melhor maneira de oferecer esse conforto aos filhos é comprar um imóvel agora, para que tenham onde morar daqui a 15 anos ou mais?

Isabel responde com a sabedoria popular: “Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje!”, e eu pergunto: “Mas você pede uma pizza hoje para jantar no ano que vem?”. Sigo ponderando que o apartamento que parece espetacular hoje pode ser totalmente inadequado à futura realidade da sua filha, que, talvez, venha a viver em outra cidade, assuma um estilo de vida incompatível com o imóvel e, aliás, talvez nem possa ou queira sustentá-lo.

Ela cruza os braços e contra-ataca: “Tá aí, a gente vende e compra outro mais adequado, e, se ela tiver dificuldades, pode vender ou alugar. Qual é o problema?”. Nesse momento, confirmo o que já suspeitava: minha amiga, que, asseguro, não tem nada de boba, é mais uma entre os muitos que, à força do longo histórico brasileiro de crises inflacionárias, foi convencida de que imóveis são instrumentos adequados para a preservação do valor do dinheiro. Por isso, confunde a segurança pessoal de uma moradia com a proteção do patrimônio.

Imóveis, como qualquer ativo de renda variável, valorizam-se e desvalorizam-se ao sabor de inúmeras variáveis e têm prazos de liquidação maiores do que outros investimentos. Os ganhos e as perdas de quem comprou ou vendeu antes ou depois das Olimpíadas do Rio são exemplo eloquente, mas há uma lógica permanente para além dessas circunstâncias excepcionais e variações abruptas.

As cidades se movem, a vizinhança e os aparelhos urbanos mudam, e bairros e ruas se reconfiguram. Também os hábitos mudam, e atributos antes muito cobiçados se tornam irrelevantes ou até inconvenientes, enquanto outros passam a ser demandados. Se você não é um grande especialista do mercado imobiliário, dedicado a acompanhar constantemente o seu movimento, a chance de entrar numa fria é tão grande ou maior do que a de quem investe em ações a esmo.

Isabel parece um pouco atônita, mas reage: “OK, mas você está esquecendo a renda de aluguel ...”. - Relembro o que ela sabe, mas, nesse momento, prefere esquecer: o risco de vacâncias, maus pagadores e depredadores, além dos custos de manutenção a cargo do locador e das crises de mercado.

Isabel me olha um pouco sem chão, ou sem teto..., e eu a tranquilizo: “Olha, você já tem o dinheiro. É uma baita vitória. Se o imóvel não é necessário neste momento, para que assumir o risco da imobilização?”.

Ela respira, e, finalmente, podemos tratar do seu problema real; o pânico de que o dinheiro reservado à futura moradia dos filhos seja consumido com outros gastos. No final, o grande atrativo da aquisição era justamente a dificuldade de reconverter um imóvel em dinheiro, o que ela esperava que contivesse os seus próprios impulsos e, mais adiante, os dos filhos.

Basicamente, duas circunstâncias poderiam levar a isso: um imprevisto, como uma súbita necessidade ou perda de receita, ou o descontrole das contas. Se o imprevisto acontecesse, e eles realmente precisassem do dinheiro aplicado no tal imóvel, seriam obrigados a vendê-lo às pressas e provavelmente fariam um mau negócio. Quanto ao descontrole de gastos, bom, é uma questão de disciplina, e não há como ser disciplinado sem ter parâmetros. No final, tudo dependia de um bom planejamento, que levasse em conta, inclusive, a possibilidade de imprevistos.

Isabel já não estava eufórica, mas parecia mais senhora de si fazendo ponderações e perguntas que distinguiam entre suas emoções e a realidade financeira.

Minha amiga me deu um abraço carinhoso antes de embarcar num Uber. Talvez, Isabel e o marido acabem optando pelo prazer da compra, mas acho que, agora, se o fizerem, saberão que estão pagando por esse prazer, e não, fazendo um investimento. Não sou ninguém para determinar as escolhas dos outros, mas posso torcer para que levem a sério a ideia do planejamento e encontrem um profissional que os ajude a saber exatamente quanto esse prazer vai custar aos outros sonhos que eles têm.

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