Congresso Nacional em Brasília: decisões dos políticos colocam em jogo as perspectivas de crescimento para o país | Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 3 de novembro de 2021 às 12h28.
Última atualização em 3 de novembro de 2021 às 12h35.
Dia desses, um grande amigo, habitué de lugares onde gente importante da capital federal circula, me falou: “Álvaro, a Faria Lima precisa entender que Brasília não é Chicago”.
Em resumo, a entrelinha da frase quer dizer que políticas econômicas liberais (Escola de Chicago, ex.: Milton Friedman) não surtem efeito em Brasília – ou, melhor, na classe política que habita (ao menos das terças às quintas) o Distrito Federal. Ou seja, a classe política não está mais tão interessada em políticas econômicas responsáveis sob o ponto de vista das contas públicas.
O motivo? Os indicadores econômicos não vão nada bem, consequentemente, os índices de aprovação do governo também não e o ano que vem é ano eleitoral. Vale, portanto, um rápido panorama sobre o cenário macro atual:
O centro de toda a deterioração desses indicadores está nas expectativas fiscais, ou com o Teto de Gastos para 2022.
O motivo? Os políticos têm um problema de curto prazo e, para tanto, querem uma solução de curto prazo. O problema é a (re)eleição de 2022 em um cenário ruim e a solução (para eles) é mais gasto público, não importa como.
O mercado financeiro, lugar em que resultam as expectativas econômicas negociadas em bolsa de valores (ações, câmbio, juros...), entende o atual movimento e aciona sua pressão vendedora sob o preço dos ativos locais.
Ou seja, reclamar do nervosismo do mercado financeiro (leia-se: estresse nas expectativas econômicas) é o mesmo que reclamar do termômetro quando a febre está alta. Da mesma forma que não é o termômetro que causa a febre, e, sim, alguma doença, não é o mercado financeiro que causa expectativas ruins, e, sim, as políticas econômicas ruins causam a febre, consequência das decisões feitas pelos próprios políticos. Diferenciar causa e efeito é sempre importante.
Para encerrar esta parte, volto ao meu amigo para lhe dizer que é recomendável encarar a doença fiscal de frente em vez de brigar com o termômetro: quanto mais Brasília insistir nesse novo negacionismo, agora econômico, mais a doença se alastra no paciente. E os sintomas já estão aí.
Dito o introdutório, vamos à questão central: é possível cumprir o atual Teto de Gastos elevando o valor mensal e o número de beneficiados com o Auxílio Brasil? Sim, é possível. Para isso, abaixo um breve exercício com as contas públicas disponibilizadas no site do Resultado do Tesouro Nacional [1].
Em 2022, o Teto de Gastos será de R$ 1.610,0 bilhão e as despesas sujeitas a essa regra precisam caber aqui dentro. No entanto nossas projeções para o Orçamento dessas despesas no próximo ano rondam R$ 1.677,3 bilhão: ou seja, um “furo no teto” de R$ 67,3 bilhões, tornando inviável o cumprimento da regra com os atuais níveis de despesas.
Na tabela a seguir, detalhamos todas as despesas sujeitas ao teto de gastos. Após, algumas curiosidades:
A despesa com Aposentados e Pensionistas representa 50%, em média de 2017 até hoje, do orçamento do Teto de Gastos.
A conta de salários, encargos e benefícios para Servidores Públicos da União é de 21% do teto. Aqui, uma comparação interessante: apenas as despesas com benefícios a servidores públicos da união possuem um orçamento mais de 3 vezes superior às despesas orçadas com Ciência e Tecnologia.
Em 2021, e provavelmente em 2022, o orçamento com Emendas Parlamentares é superior ao valor orçado para as despesas de Defesa e Segurança Pública + Ciência e Tecnologia + Transporte.
"Curiosidades" foi um eufemismo para as bizarrices do Orçamento público da União.
Em 2022, a forte elevação das despesas com precatórios (R$ 89 bilhões), o desejo de um novo programa social de R$ 86,1 bilhões (parte permanente, parte temporária), os novos incentivos em debate no Congresso como o "Vale-Gás" (R$ 5 bilhões) e o Auxílio aos Caminhoneiros (R$ 3,6 bilhões) e, por fim, a elevada conta de emendas parlamentares (R$ 33,7 bilhões, estão no centro do problema fiscal.
Voltando ao fim da primeira parte deste artigo, os políticos, em vez de fazerem melhores escolhas dentro da atual regra, querem “dar tudo” no ano eleitoral de 2022 e, para tanto, querem mudar as regras do jogo no meio do caminho.
Mas vamos achar espaço neste orçamento.
É fundamental dar nome aos bois: a PEC dos Precatórios e o acionamento do Estado de Calamidade são as soluções de curto prazo que Brasília está encontrando para resolver o seu "problema" de 2022. São soluções irresponsáveis, que acabam com a âncora fiscal do país.
A calamidade, por si só, seria uma desculpa para pagar auxílios fora do Orçamento e sem nenhum amparo jurídico do TCU para isso. A PEC dos Precatórios muda a regra no meio do jogo. Recorrendo à analogia: é como se seu time estivesse ganhando uma partida de futebol por 2 x 0 e, no meio do intervalo, o juiz decretasse que placar abaixo de 4 x 0 será considerado derrota.
Logo, mostramos abaixo os três cenários para o Orçamento de 2022: dois muito prováveis e irresponsáveis (PEC dos Precatórios e Estado de Calamidade) e outro muito improvável, pois contaria com o espírito público dos políticos com a gestão do Orçamento. Adicionalmente, explicamos as nossas premissas em cada um dos cenários.
PEC dos Precatórios: Altera a regra de correção do teto com o IPCA do fim do ano e, dada as projeções atuais, o teto de gastos para 2022 sairia de R$ 1.610,0 bilhão para R$ 1.662,0 bilhão – um “aumento” de R$ 53 bilhões no Orçamento. Adicionalmente, a proposta deseja criar um teto de gastos para os precatórios, que seria de R$ 40 bilhões, sendo o restante da conta R$ 49 bilhões, fora do teto para negociação. Nesta proposta, o Auxílio Brasil seria integralmente dentro do novo teto, tanto o reajuste permanente de 20% sob o valor atual quanto o benefício temporário para 2022. Neste cenário, haveria uma “sobra” fictícia de R$ 33 bilhões.
Calamidade: Sem PEC, são mantidos o mesmo valor do teto e o reajuste permanente de 20% para o Auxílio Brasil, mas poderia existir uma despesa de R$ 96 bilhões de auxílio emergencial fora do teto, caso ele seja nos mesmos moldes de 2021: R$ 400 reais por 12 meses para 40 milhões de brasileiros. Fora isso, a não-aprovação da PEC dos Precatórios ainda manteria essa questão em aberto e, mesmo com parte do auxílio temporário sendo colocada fora do teto de gastos, ainda haveria um “furo” no teto de R$ 28,8 bilhões. Vale ressaltar que, em ambos os cenários, as despesas com subsídios e desoneração da folha de pagamentos sairiam de R$ 30,8 bilhões em 2021 para R$ 23,1 bilhões em 2022.
Responsabilidade Fiscal: Neste cenário, mantemos a atual regra do teto de gastos e se paga o maior valor permanente para o Auxílio Brasil: em vez de corrigir apenas 20% (de R$ 187 para R$ 228), elevamos o benefício mensal para R$ 300, 60% em relação ao valor atual, que é igual ao valor da inflação de alimentos e bebidas medida pelo IPCA acumulado de 2019 até 2021.
Em relação aos Precatórios, nenhuma PEC é necessária: é possível pagar R$ 73 bilhões dentro do teto, retirando apenas R$ 16 bilhões dos precatórios relacionados ao Fundef do teto – se o Fundeb está fora, os precatórios relativos a sua conta também deveriam estar.
Mágica? Não, escolhas.
Caso o espírito público da responsabilidade com o Orçamento da União prevalecesse em Brasília (risos), seria possível encontrar R$ 66,6 bilhões (o número macabro não foi proposital) no Orçamento, permitindo que as despesas com precatórios fossem de R$ 73 bilhões dentro do teto, bem como um Auxílio Brasil de R$ 300 por mês para 17 milhões de famílias de forma permanente, independente do programas temporários e eleitoreiros.
Para isso: (i) 50% de redução no valor pago a benefícios dos servidores públicos da União, (ii) fim da Lei Kandir, (iii) 50% de redução na atual proposta (e já aprovada na Câmara) do "Vale-Gás", (iv) redução do valor proposto para auxílio aos caminhoneiros, (v) redução de 1/3 para as emendas do relator e fim do auxílio temporário/emergencial – já que o valor permanente proposto (R$ 300/mês) é 33,6% superior à atual proposta do governo (R$ 224/mês).
Sei que o texto se alongou mais do que gostaria, mas o detalhamento das contas foi fundamental para mostrar que, sim, é possível pagar um valor maior e para mais famílias e cumprir com as dívidas da União com seus credores mantendo a credibilidade fiscal e melhorando as expectativas econômicas, como consequência de suas boas práticas de política econômica.
Logo, quando Brasília surge com contabilidade criativa para inflar as despesas do governo, saiba: não há nenhum pensamento público aos mais carentes, é simplesmente uma manobra política para os anseios dos políticos que desejam gastar mais e sem nenhuma responsabilidade social.
Claro que a proposta é um exercício pouco factível dado o jogo político atual, mas a quem recebe o Bolsa Família (Auxílio Brasil) cabe uma pergunta: você prefere receber R$ 400 por mês em 2022 e que esse valor caia para R$ 224 por mês a partir de 2023 sem nenhuma previsão de reajuste; ou você prefere receber R$ 300 por mês de maneira permanente, independentemente do governo ou do ano eleitoral?
Para finalizar é bom reiterar: é possível atender mais famílias carentes e por um valor ainda maior de benefício permanente, desde que escolhas sensatas sejam colocadas à mesa:
Perguntas não machucam, mas a inflação (decorrente das péssimas decisões de políticas públicas em Brasília) mata de fome a pobre população brasileira. A responsabilidade fiscal e social andam lado a lado.
*Álvaro Frasson é Head de Estratégia Macro do BTG Pactual digital e assina semanalmente o relatório Spoiler Macro com a equipe do BTG Pactual digital. Escreve para a EXAME Invest toda primeira semana de cada mês.
[1] Ver em Tesouro Nacional. Documento para download foi a "serie_historica_set21.xlsx" e a planilha para as despesas foi a 1.2. Resultado Primário do Governo Central - Brasil – Mensal.