'Tenho percebido um número crescente de investidores comparando os dividend yields de ações com o retorno da renda fixa' (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 30 de abril de 2022 às 08h30.
Última atualização em 30 de abril de 2022 às 11h31.
Passamos recentemente por um período de taxas de juros excepcionalmente baixas no Brasil. Mas eis que, reafirmando nossa sina de eterno país do futuro, logo tratamos de voltar a nosso status quo de juros nominais de dois dígitos.
Durante o período de baixa da Selic, muitos investidores buscaram em ações pagadoras de dividendos (e, a bem da verdade, também em fundos imobiliários) alternativas de geração de renda recorrente. A bem da verdade, o período de baixa dos juros foi importante para ampliar o acesso do investidor brasileiro à bolsa de maneira mais ampla – mas hoje, especificamente, vamos nos ater aos investidores cujo foco era renda.
Pois bem: com o retorno da renda fixa pós-fixada a patamares percebidos como mais atrativos, tenho percebido um número crescente de investidores comparando os dividend yields de ações com o retorno da renda fixa e, constatando que a Selic é maior, concluindo que é mais vantajoso voltar a seu lugar de origem.
Há um problema nessa comparação. E é dele que me ocupo neste artigo para a EXAME Invest.
Sobre a renda fixa, tem-se, primeiro: ressalvadas exceções muito específicas, das quais é desnecessário nos ocuparmos aqui, os investimentos em renda fixa têm prazo definido. Um CDB, por exemplo, remunera o capital aplicado do momento da aplicação até seu prazo de vencimento – que, quando alcançado, pode dar lugar a uma nova aplicação idêntica, é verdade, mas ainda assim tem prazo.
Segundo: findo o prazo, o investimento em renda fixa devolve ao credor o valor principal. Na hipótese de se tratar de um produto indexado (que paga, por exemplo, IPCA+X% a.a.), o principal é corrigido (no exemplo acima, pela inflação expressa pelo referido índice). Mas, ainda assim, é o principal.
Com relação ao primeiro ponto, o fato é que, numa ação que paga dividendos, o prazo é indeterminado: aquele ativo gerará um fluxo de proventos para seu detentor enquanto a empresa existir e for economicamente saudável a ponto de remunerar seus acionistas. Se acreditamos que o dinheiro tem valor no tempo, então investimentos com prazos diferentes (no caso, um determinado e outro indeterminado – para não dizer infinito), então as taxas não são comparáveis entre si.
Com relação ao segundo ponto, a diferença é ainda mais latente: supondo que você decida manter uma ação por um prazo determinado e, então, a venda, o valor da venda não é o mesmo que o principal, como na renda fixa, mas sim o preço da ação na ocasião – que, se acreditarmos na tal convergência de preço e valor no longo prazo, equivalerá ao valor presente esperado do fluxo de dividendos esperado dali para a frente.
E é esse segundo ponto que produz a maior diferença entre um investimento em renda fixa carregado até o vencimento e um investimento em ações pagadoras de dividendos: enquanto, no primeiro caso, o retorno total é dado pelos juros, no segundo ele é uma combinação de proventos e potencial ganho de capital decorrente da incorporação, nos preços, das expectativas sobre os fluxos posteriores à venda da ação.
Portanto, não dá para comparar rentabilidade de renda fixa com yield de ação, pois o yield é somente parte do retorno total potencial – a outra parte corresponde a ganho de capital.
Por óbvio, também, são investimentos com riscos diferentes. Mas isso acho que está suficientemente claro a ponto de dispensar maiores explicações.
Outra ideia muito comum é a de que dividendo não gera valor ao acionista, pois seu montante é descontado do preço de mercado da ação na data ex.
Essa visão é bastante equivocada e também merece explicações – mas essa eu deixarei para a próxima oportunidade.
Enquanto isso, sigo participando do debate público sobre investimentos por meio das minhas redes sociais – nas quais a sua companhia, caso assim deseje, será mais do que bem-vinda.
Até a próxima!
*Ricardo Schweitzer é analista CNPI, consultor CVM e investidor profissional. Escreve para a EXAME Invest a cada duas semanas.
Twitter: @_rschweitzer
Instagram: @ricardoschweitzer