Embora inflação alta seja parte da história brasileira, o cenário externo dessa vez também não colabora (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)
Juliana Machado*
Publicado em 2 de dezembro de 2022 às 07h18.
As expectativas para o Brasil no ano que vem não são as melhores na visão de três entre as mais importantes gestoras de recursos do país. Com a chegada do novo governo, Absolute, Legacy e Kapitalo não descartam uma piora na execução da agenda de gastos, o que representa um risco de inflação ainda mais persistente e, por conseguinte, a necessidade de um Banco Central mais duro, que mantenha a taxa Selic elevada – o que leva à desaceleração forte da economia, ao ponto da recessão.
A visão a princípio tão desesperançosa foi compartilhada por Fabiano Rios, CIO (diretor de investimentos) da Absolute Investimentos, Felipe Guerra, CIO da Legacy Capital e Carlos Woelz, sócio e fundador da Kapitalo Investimentos, durante evento do BTG Pactual Advisors.
Apesar da mensagem amarga, os gestores buscaram ponderar que há revezes positivos possíveis, como em todo prognóstico econômico. Mas alertam: no Brasil e em outros lugares do mundo, cenários mais otimistas vão depender sobretudo do curso da política de desembolsos dos governos.
Mais pessimista dos três gestores, Felipe Guerra, da Legacy, afirmou que tem um cenário em que o PT de Lula terá uma agenda de mais gastos a partir do ano que vem, o que implica em uma escada de mais inflação, mais juros, mais impostos, menos investimento e menor crescimento.
“Vamos desembocar numa crise econômica ou recessão severa, com uma inflação alta”, disse no evento. “É uma falácia que o Lula foi responsável fiscalmente [em governos anteriores]. O crescimento global e de commodities ajudou muito lá atrás”, emendou, colocando que espera que a relação dívida/ PIB vá para 100% rapidamente – atualmente, ela está em 76,8%, conforme dados de outubro.
“Guerra está muito pessimista”, ponderou Fabiano Rios. “Vai ser muito ruim [o ano que vem], mas não tão ruim quanto o Guerra está dizendo”. O CIO da Absolute já trabalhava com uma chance razoável de recessão no Brasil no ano que vem independentemente de quem vencesse as eleições presidenciais e um novo governo fiscalmente irresponsável é somente “mais um ano como qualquer outro” para a gestora, que já navegou outros períodos difíceis no passado.
Woelz, da Kapitalo, adotou um discurso mais voltado para a execução da política monetária no Brasil, que, na sua visão, tem sido exemplos em termos de execução, mas “esquisita” e “desconexa” em termos de comunicação do Banco Central. Na visão do gestor, a comunicação precisa ser bastante assertiva em relação à necessidade de combater a inflação, sob pena de precisar estender o ciclo de juros altos e continuar gerando distorções no mercado financeiro. “Vamos ter uma recessão no melhor dos cenários”, declarou. “A dúvida é se o problema do Brasil são os juros estarem aquém do esperado. O Banco Central tem que baixar a inflação e enfrentar os custos disso, vai ter que gerar desemprego, não tem jeito.”
Em 12 meses até outubro, a inflação brasileira medida pelo IPCA foi de 6,47%; no ano, chegou a 4,7%. Pelo quarto ano consecutivo, economistas esperam que o indicador encerre o ano acima da meta estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), que é de 3,5% para 2022. Para frear o avanço do indicador, é dever do Banco Central subir os juros, no intuito de encarecer o crédito e, com isso, desestimular o consumo para que os preços da economia possam voltar a ceder. Sem um trabalho firme nesta direção e com a perspectiva de novos gastos, que jogam mais dinheiro na economia, as estimativas para a inflação aumentam – e a necessidade de juros altos por mais tempo, com efeitos recessivos, também.
Embora inflação alta seja parte da história brasileira, o cenário externo dessa vez também não colabora. EUA e Europa também enfrentam dificuldades para combater uma inflação resistente com a reabertura das economias pós-Covid. Com isso, as autoridades monetárias desses países também precisam manter o pulso firme, na opinião dos gestores, ou não vão conseguir administrar a inflação, incorrendo em juros altos por mais tempo, atividade econômica estrangulada e, finalmente, recessão.
“Os estímulos hoje [nos EUA] são muito altos e [a inflação] precisa de um grande ajuste monetário para trazê-la de volta à meta. É necessário fazer um aperto de condições monetárias grande e consistente. Isso significa que ativos de risco poderão sofrer com quedas até que esse processo seja suficiente”, afirma Guerra.
Woelz, da Kapitalo, vai na mesma linha. “O Fed [Federal Reserve, o banco central americano] tem de comunicar e deixar claro que está mirando na desaceleração da inflação, precisa ser assertivo e firme.”
Na visão de Fabiano, da Absolute, as políticas de afrouxamento fiscal para enfrentar a pandemia, com a transferência de recursos às pessoas, foram exacerbadas. Isso se refletiu num desbalanceamento entre oferta e demanda na economia, o que desencadeou o processo inflacionário. Agora, o mais relevante será compreender se o impulso fiscal vai continuar nos próximos anos, já que isso vai determinar a eficácia da alta de juros pelo Fed. “A principal questão é o quão profunda será a recessão. Quanto mais persistirem nessas políticas [fiscais], mais profunda ela será.”
*Juliana Machado é analista CNPI de fundos do BTG Pactual. É jornalista formada pelo Mackenzie e pós-graduada em economia brasileira pela Fipe-USP. Foi analista de fundos da Exame e escreveu para o Valor Econômico nas áreas de bolsa de valores, fundos de investimento, empresas e governança corporativa.