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O Mercado por Elas: quem decide o futuro da moradia no Brasil

Entre eficiência produtiva e novas demandas sociais, a industrialização da construção só avança quando dialoga com quem realmente decide

A Alea criou uma "casa sensorial" onde as consumidoras podiam tocar as paredes, testar a fixação de objetos e, principalmente, observar detalhes que a produção fabril garantia (Alea/divulgação)

A Alea criou uma "casa sensorial" onde as consumidoras podiam tocar as paredes, testar a fixação de objetos e, principalmente, observar detalhes que a produção fabril garantia (Alea/divulgação)

Elisa Rosenthal
Elisa Rosenthal

Idealizadora e diretora-presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário

Publicado em 9 de outubro de 2025 às 16h00.

Falar em inovação no setor imobiliário é falar em transformação cultural. A industrialização da construção — por meio de tecnologias como steel frame ou wood frame — já provou sua eficiência em mercados maduros, mas no Brasil ainda encontra resistências que vão muito além do canteiro de obras. Não se trata de viabilidade técnica, mas de visão estratégica e de coragem para comunicar valor. Em uma conversa com duas lideranças que vivem essa realidade diariamente, ficou claro que os entraves estão muito mais no comportamento interno do próprio setor do que na aceitação dos consumidores.

Quando Luís Gustavo Martini, COO da Alea, decidiu mapear as objeções dos clientes à construção industrializada, descobriu algo surpreendente: apenas 3% dos consumidores relataram resistência ao método construtivo em si. A verdadeira barreira não estava na tecnologia, mas na forma como ela era apresentada – e quem mais percebia os diferenciais eram as mulheres.

"As mulheres verbalizavam atributos de qualidade que faziam toda diferença na discussão familiar", conta Martini. Em vez de casa decorada tradicional, a Alea criou uma "casa sensorial" onde as consumidoras podiam tocar as paredes, testar a fixação de objetos e, principalmente, observar detalhes que a produção fabril garantia: "Numa fábrica, ela nunca vai ter nenhum tipo de tortuosidade. O encontro das paredes tem 90 graus. As mulheres diziam: 'na minha casa não consigo colocar o armário no canto porque o armário tem 90 graus e a casa não tem'".

E há um ponto crucial que conecta inovação e consumo: as mulheres já são 53,2% das consumidoras da Alea em 2025. Mais que maioria, elas são protagonistas. Como relatou Martini, muitas verbalizam aspectos técnicos que influenciam diretamente a compra, como a precisão dos ângulos das paredes, que facilita a instalação de móveis planejados — algo que impacta a vida cotidiana da família.

Essa percepção feminina de qualidade está no centro de uma transformação urgente. Com capacidade de produzir 10 mil casas por ano – uma a cada 36 minutos –, a Alea atende apenas uma fração da demanda potencial de 130 mil unidades anuais nas cidades-alvo do estado de São Paulo. Num país com déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias e onde mais de 49% das famílias são chefiadas por mulheres, segundo dados do último censo demográfico, a conta não fecha porque a barreira não é técnica nem financeira: é cultural.

O mito criado pelo próprio setor

Stael Xavier, diretora comercial da SteelCorp, é direta ao identificar o problema: "A barreira cultural não vem do consumidor, mas do próprio setor". Segundo ela, existe uma massa crítica de fornecedores, incorporadores e profissionais que acreditam, equivocadamente, que o brasileiro não aceita sair do modelo tradicional de alvenaria. "Esse receio acaba criando a barreira por antecipação. Quando não se oferece informação clara, reforça-se o mito da 'casa boa de tijolo'".

A executiva aponta duas dimensões do problema. A primeira é a análise incompleta de custos: "No Brasil ainda se olha apenas para o custo direto por metro quadrado, sem considerar os ganhos indiretos como redução de prazo, menor dependência de mão de obra, produtividade e previsibilidade". Nos Estados Unidos, onde a SteelCorp também opera, negócios são fechados em semanas porque há transparência na discussão de margens e ganhos.

A segunda dimensão é o receio dos próprios players em demonstrar os benefícios reais. "A experiência mostra que o consumidor final aceita e deseja qualidade, velocidade e previsibilidade", afirma Stael. E são as mulheres — que já representam mais da metade dos compradores e chefiadas de muitas famílias na base da pirâmide — que primeiro percebem essas vantagens.

Da objeção à conversão

Na Alea, que nunca abre mão de equipe própria de vendas, o treinamento é intenso justamente para responder às dúvidas práticas: "Como faço para pendurar uma televisão? Como conserto uma tomada? Como penduro uma cortina?" A estratégia foi demonstrar, não apenas explicar. "Você consegue pendurar na parede qualquer coisa sem bucha. Quanto suporta? 40 quilos. Quanto pesa uma televisão de 55 polegadas?" A resposta prática vencia a objeção cultural.

Martini identifica que a classe C brasileira é "muito pautada no 'ver para crer'". Por isso, a experiência sensorial foi decisiva – e as mulheres foram as porta-vozes dessa mudança dentro das famílias. Elas percebiam e valorizavam a precisão industrial, a qualidade dos acabamentos e a funcionalidade que só a padronização fabril garante. Ignorar esse protagonismo é perder competitividade e perpetuar um déficit que tem rosto, gênero e expectativas muito claros.

Aliados na transformação

Para acelerar a disseminação dessas metodologias, programas como o Minha Casa Minha Vida são catalisadores naturais, pois exigem exatamente o que a industrialização oferece: escala, velocidade, qualidade e previsibilidade. A própria chegada da SteelCorp ao programa habitacional sinaliza que a mudança está em curso.

As entidades setoriais também cumprem papel fundamental. "A CBIC, a ABCLS, o Instituto Mulheres do Imobiliário e hubs de inovação são decisivos na difusão de informação e legitimação da tecnologia", destaca Stael Xavier. A validação no segmento de alto padrão, onde steel frame é aceito sem ressalvas, também reforça a maturidade da metodologia para aplicação na primeira faixa de aquisição.

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