Fachada de unidade da rede Hilton (Divulgação/Divulgação)
Idealizadora e diretora-presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário
Publicado em 14 de novembro de 2025 às 14h18.
O mercado imobiliário brasileiro está vivendo uma transformação estratégica. O que antes era uma separação quase estanque entre o setor de hospitalidade e o setor de incorporação passou a operar em crescente simbiose. Marcas hoteleiras deixaram de ser apenas operadoras de hospedagem e passaram a ser parceiras de empreendimentos imobiliários residenciais, comerciais e mistos, ancorando projetos com sua reputação e em experiência do cliente.
Mas o que significa incorporar uma bandeira hoteleira a um empreendimento imobiliário? E o que consumidores e investidores precisam saber para que a promessa de hospitalidade não fique apenas no marketing?
Para aprofundar essa conversa, conversei com Ana Beatriz Barbosa, advogada especializada em Direito Imobiliário, que lança este mês o primeiro livro que detalha os modelos contratuais mais relevantes, além de mapear órgãos reguladores desafios deste segmento.
Segundo Ana Beatriz, o setor passou de uma gestão familiar e desestruturada, dominante até os anos 1970, para um ecossistema empresarial regido por contratos sofisticados e regras de governança. Com a chegada de fundos internacionais, operadoras como Marriott, Hilton e Accor fincaram bandeira no Brasil, transformando o que antes era improviso em padrão — e o que antes era pessoal em experiência escalável.
Hoje, convivem no país contratos de administração, franquia, arrendamento e licenciamento de marca, refletindo a profissionalização do setor. “O Brasil saiu de um modelo artesanal para um ecossistema empresarial no qual marca, experiência e estrutura jurídica se alinham ao desenvolvimento imobiliário”, afirma a advogada.
Para além do charme das bandeiras e das promessas de alta ocupação, há temas jurídicos críticos que precisam ser observados desde o início. A escolha da operadora deve considerar histórico, compatibilidade com o perfil do público e objetivos do investidor.
Ana Beatriz alerta para cláusulas essenciais, como exclusividade territorial — que impede a abertura de outro hotel da mesma bandeira nas redondezas — e performance mínima, que permite rever contratos caso os resultados não sejam atingidos. “É fundamental montar um time multidisciplinar desde o início: jurídico, contábil, financeiro e de mercado. Um projeto hoteleiro bem estruturado começa antes da fundação: nasce na mesa de negociação", alerta.
A operação hoteleira, do ponto de vista legal, precisa ser cuidadosamente separada da fase de construção. Em projetos como condo-hotéis, a marca hoteleira, quando não participa da oferta pública, não pode ser responsabilizada pelas obrigações da incorporadora.
A jurisprudência brasileira já reconheceu isso, inclusive em decisão do STJ envolvendo a Blue Tree. Mas essa separação exige precisão contratual. “A legislação é flexível, mas demanda clareza. Cláusulas de indenidade são chave para garantir segurança a todas as partes”, reforça Ana Beatriz.
Muito. Afinal, é o consumidor quem vivencia — ou não — a hospitalidade prometida no discurso de venda. Do lado do hóspede, contratos transparentes com regras sobre limpeza, horários, cancelamentos e reembolsos são vitais. Do lado do investidor, é imprescindível entender o que está sendo prometido ao público e como essa promessa será operacionalizada pela bandeira.
“Consumidores e investidores compartilham o mesmo interesse: transparência, equilíbrio e previsibilidade”, resume a autora. Um bom contrato protege reputações e, mais importante, protege experiências.
Muitos investidores entram no mundo da hotelaria com a cabeça do mercado imobiliário tradicional — e saem frustrados com os desafios operacionais. A hotelaria envolve normas trabalhistas, sanitárias, ambientais e uma operação complexa de atendimento ao cliente.
“Sem governança, sem alinhamento de expectativas e sem contratos claros sobre reinvestimento, performance e manutenção, o que era para ser uma parceria se torna um cabo de guerra”, alerta. Mecanismos como auditorias, cláusulas de rescisão por desempenho e mediação de conflitos ajudam a mitigar riscos e preservar o ativo.
Um dos fenômenos mais impactantes recentes é o crescimento do short stay (locação de curta duração). Essa modalidade, impulsionada por plataformas digitais, representa conveniência para o hóspede e alta rentabilidade para o investidor. Mas ainda carece de mecanismos regulatórios equivalentes aos da hotelaria tradicional.
Ana Beatriz enxerga um futuro híbrido: “A integração inteligente entre inovação e padrão é o caminho. O consumidor quer flexibilidade, mas também quer segurança. O desafio é equilibrar esses dois mundos.”
A integração entre o setor hoteleiro e o imobiliário não é uma tendência — é um novo estágio de maturidade. O futuro passa por projetos que misturam hospitalidade, experiência e gestão profissional.
E, nesse novo cenário, o Direito pode ser ponte — e não obstáculo. “O livro é um convite a ver o Direito como instrumento de confiança e hospitalidade. Mais do que um manual técnico, é uma ferramenta para fortalecer parcerias, inspirar o setor e garantir que a promessa da marca vire uma boa experiência do cliente”, conclui Ana Beatriz.