Gustavo Franco: Talvez fique mais fácil encontrar alguma moderação nas duas campanhas uma vez que uma Terceira Via competitiva deixe de fazer parte relevante das cogitações do eleitor (Reprodução/Exame)
Karla Mamona
Publicado em 10 de junho de 2022 às 11h07.
Última atualização em 10 de junho de 2022 às 14h27.
Em maio de 2022, ao menos duas situações desconfortáveis, mas talvez inevitáveis, se apresentaram com mais contundência: a Covid “endêmica” e a polarização política. Seria ótimo que ambas desaparecessem atropeladas pelos acontecimentos, mas, infelizmente, ao que tudo indica, teremos que nos acostumar a conviver com ambas as criaturas, nenhuma das quais inteiramente nova, nem nada que se quisesse tomar como “normal”. Mas é o que temos.
A polarização aumentou em maio. A desistência do candidato João Doria e as hesitações do PSDB (e da Terceira Via) compuseram o noticiário do mês, quando a campanha eleitoral subiu de tom e a reta final das eleições começou a se delinear. Em vez de um candidato competitivo, ou candidata, de perfil moderado, o eleitor terá de se contentar com a moderação presente, ou ausente, nas duas principais campanhas.
O tema da “terceira via” vai migrar para dentro das maiores campanhas, segundo se espera. No papel, ambas as campanhas polares deveriam procurar o mítico “eleitor mediano”, de que falam os cientistas políticos, a fim de ampliar suas respectivas votações e assegurar sua vitória. Mas ambos os candidatos, por razões diferentes, resistem.
Talvez fique mais fácil encontrar alguma moderação nas duas campanhas uma vez que uma Terceira Via competitiva deixe de fazer parte relevante das cogitações do eleitor. É mais factível um primeiro turno com jeito de segundo turno, impulsionado pelo voto útil. O primeiro movimento de Lula na direção do “centro” – a vice-presidência na chapa oferecida a Geraldo Alckmin – não foi suficiente, e a “velha Guarda” de economistas petistas certamente não ajuda.
No campo bolsonarista, o fortalecimento do ministro da Economia não foi percebido como um deslocamento para o centro, ou para o liberalismo, mas como um capricho do presidente em suas arengas com a Petrobras. Permanece o nevoeiro toldando os rumos da economia na próxima presidência, no caso de reeleição.
No começo de maio, o presidente reagiu nas pesquisas eleitorais, o que trouxe a impressão de que o certame não está decidido. No final de mês, os números voltaram a favorecer Lula, mas não se perdeu a impressão de que a corrida está em pleno andamento e que muita coisa ainda pode acontecer. Há um trimestre inteiro pela frente e, antes da eleição, muita coisa pode mudar na economia, ou nas percepções sobre a economia.
No Brasil, como no resto do planeta, tínhamos uma tanto mais de inflação do que se considerava tolerável, mas um tanto mais de recuperação da atividade do que se esperava em razão da passagem dos momentos mais difíceis da pandemia. Ficaram mais sincronizadas que o habitual as políticas do Banco Central do Brasil e do FED, e esta sobreposição de ciclos de aperto monetário criou um cenário particularmente difícil para os ativos de maior risco no país.
Por ora, todavia, a inflação ainda não cedeu, tampouco a recuperação decorrente da reabertura da economia se estabeleceu por inteiro. A reabertura das economias, a nossa como as de outros países, depende da nova fase da pandemia, frequentemente descrita como “endêmica”.
Ao lado dos boas surpresas em alguns indicadores de atividade, sabe-se que há um componente temporário de descompressão, ou desrepressão, decorrente do afrouxamento de restrições à mobilidade. Mas a Covid-19 não está totalmente terminada, tampouco se sabe exatamente como seria a “fase endêmica”.
Por ora, permanece indefinida a dinâmica que se estabelece, uma vez que a cobertura vacinal se estabeleceu em patamar considerado razoável, bem como a imunidade, cada qual com suas respectivas durações, e as variantes da doença vão se tornando mais amenas. A doença pode se tornar sazonal, com intensidade variável e flutuações que não chegarão a produzir pressões e urgências nos sistemas de saúde, mas que não vão desaparecer. Como conduzir as políticas de saúde pública nesse cenário, em particular no tocante às restrições com implicações na mobilidade e na economia?
É esse o debate em alguns países do hemisfério norte, que estão mais avançados do que o Brasil no ciclo da Covid-19.
Mundo afora, as restrições à mobilidade estão se tornando mais brandas e menos prejudiciais à economia, excetuada a China, aferrada a um modelo muito singular de gestão da pandemia. Curiosamente, é como se a política de COVID ZERO chinesa funcionasse como um aperto monetário para esfriar a economia chinesa ou para afastar a atenção na inflação.
Enquanto isso, no resto do mundo, cresce a sensação de que “tudo será como antes”, mas sabe-se que não é bem assim, ainda que parecido. Graças às vacinas, à imunidade e aos novos hábitos duramente aprendidos será possível conviver com a Covid-19 nesse novo “equilíbrio endêmico”, no qual não teremos de enfrentar os mesmos trade-offs difíceis dos primeiros momentos da pandemia. Pelo menos assim se espera. Diante dessas dúvidas, das incertezas eleitorais e da lentidão da medicação aplicada contra a inflação, tudo se passa como se todos quiséssemos esperar mais um tempo, e mais informação, para tomar decisões. Tudo se passa como se “a taxa de desconto intertemporal” (ou o “preço do amanhã”, ou a “recompensa para esperar”) tivesse espontaneamente se elevado, em linha com o que se passa com a política monetária.
*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de maio, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.