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Gustavo Franco: Consenso macroeconômico

O ano de 2024 se encerra com a foto terrível de um filme ruim, mas a transição da presidência do Banco Central foi motivo de comemoração

Gustavo Franco: É difícil compreender a atual dinâmica das variáveis econômicas no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)

Gustavo Franco: É difícil compreender a atual dinâmica das variáveis econômicas no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 13h02.

*Gustavo Franco

Consenso macroeconômico.

Destaques:

Estados Unidos

Nas declarações públicas de Donald Trump, o aumento tarifário aparece como instrumento de barganha sobre outros países.

Enquanto isso, o Federal Reserve optou por reduzir sua taxa de juros em 0,25%, alinhando-se ao que já vinha sendo precificado pelo mercado no último mês.

Brasil

O mês foi marcado por uma escalada histórica do dólar, queda no mercado de ações e abertura significativa da curva de juros.

Não há como avaliar plenamente os impactos da alta de juros sem considerar o status da política fiscal.

O ano de 2024 se encerra com a foto terrível de um filme ruim, mas a transição da presidência do Banco Central foi motivo de comemoração.

Cenário Externo

Passadas as incertezas trazidas pela eleição, a atenção dos economistas voltou-se para o plano de governo do presidente eleito Donald Trump. Já abordamos, em texto anterior, que o plano possui natureza inflacionária, com impactos diretos das isenções fiscais, aumentos tarifários e deportação em massa de imigrantes sobre os preços. Entretanto, a dúvida que permanece é: até que ponto Trump colocará em prática suas promessas (e ameaças)?

O presidente fez algumas declarações públicas nas quais o aumento tarifário é usado como instrumento para ampliar seu poder de barganha sobre outros países. Primeiro, fez isso com Canadá e México, ameaçando elevar a tributação sobre produtos importados desses países caso não controlem suas fronteiras; mais recentemente, fez o mesmo com o Brasil, ameaçando impor tarifa retaliatória caso mantenhamos elevada a tributação sobre a importação de produtos americanos. É difícil distinguir o que há por trás desse jogo de ameaças críveis e não críveis, mas, claramente, as tarifas serão uma arma poderosa ao longo do mandato de Trump.

No campo da política monetária, o Federal Reserve optou por reduzir sua taxa de juros em 0,25%, alinhando-se ao que já vinha sendo precificado pelo mercado no último mês. A surpresa, contudo, veio nas projeções do Comitê, que se mostraram muito mais conservadoras do que o antecipado, indicando apenas mais dois cortes em 2025, com os juros encerrando o ano em 3,875%. A perspectiva de juros mais elevados por mais tempo, somada ao viés inflacionário da gestão Trump, trouxe uma apreciação generalizada do dólar. Durante a coletiva, o presidente do Fed, Jay Powell, destacou que o próximo ano é incerto e, com a inflação e o desemprego estáveis, não há pressa para seguir com o afrouxamento.

Se analisarmos detalhadamente o mandato dual do Fed, vemos, de um lado, um processo longo e extremamente custoso para convergir a inflação à meta de 2%. Mesmo que se argumente que a inflação resiliente de habitação esteja se exaurindo devido ao fim do catch-up dos preços de aluguéis, negociados em um contexto de demanda mais aquecida e juros elevados, ainda existe uma merecida cautela. Afinal, o caminho até aqui foi bastante difícil, e o próximo ano não parece promissor. Por outro lado, o mercado de trabalho também aparenta estar equilibrado, com o desemprego em torno de 4%, alinhado aos interesses do Comitê. Contudo, é necessário considerar o comportamento extremamente volátil do emprego no segundo semestre, marcado por greves, furacões e revisões significativas. Não à toa, economistas divergiram bastante sobre o prognóstico do mercado de trabalho para 2025. O Fed, evidentemente, busca zelar pelo equilíbrio conquistado após uma luta incessante contra as consequências da recuperação econômica pós-pandemia.

Cenário Doméstico

No Brasil, o mês foi marcado por uma escalada histórica do dólar, queda no mercado de ações e abertura significativa da curva de juros. A turbulência começou com o anúncio desastroso do pacote de revisão de gastos, como relatamos na última edição deste Consenso. Observamos, desde então, bastante desdém do Congresso em relação à aprovação da proposta, aliado à falta de força política do governo junto aos parlamentares. Não apenas a Câmara e o Senado sinalizavam indiferença, como o próprio Arthur Lira afirmou que “não garantia” a aprovação da PEC 45/2024, uma das peças fundamentais do pacote. Para piorar, vimos o esboço de uma desidratação da revisão de gastos, com resistência dos parlamentares em pontos específicos, como o “exagero” nas novas regras de concessão do Benefício de Prestação Continuada, por exemplo.

Nesse contexto, o presidente Lula deu entrevista ao Fantástico em 15/12, logo após receber alta de sua cirurgia, e declarou que: “O único problema no Brasil são os juros acima de 12%, mas vamos resolver isso também”. Não se sabe exatamente o que ele quis dizer com a expressão “resolver”, mas, dentro das poucas interpretações plausíveis, o mercado definitivamente não encarou isso como algo positivo. Mais: um pacote fiscal fraco e com estimativas irreais, um Congresso desinteressado, uma dinâmica explosiva da dívida pública e um presidente que, além de não reconhecer os problemas, continuam a apontar o Banco Central como culpado. O resultado evidente é uma deterioração significativa no preço dos ativos. O dólar renovou sua máxima repetidas vezes, chegando ao patamar de R$6,30 no dia 19/12.

É difícil compreender a atual dinâmica das variáveis econômicas no Brasil. Temos juros reais de 8%, inflação de 4,84%, com enorme viés de alta para o próximo ano, câmbio em sua máxima histórica e desemprego na mínima da série do IBGE, de 6,2% no último trimestre móvel. Surge, então, o questionamento: a política monetária teria perdido efeito na economia?

Não há como avaliar plenamente os impactos da alta de juros sem considerar o status da política fiscal. Não necessariamente perdemos o braço monetário; o que tem ocorrido, na verdade, é que a expansão desenfreada dos gastos públicos atua na direção contrária dos juros e reduz sua eficácia. Talvez essa discussão nem surgisse se houvesse coordenação entre essas duas políticas, mas cá estamos. O resultado desse embate é uma dívida extremamente cara, curta e indexada, fruto de uma enorme desconfiança dos investidores domésticos e estrangeiros. Afinal, o aumento da dívida naturalmente exige maior prêmio de risco, ainda mais em um país conhecido por seu histórico de calotes na dívida pública.

A inflação começa a escapar do limite superior da meta estabelecida pelo Banco Central. O IPCA de novembro registrou alta de +0,39%, totalizando 4,84% na variação acumulada em doze meses. O destaque, mais uma vez, se dá para o aumento de preços no componente de alimentos, puxado pelo salto da carne bovina e produtos agropecuários no geral, e por passagens aéreas, que costumam experienciar saltos de preço ao final do ano por efeitos sazonais. O que chama atenção, no entanto, é o núcleo dessazonalizado de inflação de serviços subjacentes, que chama atenção para o mercado de trabalho aquecido, e preocupa o Banco Central pelo lado da inflação de salários.

Encerramos 2024 com uma foto terrível de um filme já ruim. Entretanto, a transição da presidência do Banco Central foi motivo de comemoração. Tivemos uma passagem de bastão bastante harmoniosa entre Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo no último Relatório Trimestral de Inflação. O atual diretor de política monetária vem se mostrando uma figura bastante sólida, comprometida com a autonomia operacional do BC, trazendo confiança em um momento extremamente importante. Sete dos nove membros do comitê de política monetária foram indicados pelo atual do governo. Com Lula pressionado, e o seu já pronunciado incômodo com o patamar elevado dos juros, é válido questionar se Galípolo continuará alinhado com a autonomia da instituição, ou teremos mais um capítulo onde o caminho da política monetária foi ditado pelo interesse político.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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