Fogos no Rio de Janeiro: o começo de ano na economia e na política parece postergado | Foto: Ze Martinusso/ Getty Images (Ze Martinusso/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 4 de fevereiro de 2022 às 11h41.
Última atualização em 5 de fevereiro de 2022 às 09h33.
Como é de praxe, janeiro foi relativamente calmo, misturando férias, chuvas torrenciais e as dúvidas sobre o retorno ao trabalho presencial diante da Ômicron. Na verdade, os impressionantes números de contágio da nova cepa, adiando mais uma vez o tão esperado fim da pandemia, funcionaram como uma espécie de “diferimento” do início de 2022.
Desta vez, todavia, o fim (da pandemia) parece realmente próximo, o que confere nova concretude às perspectivas de abertura e recuperação da economia.
O noticiário internacional trouxe sobressalto, em diferentes frentes, com destaque para as tensões na Ucrânia e suas repercussões no preço internacional do petróleo. O tema parece ainda mais sensível pois veio acompanhado de especulações sobre uma nova fórmula “contracíclica”, e de índole constitucional, para os preços de derivados de petróleo em moeda local.
O governo falou em uma PEC, mexendo na tributação dos combustíveis, inclusive no plano estadual, depois recuou no assunto, parecendo mais uma bravata eleitoreira. Mas o assunto não acabou: o Congresso pode prosseguir com a ideia, seja para produzir desgaste, ou mesmo para algum mecanismo novo.
Houve, também, a confirmação das intenções do Fed no tocante a juros e reduções em compras de ativos, um fantasma conhecido, mas logo absorvido.
Mais preocupante aparenta ser o registro das notícias vindas da Argentina, sempre um inquietante previsor do que pode ocorrer com o Brasil: 50% de inflação acumulada em 2021, e um novo acordo com o FMI, afinal assinado depois de muita controvérsia.
A Argentina parece presa ao século XX, no término de mais um ciclo populista, como a trigésima temporada de uma série, ou uma interminável novela. Novelas mexicanas, séries turcas e finanças públicas argentinas.
Dificilmente esse acordo será o último: o mais provável é que o enredo de instabilidade macroeconômica se arraste pelos caminhos habituais, desafiando a tese pela qual o aprendizado em políticas econômicas é proporcional à complexidade dos desafios passados.
Não há dúvida de que temos aqui um lembrete perturbador da proximidade de uma doença que se imaginava totalmente sob controle, e não se trata da Covid-19, mas da “velha senhora”, que se supunha exilada na Venezuela e restrita aos países envoltos pelo caos político, os chamados failed states.
O Brasil está vacinado contra o mal da inflação elevada, ou se supunha estar, e teve uma “dose de reforço” recente na Lei Complementar 179, que elevou o grau de independência do BCB. Na verdade, a LC179 estabeleceu mandatos para os dirigentes do Banco Central do Brasil não coincidentes com os do presidente da República, sendo que estamos vivendo a primeira transição política sob a égide da nova regra.
Terá eficácia essa “dose de reforço”? A nova regra para o BCB afetará a política monetária? Reduzirá a instabilidade dos mercados?
O tórrido e chuvoso mês de janeiro não permite respostas claras. O noticiário foi muito dedicado aos assuntos espetados do ano anterior, notadamente referentes à inflação. Os bárbaros estão nos portões, onde sempre estiveram, e o ano da pandemia insiste em não terminar.
Em meados de janeiro, foi publicado o IPCA de dezembro, que encerrou o ano calendário de 2021 e permitiu a aferição do desempenho da Autoridade Monetária no cumprimento da meta para a inflação, fixada em 3,75% anuais, com intervalo de tolerância de 1,5% para cada lado.
Em 2021, o IPCA acumulou 10,06% da variação, para uma meta (limite superior) de 5,25%, um magnífico estouro, devidamente antecipado neste informativo na edição de setembro (“começando os preparativos”), em que se observou que a variação do IPCA para o mês de agosto tinha sido de 0,87%, o pior agosto desde 2000, levando o acumulado do ano a 5,67%, já naquela altura superando a meta para o ano calendário.
O presidente do BCB teve que escrever uma “carta aberta” ao ministro da Fazenda, com data de 11 de janeiro, com explicações sobre o “descumprimento” e “providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos” conforme determinado pelo Decreto 3.088/99 (Art. 4, §único).
Talvez seja a mais importante de todas as “cartas abertas” já escritas por presidentes do BCB que falharam em cumprir a meta, sendo certo que é a primeira de um presidente do BCB com mandato fixo.
Foi a quinta vez que a meta foi perdida desde a criação da sistemática de metas para a inflação em 1999: em quatro episódios o descumprimento foi “a maior” (2001, 2002, 2003 e 2016) e em 2017 a variação do IPCA no ano foi menor que o limite inferior da meta.
Não há dúvida de que o rito trouxe mais visibilidade sobre o assunto, o que facilita o trabalho da Autoridade Monetária.
O ano de 2022 começa com muitas ansiedades no que diz respeito a esse assunto, pois estamos testando diretamente o “reforço” no arcabouço anti-inflacionário criado pela LC179.
Depois de diversos aumentos na SELIC iniciados na reunião de março de 2021, o COPOM fará sua primeira reunião de 2022, logo no começo de fevereiro, tendo diante de si: (i) a SELIC a 9,25%; (ii) a variação acumulada do IPCA em 10,06%; e (iii) nenhum sinal de arrefecimento da inflação no IPCA-15 de janeiro. Fica para a história a questão sobre se o COPOM ficou “atrás da curva” em 2021, por qualquer que seja o motivo.
O debate eleitoral deu sinais de esquentar, mas, por ora, ainda não chegou à economia. As manifestações de assessores econômicos foram protocolares, inclusive e principalmente as dos economistas do PT, quando solicitados a se pronunciar sobre o programa de uma nova administração petista. Ficou a impressão de que não há nada resolvido sobre a economia numa terceira presidência Lula.
O assunto de uma nova “carta aos brasileiros” tem sido evitado pelo candidato e por seus representantes. Uns dizem que não há necessidade, pois Lula já é conhecido, outros enxergam esta mesma mensagem na escolha do vice da chapa, que vai convergindo para Geraldo Alckmin, e nas conversas do candidato.
Mais genericamente, o candidato Lula parece empenhado em ampliar seu arco de alianças, com vistas à governabilidade e à Paz Social. Mais que seus correligionários, Lula parece preocupado com o dia seguinte. Vai perdendo nitidez a imagem de um candidato ressentido e radicalizado, ainda que nada esteja definido por completo.
A falta de clareza nas propostas dos outros candidatos para a economia é muito evidente. Tudo se passa como se a economia não fosse um assunto importante, nem para a terceira via, nem para as candidaturas polares. Todos se abraçam às platitudes, reservando manifestações específicas para momento posterior. A Terceira Via parece sem espaço, sem oxigênio e sem imaginação.
O candidato do PSDB, o governador de São Paulo, estacionou nas pesquisas, em nível muito baixo, depois de vencer as “prévias” com o governador Eduardo Leite. A “gestão” e a “vacina” não parecem animar seu eleitorado, o que também se observa com o mote do “combate à corrupção” encarnado por Sergio Moro.
As cambiantes e controversas propostas de Ciro Gomes também não acrescentam novas tonalidades ao debate econômico trazido pelos candidatos, por ora dominado pelas platitudes como a ideia vaga de “crescimento com responsabilidade fiscal”, e com “sensibilidade social”, embora sem nenhuma clareza sobre o que essas expressões significam exatamente nas diferentes campanhas.
As afinidades entre Sergio Moro e Afonso Pastore são muito recentes, e ainda não testadas. A presença de Ana Carla Abrão, Zeina Latif e Vanessa Canado na campanha de João Dória é muito bem-vinda e deve certamente melhorar a qualidade do debate eleitoral. Só é curioso de se especular sobre o papel de Henrique Meirelles, secretário de Fazenda do governador de São Paulo, no grupo paritário (em termos de gênero) de responsáveis pelo programa de governo do candidato.
Meirelles é um nome com muito trânsito junto a Lula, que teria indicado que o perfil do comandante da economia em sua presidência seria o de um empresário. Por ora, entretanto, permanecem cumprindo compromissos de campanha os nomes conhecidos de economistas do PT (Guido Mantega, Aloisio Mercadante, Ricardo Carneiro, Guilherme Melo e Nelson Barbosa).
Do lado do governo, e no cenário de reeleição, até o momento não se pode dizer sequer que Paulo Guedes permanecerá em seu posto, e por uma razão muito simples: nada foi dito sobre isso pelo presidente da República.
A eleição – ao menos em se tratando da economia – e a recuperação estão demorando para começar. 2022 parece ter sido adiado.
*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de fevereiro, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.