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Como investir em tempos de guerra

Dois riscos são inaceitáveis na gestão de patrimônios pessoais: liquidez insuficiente para as necessidades imediatas e perdas patrimoniais efetivas, definitivas

Exposição sobre a Segunda Guerra Mundial em Kiev, na Ucrânia, no início do ano: mercado foi surpreendido pelo ataque da Rússia (Sean Gallup/Getty Images)

Exposição sobre a Segunda Guerra Mundial em Kiev, na Ucrânia, no início do ano: mercado foi surpreendido pelo ataque da Rússia (Sean Gallup/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 17 de março de 2022 às 12h53.

Última atualização em 21 de março de 2022 às 14h51.

Por Sigrid Guimarães*

Do meu último artigo para cá, o mundo foi surpreendido pela guerra na Ucrânia e por seus reflexos na economia global. Perdi as contas de quantos clientes queriam saber o que fazer neste momento turbulento. Havia quem achasse que estaria a salvo se vendesse tudo para comprar ouro e quem estivesse convencido a concentrar seus investimentos em dólar. Todos procuravam um porto seguro e esperavam de mim uma informação de cocheira, uma estratégia especial para a ocasião, uma premonição que fosse.

Pode até parecer falta de imaginação, mas a resposta honesta aos meus clientes é, hoje, exatamente a mesma de dois anos atrás, quando a pandemia revirou todas as expectativas; a mesma de há cinco anos, quando um processo de impeachment sacudiu o país; e a mesmíssima resposta de 2008, quando a crise dos subprimes aplicou uma rasteira nos mercados: “Fique tranquilo, porque você tem liquidez suficiente e uma carteira diversificada”.

A circunstância imprevista não é, portanto, razão para meus clientes mudarem de estratégia, mas, sim, para cerrarem fileiras em torno dela. Tampouco é motivo para alterar o tema previsto para este artigo. Ao contrário, falar sobre diversificação de investimentos tornou-se ainda mais oportuno e até urgente.

A diversificação de investimentos é multidimensional e muito mais complexa do que se costuma imaginar. Sua função não é buscar a melhor rentabilidade a curto prazo, mas proteger da imprevisibilidade do longo prazo. Se não há nenhum mercado inteiramente seguro – e não há mesmo –, o que se pode fazer é selecionar os riscos aceitáveis e modulá-los. Em outros termos, diversificam-se os investimentos para diluir os riscos característicos de cada qual em um blend adequado à capacidade do patrimônio.

Dois riscos são inaceitáveis na gestão de patrimônios pessoais: liquidez insuficiente para as necessidades imediatas e perdas patrimoniais efetivas, definitivas. Anulá-los ou reduzi-los ao máximo é o critério básico para a composição da carteira, o que se dá por meio de dois processos complementares: a alocação de recursos pelas diferentes classes de ativos e a gestão dos ativos. Trocando em miúdos, na alocação, vamos definir quais classes de ativos comporão a carteira e em que proporção, enquanto, na gestão, vamos selecionar, ponderar e administrar os ativos propriamente ditos.

Se, como disse, um nível de liquidez inferior ao necessário é inaceitável, a primeira tarefa da alocação será calcular com precisão e prudência a necessidade de liquidez e casá-la a um investimento isento de oscilações negativas e disponível a qualquer momento. Acertou quem disse renda fixa. Errou quem pensou “Mas, ora, se a renda fixa é tão segura, por que eu preciso diversificar?”.

A resposta é simples, é menos provável você ver um percentual negativo estampado no seu extrato de renda fixa, mas o número pode ser, eventualmente, inferior à sua inflação pessoal e, com muita frequência, inferior ao aumento dos seus gastos. É o que atestam os juros reais médios dos últimos dez anos, na casa de 2% a.a. Em resumo, um investimento conservador exclusivamente em renda fixa é indispensável para o presente, mas não resolve o futuro de ninguém.

A saída para o futuro está na renda variável. Contudo devemos lembrar que perdas definitivas são risco inaceitável para investimentos patrimoniais. Com liquidez para pagar as contas, temos tempo para esperar pela valorização de um conjunto de ativos, mas não podemos correr o risco de que eles virem pó nas nossas mãos.

Precisamos, então, de um conjunto de ativos com valor intrínseco, atrelado à economia real e independente das oscilações do mercado. É o que o mercado de ações nos oferece. Observe que, além disso, as ações são, por sua própria natureza, um instrumento de diversificação, já que viabilizam a participação do investidor em praticamente qualquer setor econômico.

Havendo a liquidez necessária para esperar, resta manter o respeito ao critério principal para a sua seleção de ações: bons fundamentos na economia real, e não baseados em previsões sobre o comportamento dos preços de mercado no curto prazo.

Em dose moderada e selecionados com atenção a suas políticas de investimento e à reputação dos gestores, os fundos multimercado são uma boa opção para incrementar a diversificação da carteira com apostas em juros, bolsa e moedas, cobrir o médio prazo e aproveitar oportunidades pontuais.

Com essas orientações, passamos à gestão de ativos, um processo altamente especializado e dinâmico, que exige o acompanhamento permanente dos mercados. Convém delegá-la a gestores especializados, que saberão fazer as alterações cabíveis diante de uma crise, sem ferir os critérios permanentes da alocação.

Voltando à pergunta recorrente: o que fazer em tempos de guerra? A única certeza que temos é a incerteza, e, convenhamos, não há pior momento para tomar decisões patrimoniais do que durante uma tormenta. Se você tem a dose de liquidez adequada e investimentos diversificados e bem geridos, você está exatamente onde deveria estar.

*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial e colunista da EXAME Invest.

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