Investir é mais disciplina do que retorno: aprenda a investir de forma recorrente para colher os ganhos | Foto: Thinkstock (M2K7/Thinkstock)
Juliana Machado*
Publicado em 6 de janeiro de 2022 às 11h13.
Última atualização em 6 de janeiro de 2022 às 11h56.
Fim de um ano e começo de outro é sempre o momento de os investidores exibirem seus ganhos no mercado financeiro. Não vejo muita vantagem em celebrar um número que pode representar, esconder, resumir e recortar tanta coisa, com uma exceção: quando o mensageiro decide fazer algo (honesto) pelo destinatário, explicando de que maneira (honesta) ele chegou ali. É o que os gestores fazem nas suas cartas aos cotistas, o que as empresas fazem para seus investidores e credores... e o que eu farei aqui hoje, com a minha carteira 100% alocada em fundos de investimento.
Minha rentabilidade total da carteira em dois anos, do início de 2020 até o fim de 2021, foi de 15,6%. No mesmo período, o Ibovespa caiu 9,4% e o CDI subiu 7,3%. E o indicador que, na minha visão, deveria ser a referência de todo mundo — a inflação —, teve alta amarga de 15,1% no período, considerando o índice IPCA.
Todos os dados dos indicadores são da consultoria Quantum, e os dados da minha rentabilidade foram consolidados pelo Kinvo, o motor que utilizo para enxergar a rentabilidade correta de meus investimentos, sem considerar aportes e resgates, que distorcem a visibilidade diretamente nas corretoras e nas plataformas de investimento.
Não quero me gabar desse retorno, até porque a inflação me deu muito trabalho, como deu para ver. Além disso, esse número tem muito mais significado para mim do que para você. Apenas quero usá-lo como ponto de partida para dizer qual foi a minha estratégia para chegar viva até esse resultado:
Meu perfil é agressivo, o que significa que boa parte das perdas da minha carteira — e foram grandes, não se engane — ficou concentrada nos produtos de renda variável. É onde está, por exemplo, a minha Previdência, que é justamente a fatia da carteira que melhor acomoda o risco da bolsa. Afinal, o investidor ficará (ou deveria ficar) ao menos dez anos alocados ali, período em que dificilmente haverá acúmulo sequencial de perdas e no qual há maior espaço para diluição dos riscos de curto prazo e multiplicação de patrimônio pelo efeito dos juros compostos.
A grande questão é que, mesmo com uma relativa concentração em fundos de ações no Brasil e no exterior (com ou sem efeito cambial), eu também nunca deixei de lado a minha sagrada reserva de emergência, os meus fundos de crédito privado nem produtos atrelados à própria inflação, como debêntures incentivadas, que pagam um prêmio sobre o Tesouro IPCA. E isso sem falar da fatia em fundo cambial e de ouro e, claro, meus 2% em fundos de criptoativos.
Nenhum dado de apenas um ano vai ser suficiente para um investidor sério tomar decisões, mas o comportamento do S&P 500 e do Ibovespa em 2021 nos mostra que, mais do que preferir esse ou aquele mercado, o ideal é que a diversificação seja também geográfica.
Uma fatia relativamente grande da minha carteira está em produtos ligados ao cenário internacional de alguma forma: fundo cambial, fundos de BDRs e fundos com concentração direta fora do Brasil (esses ainda restritos aos investidores qualificados, mas isso tem dias contados).
Alguns fundos oferecem hedge cambial, ou seja, protegem o cotista da variação do câmbio. Optar por um ou outro vai depender da exposição total ao dólar de cada carteira, além do objetivo e do perfil de cada pessoa. Costumo evitar que a minha exposição total em dólar ultrapasse 10%, mas não deixo de atrelar o retorno a ativos internacionais — neste caso, com os fundos com hedge. O importante é lembrar que o mundo lá fora é muito vasto e que, em ano de eleição e risco-Brasil elevado, um pouco da grama do vizinho não fará mal a ninguém.
Os consolidadores de carteiras fazem um grande papel para os investidores ao ajudar a compreender qual a real rentabilidade com novos aportes ou resgates. Isso porque, caso você tenha R$ 2 mil investidos e resgate R$ 1 mil, sua corretora vai mostrar uma queda de 50% na rentabilidade — o que não corresponde à realidade, afinal, você não perdeu esse dinheiro, você fez um saque. Os consolidadores enxergam os retornos dos seus produtos em carteira sem considerar esses processos.
Ótimo, mas sabe o que isso NÃO quer dizer? Que você tem de esquecer os aportes recorrentes. Boa parte da rentabilidade foi resultado de manter uma rigorosa agenda de aportes de novos recursos nos meus fundos de investimento, cuidando para que as fatias não mudassem muito de acordo com meu perfil e objetivo. Ou seja: cada valorização enorme de um fundo de cripto foi compensada com novos aportes em produtos de crédito privado ou mesmo multimercado, para diluir a fatia de risco que cresceu com o tempo.
Ao mesmo tempo, cada desvalorização de um fundo de ação de elevada convicção ensejou também mais recursos, para aproveitar a recuperação e o trabalho do gestor no qual acredito. Não temos dinheiro para fazer tudo, mas disciplina dá para ter, seja com R$ 10, seja com R$ 10 mil.
Dinheiro não sobra. Das duas, uma: ou você gasta seu dinheiro para comprar um bem ou serviço ou você financia alguém com ele — seja o banco, seja o gestor, seja a empresa, seja seu parente. Por isso, a cada renda que o investidor recebe, fruto do seu trabalho, de um produto do mercado, de um aluguel etc., ele precisa saber quanto vai conseguir separar para “guardar”.
Esse “guardar” poderá ser destinado à formação da reserva de emergência ou para os aportes recorrentes que citei no item anterior. O importante é parar de cair na falácia “do que sobra”: se você deixar para começar quando sobrar, você nunca vai avançar na construção de patrimônio. Saiba qual o seu custo de vida mês a mês e economize assim que a renda entrar na sua conta.
Uma das coisas mais tóxicas dentro do universo dos investimentos hoje é o investidor que sai à caça de pessoas com as quais ele se compara para não tirar absolutamente nada que preste disso. “Fulano teve uma rentabilidade de 85% no ano” ou então “Ele tem um grupo com 300% de acerto em ações”.
Não interessa. Gaste energia com a sua estratégia: o que você quer com o seu dinheiro? Uma parte você vai investir para viajar? Outra parte é para comprar uma casa? Ou seu foco é a aposentadoria? Qual é o seu perfil, qual nível de risco você tolera? O Ibovespa caiu 12% no ano fechado de 2021. Você aguentaria mais quedas para ter ganhos no longo prazo? Já estabeleceu um limite para o qual você tolera um movimento dessa natureza?
Saiba responder a essas questões. Sempre haverá no mercado pessoas com rentabilidade melhor do que a sua e outras tantas com perdas — e isso não te diz nada. Somente uma estratégia adequada ao seu momento de vida vai te satisfazer e ser suficiente — inclusive, veja só, no dia em que você, como eu, tiver de encarar perdas no seu portfólio. Que sejamos capazes de nos orgulhar do nosso bom trabalho mesmo nesses momentos, porque eles sempre vão existir; o importante é que eles não nos destruam.
*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na EXAME e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a EXAME Invest quinzenalmente.