Carlos Woelz da Kapitalo Investimentos: "questões de arcabouço fiscal e sinais de interferência do governo no Banco Central ainda preocupam" (Kapitalo Investimentos/Divulgação)
Repórter
Publicado em 29 de julho de 2023 às 13h40.
Última atualização em 29 de julho de 2023 às 21h19.
Índices de preços abaixo das expectativas nos Estados Unidos têm aumentado a esperança de investidores globais de que o Federal Reserve (banco central americano) conseguirá controlar a inflação americana sem grandes danos à maior economia do mundo. A tese tem ganhado cada vez mais seguidores no mercado financeiro, mas é justamente na ponta oposta que um dos maiores gestores do Brasil tem se posicionado.
Carlos Woelz, sócio-fundador e diretor da Kapitalo Investimentos, acredita que o risco de uma recessão americana (com efeitos significativos sobre a economia global) é muito maior do que se imagina. Sua gestora, com mais de R$ 30 bilhões em investimentos, está entre as mais relevantes do país, sendo a capacidade de análise macroeconômica um de seus grandes diferenciais.
"Fiquei por bastante tempo comprado em bolsa americana e quem não fez isso nos últimos dez anos fez a análise errada. Mas o cenário mudou. Quem atribuía as altas da bolsa americana ao excesso de liquidez deveria estar em pânico agora", afirmou em entrevista à Exame Invest.
Woelz considera que as altas de juros do Fed ainda poderão ter efeitos significativos sobre a economia americana devido a defasagem da política monetária. "Se quiser, o Fed sempre conseguirá gerar desaceleração, mas ele também pode fazer isso sem querer. Talvez já tenha passado do ponto."
A expectativa de Woelz é de um cenário de inflexão na expansão econômica se concretizasse no primeiro semestre -- o que não ocorreu, levando a gestora a rever suas posições rapidamente. "Conseguimos neutralizar as perdas que teríamos com uma posição relevante do fundo." Mas, para o gestor, ainda é uma questão de tempo até a tese se concretizar.
"É muito importante para um gestor saber quando está errado. Mas é muito importante não abandonar uma posição vencedora de maneira fútil quando mercado esta indo contra. Minha cabeça não, necessariamente, mudou", disse. "Tenho muita dificuldade em ver grandes potenciais de alta ficando comprado em ativos de risco."
Para o mercado brasileiro, a perspectiva de Woelz é um pouco mais otimista, dado o esperado ciclo de queda de juros.
"O BC poderá fazer um ciclo de corte mais forte que do que o imaginado. O próprio IPCA-15 mostrou uma surpresa muito grande no núcleo de serviços, que facilita o corte de juros, e já há evidências de desaceleração econômica. Dado o efeito de defasagem da política econômica, faz sentido cortar juros."
O gestor, no entanto, expressou preocupações quanto aos rumos da política econômica, especialmente com a capacidade do governo em reagir a crises com o novo arcabouço fiscal.
"Um país emergente reage a uma crise de confiança global melhorando abruptamente sua saúde fiscal por meio de receita de curto prazo. Mas o arcabouço fiscal retira esse instrumento, tornando qualquer aumento de receita em aumento de gastos. É uma regra extremamente desconfortável para lidar com possível crise global. Funciona bem somente até uma crise de confiança."
Confira abaixo a entrevista com Carlos Woelz, sócio-fundador e diretor da Kapitalo Investimentos.
Qual é a principal discussão que o senhor vê no mercado hoje?
A discussão do mercado é sobre inflexão ou não. Desde 2009, temos vivido um dos maiores momentos de expansão econômica de todos os tempos e me parece que o mercado chegou nesse final de ciclo em um grau de otimismo bastante elevado.
O jogo virou para ativos de risco?
A taxa de desconto do mundo está mais alta e há uma discussão da precificação do juro de equilíbrio para cima no mundo inteiro. Esses fatores deveriam fazer com que os ativos de risco sofressem de alguma forma.Fiquei por bastante tempo comprado em bolsa americana e quem não fez isso nos últimos dez anos fez a análise errada. A taxa de desconto era baixíssima e existiam fatores que indicavam crescimento da economia americana. Mas o cenário mudou. Quem atribuía as altas da bolsa americana ao excesso de liquidez deveria estar em pânico agora, mas parece que o mercado está sem medo das pressões de custos e de juro real [mais alto].
Se a economia continuar crescendo com o mercado de trabalho apertado, todas as pressões sobre serviços que tiveram nos últimos tempos, tendem a permanecer. Se continuar crescendo, teremos que discutir que juro real de equilíbrio é muito mais alto, o que tenderia a derrubar o preço dos ativos de modo geral.
O que tem contribuído para a queda da inflação?
A volta de bens que está acontecendo de maneira bem significativa. Isso é um movimento positivo para a inflação, beneficiando o núcleo de bens e, consequentemente, o de serviços.
Por causa da não reposição de salários?
Isso. O mercado está vendo isso como uma grande solução, mas não consigo ver ainda. Entra em conflito com tudo que mercado teve medo nos últimos 13 anos. Com o mercado de trabalho apertado, qualquer outro choque de oferta ou aceleração econômica pode gerar um risco de inflação muito mais alta e persistente. A aceleração dos salários está maior do que a da produtividade.
O soft landing é improvável?
Acredito que seja. Tivemos um soft landing entre 1994 e 1995. Mas não víamos o salários crescerem acima da produtividade, o mercado de trabalho não estava tão apertado como agora e não tinha problemas de lucratividade e de custo de mão de obra, que vimos no ano passado. Por isso, sair dessa situação, hoje, é muito mais difícil do que mercado acha.
O mercado está otimista demais que a inflação está controlada?
Acredito que, no curto prazo, o mercado tenha razão. Mas, em um prazo de dois anos para frente, não sei.
Os 2% de inflação que o Fed busca atingir não deve ser alcançado tão facilmente?
Na cabeça do mercado, desinflacionar para 3% é fácil, porém, é difícil voltar para 2%. Mas essa ideia não faz sentido. Há o risco de uma desancoragem [das expectativas de inflação] de 2% para 3%. O próximo passo seria de 3% para 4%.
A questão é se os EUA estão com um mercado de trabalho inflacionário ou não. Se estiverem, terão que relaxar significativamente o mercado de trabalho para desinflacionar. Podemos estar em um momento em que a recuperação da atividade pode ser extremamente nociva para o que o Fed quer realizar. Isso cria uma relação de risco/retorno horroroso.A alta de juro do Fed ainda pode provocar grandes danos na economia americana?
Estamos vindo de taxas de desconto ultrabaixas. Isso pode aumentar a defasagem dos efeitos da política monetária. Se quiser, o Fed sempre conseguirá gerar desaceleração, mas ele também pode fazer isso sem querer. Talvez já tenha passado do ponto.
Como o senhor opera essa tema?
Opero olhando os dados. Avanço e recuo conforme o que mostram os dados. É uma discussão bastante difícil de acertar, então converso com muitos com os economistas.
Para quais dados o senhor dá maior relevância?
Olho bastante para os níveis de renda e de mercado de trabalho. Outro dado que gosto de olhar, mas é muito ruidoso, é o de lucratividade das empresas.
E o que esses dados te mostram?
Já estamos vendo pressão de lucratividade. Isso aumenta a chance de uma desaceleração de renda.Quais têm sido as posições da Kapitalo?
No meio do primeiro semestre, eu realmente achei que tínhamos chegado no ponto de inflexão e montamos posições grandes nesse sentido, especialmente no mercado de juros. Mas diminuímos, conforme os dados indicavam que o momento ainda não havia chegado. Conseguimos neutralizar as perdas que teríamos com uma posição relevante.
Também montamos posições em moedas de baixo rendimento [taxas de juros menores]. Tivemos que reverter rapidamente essa posição à medida em que os dados mostravam que nossa tese demoraria mais para ser concretizadas. Como o diferencial de juros é muito grande, a posição queima na nossa mão.
É sempre difícil saber a hora de abandonar uma posição, né?
É muito importante para um gestor saber quando está errado. Quanto antes, melhor. Mas é muito importante não abandonar uma posição vencedora de maneira fútil quando mercado está indo contra. Mas, no caso das moedas, se estendêssemos a posição, queimaria na nossa mão. Minha cabeça não, necessariamente, mudou. Já a posição aplicada na curva de juros abandonamos mais suavemente.
Qual é a estratégia macro para esse momento?
Continuo achando pouco provável não termos um ponto de inflexão nos próximos 5 anos, com uma desaceleração forte provocada por mais altas de juros do Fed ou pelos efeitos defasados das altas já realizadas. Tenho muita dificuldade em ver grandes potenciais de alta ficando comprado em ativos de risco, especialmente com emergentes. Não vejo grandes motivos para as pessoas terem alocações fortes em emergentes com o juro real americano de longo prazo pagando 2% a 3%. O rendimento real do título de cinco anos já é perto de 2%, sendo que foi negativo durante um tempo significativo. Então, temos feito mais posições relativas do que direcionais neste momento.Quais posições relativas?
Com ativos de perfil parecido, mas que devem ter performances muito diferentes em caso de uma crise. Há motivos para ficar pessimista com moedas de países com déficit de conta corrente gigantesco.
A bolsa americana está cara?
Está cara, especialmente a parte de empresas menores, representa pelo [índice] Russell [2000], que é mais apartada da discussão de inteligência artificial. Mas prefiro não vender bolsa americana no momento. A bolsa americana cai geralmente quando a renda cai. O americano consome bolsa como qualquer outro ativo. O efeito que vem antes é sobre os mercados de crédito e juros.
No Brasil, como o senhor tem visto a valorização do real?
A valorização do real ocorreu em linha com a de moedas da América Latina. Taxa de juro de curto prazo excepcionalmente alta e nível de valuation da moeda contribuíram com a valorização do real. Nunca achei que o real era um bom instrumento para ficar vendido porque é parte de um fluxo de conta corrente muito forte e estava com valor atrativo, principalmente dado o juro real brasileiro, que continua sendo um dos maiores do mundo.
A política econômica tem ajudado?
Tenho achado a política econômica muito ruim. Uma das grandes vantagens da performance do real durante o início do governo do Lula é o ponto de partida muito desvalorizado.
O novo arcabouço fiscal não agradou?
O arcabouço fiscal, na teoria, converge muito gradualmente, mas transforma quase todos os aumentos de arrecadação em gastos permanentes. Isso reduz a margem do país em reagir a crises por meio de arrecadação extraordinária de receita.
Como assim?
Um país emergente reage a uma crise de confiança global melhorando abruptamente sua saúde fiscal por meio de receita de curto prazo. Mas o arcabouço fiscal retira esse instrumento, tornando qualquer aumento de receita em aumento de gastos. É uma regra extremamente desconfortável para lidar com possível crise global. Funciona bem somente até uma crise de confiança.
Isso, de certa forma, já estava no preço?
O prêmio de risco do Brasil era muito alto. Em termos de preço, já não era fácil ficar vendido no Brasil. O preço já era de um país ruim. Mas não estou achando boa a gestão atual. As pessoas tendem a concluir que uma politica econômica é boa com base nos preços. Parece até que o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad está fazendo um trabalho ótimo, mas estamos perdendo capacidade de reagir à crise. Isso tudo quando estamos às vésperas de uma desaceleração econômica que tende e a enfraquecer de maneira significativa os termos de troca.
Qual efeito deverá ter a desaceleração global na economia brasileira?
No passado, esses processos não eram desinflacionários; Isso porque o real se desvalorizava e as commodities caíam, tornando estáveis os preços em reais. Mas como, desta vez, o real partiu de um ponto extremamente desvalorizado, talvez a desaceleração global finalmente tenha efeitos desinflacionários no Brasil. Isso seria uma novidade. Por isso, o mercado está tão animado com o ciclo de política de juros no Brasil.
No curto prazo, esse efeito deverá ser positivo?
Estamos em um equilíbrio bastante benigno agora. Acredito que o BC poderá fazer um ciclo de corte mais forte que do que imaginado. O próprio IPCA-15 mostrou uma surpresa muito grande no núcleo de serviços, que facilita o corte de juros e já há evidências de desaceleração econômica. Dado o efeito de defasagem da política econômica, faz sentido cortar juros.
O BC fez errado em esperar até agora?
Acho que fez certo. Ele não tinha as condições suficientes até então. Mas o fato de as expectativas de inflação e o núcleo da inflação de serviços estar caindo muda o risco/retorno de o BC começar a cortar juros. Se fizesse antes, haveria um risco maior de piorar as expectativas de inflação.
Essa queda de juros também deve aliviar os efeitos de uma desaceleração global na economia brasileira. Isso reduziria a chance de uma política fiscal inconsequente por parte do governo, na tentativa de amenizar seus efeitos na economia interna. Mas esse risco ainda nos impede de ficarmos muito otimistas com o ciclo de corte de juros.
No curto prazo a perspectiva é positiva?
No curto prazo, a inflação em queda é positiva para todos. Mas há a discussão dos hiatos no Brasil. Aqui, o desemprego é estruturalmente mais alto. É difícil discutir qual nível de mercado de trabalho é inflacionário nos Estados Unidos, mas no Brasil a discussão é ainda maior. Então, temos que ser muito humildes nesse sentido.
Acho que, ao contrário do BC, o mercado de trabalho brasileiro é muito mais inflacionário. Mas respondo aos dados. Se mostrarem que estou errado, vou rever minhas projeções. O núcleo da inflação está rodando abaixo da média histórica. Se furar a banda debaixo, vou mudar minhas projeções de hiato. Isso sim seria uma revisão otimista, porque beneficiaria todas as classes de ativos e seria um efeito contrário ao que ocorre nos Estados Unidos.
O que ainda preocupa?
As questões de arcabouço fiscal e sinais de interferência do governo no Banco Central ainda preocupam. Enquanto o governo colocar no BC pessoas que não sem o perfil de seguir a missão do Banco Central, o risco de desancoragem das expectativas de inflação será maior. Não acho que o Brasil é o pior país do mundo. Tem países piores para ficar pessimista.