Morgan Housel: não se deve evitar o risco, mas entender como se sobrevive a ele (Jennifer Graylock / Correspondente/Getty Images)
Marília Almeida
Publicado em 1 de fevereiro de 2022 às 12h55.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2022 às 15h18.
O escritor americano Morgan Housel começou a escrever sobre finanças após a crise de 2008. Com a economia dos Estados Unidos em ruínas, ele começou a se perguntar o que aconteceu, e por que as pessoas agiram como agiram durante a crise. "Percebi que não havia resposta para a pergunta".
Esse foi o insight inicial para escrever "Psicologia financeira", best seller sobre vieses comportamentais que têm impacto sobre investidores. O livro já vendeu 1 milhão de exemplares ao redor do mundo e foi publicado recentemente no Brasil.
Além de expor os principais pontos de sua obra, Housel ressalta a necessidade do investidor ser otimista e, ao mesmo tempo, aceitar o caos do mercado na palestra de abertura da Latin America Investment Conference (LAIC), organizada pelo Credit Suisse.
Ele exemplificou a ideia com alguns dados. Em 40 anos, um índice de 3 mil ações americanas registrou 12% de retorno ao ano. Contudo, se verificarmos como as 3 mil empresas realmente se saíram nesse tempo, o resultado é bastante heterogêneo. "A maior parte das empresas perdeu dinheiro e saiu do mercado. Apenas 7% registraram retornos fantásticos".
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Housel também aponta que o S&P 500 teve diversos ciclos de queda entre 5% e 20% ao longo do tempo. E diz que embora a ação da Netflix multiplicou seu valor inicial em 500 vezes, o investidor teve de encarar diversas perdas para chegar a esse retorno. "Para ganhar 500 vezes mais você precisaria perder duas vezes a metade do seu patrimônio".
Portanto, ele recomenda sempre considerar surpresas e volatilidade para conseguir se dar bem nos investimentos. "Quando os mercados globais caírem 10% ou mais, é necessário lembrar que se quer ser investidor pelos próximos 50 anos. Não se deve evitar o risco, mas entender como se sobrevive a ele. O caos e a perda podem levar a um grande crescimento. Basta não interromper o ciclo".
Veja abaixo os principais pontos da palestra de Morgan Housel no LAIC:
Housel contou na palestra a história de dois investidores: Grace e Richard.
Grace nasceu em uma fazenda de Chicago, de origem humilde e que nunca casou ou teve filhos, morou na mesma casa a vida toda e trabalhava como secretária. Morreu aos 100 anos, e deixou de herança 7 milhoes de dólares para a caridade: sempre pegava o que conseguia economizar com salário e investia na bolsa de valores.
Já Richard nasceu em uma família rica, estudou em Harvard e fez um MBA em universidade de Chicago. Começou a trabalhar em Wall Street na década de 80, em um grande banco, e se tornou filantropo. Até que ficou sem ativos e sem renda, e precisava vender a mobília da casa para comer.
Como alguém sem cultura, experiência, pode ter um desempenho melhor do que alguém que foi para Harvard? Na visão de Housel, o bom investimento não se trata de conhecimento ou inteligência, mas sim sobre comportamento. "Comportamento é algo difícil de aprender mesmo para as pessoas mais espertas, pois não dá para resumir em gráficos e planilhas. É ignorado, mesmo sendo o aspecto mais importante de um investimento bem sucedido".
É importante, portanto, o investidor se perguntar qual é o seu relacionamento com a ganância e o medo, conclui.
O escritor ilustra quanto tempo é necessário para se ter sucesso nos investimentos com a história de Warren Buffet: 99% do patrimônio de 100 bilhões de dólares do megainvestidor foi obtido após ele completar 68 anos. "Precisamos ter um amplo horizonte para investimentos, e não depender de sorte. Se Buffet tivesse se aposentado aos 60 anos provavelmente nunca ouviríamos falar dele. Ele foi consistentemente bom por muitos anos. Quanto de paciência e resiliência precisou para manter seus investimentos?".
Housel aponta que muitos investidores acham que longo prazo varia entre um ano a cinco anos, mas isso é um erro. "Longo prazo é algo entre 10 e 20 anos. É muito fácil subestimar quanto tempo é necessário para o sucesso. Mas o progresso é medido a cada geração, e juros compostos nunca são intuitivos. Não há nada mais poderoso no investimento que aumentar o seu tempo de investimento. Ninguém quer ouvir isso porque não é sexy. Mas é isso que devemos saber".
Perguntados sobre qual foi a melhor década na economia dos Estados Unidos, muitos americanos respondem que foram os anos 50, quando muitos conseguiam trabalho e prosperavam. Mas Housel aponta diversos fatos que mostram que a situação financeira atual é melhor do que a daquele tempo: a morte no trabalho era três vezes maior, as casas 37% menores e os alimentos representavam 29% do orçamento (hoje, representam 12%).
Por que então tanta nostalgia? Porque havia menos desigualdade entre pobres e ricos, afirma. "Não haviam atletas que ganham 20 milhões de dólares ou CEOs recebendo supersalários. Ou seja, poucas pessoas estavam ficando mais ricas e aumentando expectativa das demais".
Ele ilustra a necessidade de gerenciamento de expectativas e ambição com a história do maior fraudador dos Estados Unidos: Bernard Madoff. "Ele ganhava 30 milhões de dólares ao ano antes de cometer a fraude. E de forma legítima: era bem sucedido. Mas queria mais e arriscou. Como diz Buffett, arriscar o que precisa para ganhar o que não precisa é a definição de tolo. Portanto, saber quais são suas ambições, quantas horas quer trabalhar e o que é suficiente para você pode impedir que siga muito além do que deveria".
O risco, diz Housel, não se enxerga. O problema maior é ser uma surpresa, e não o dano que efetivamente causa. "Sobre o que ninguém fala, como a Covid-19, é difícil se preparar. Nessa circunstância, o dano com certeza será aumentado".
Por isso, aponta o escritor, precisamos de mais expectativas e menos previsões. "A previsão é hipotética, enquanto a expectativa se baseia no que, historicamente, aconteceu. Ganhar dinheiro e ficar rico é ser otimista. Mas se manter rico é o oposto: é feito de pessimismo, um pouco de paranóia e reconhecer que história sempre terá surpresas e recessões".