Lula: incertezas levaram a queda de ações. Maior clareza provocou repique, mas as dúvidas não devem se dissipar tão cedo, segundo analistas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Marília Almeida
Publicado em 27 de dezembro de 2022 às 06h00.
Última atualização em 27 de dezembro de 2022 às 06h42.
A falta de clareza sobre a política econômica do próximo governo esteve por trás da queda no preço dos ativos no Brasil desde as eleições. É o que aponta um relatório dos analistas da corretora Guide.
O efeito da incerteza pareceu maior que o da piora das expectativas: até agora, a pesquisa Focus do Banco Central apresentou poucas alterações nas projeções de crescimento econômico, inflação e taxa de juros para 2023. No último relatório, divulgado nesta segunda-feira, 26, a Selic no final de 2023 passou de 11,75% para 12% ao ano.
Fernando Siqueira, Rodrigo Fraga e Gabriel Gracia explicam no documento que uma das razões para a desvalorização é que até agora boa parte do programa do próximo governo parece se resumir a aumentar os gastos públicos.
Além disso, muitos dos nomes indicados pelo próximo governo não são muito diferentes dos nomes que começaram o governo Lula e governo Dilma: pessoas alinhadas com o PT (e não técnicos) irão ocupar diversos cargos importantes.
Os analistas ressaltam que o período do governo Dilma foi muito ruim para a economia brasileira (e para os investimentos). Ou seja, a dúvida dos investidores está amparada na evidência histórica.
Apesar do governo Lula ser marcado por um crescimento elevado e inflação baixa, o
governo Dilma foi marcado pelo oposto. E as indicações atuais parecem caminhar para um governo (2023-2026) mais heterodoxo, similar ao que foi visto no governo Dilma. Com menor rigor fiscal e políticas heterodoxas ou intervencionistas nas estatais.
A desvalorização ocorreu em um momento de maior incerteza. Na última semana, houve um repique, que era previsto pelos analistas.
Depois da divulgação de nomes importantes, como a diretoria do BNDES e mais 16 ministros no dia 22, no último mês o Ibovespa praticamente zerou suas perdas, e sobe quase 5% no acumulado do ano. Nesta semana, mais 16 nomes devem ser anunciados, completando o escopo total de ministros da nova gestão federal.
O fluxo estrangeiro foi negativo alguns dias após as eleições (quando as sinalizações negativas começaram), mas voltou a ser positivo no início de dezembro. Boa parte deste saldo positivo foi observada no primeiro dia após a eleição, em 31 de outubro.
Os analistas ressaltam ainda que a queda do Ibovespa após a eleição não foi generalizada e sem critério. As desvalorizações foram maiores em empresas mais endividadas (que sofreram mais com a alta dos juros), menores e com margens baixas. Empresas mais defensivas, exportadoras, ficaram de lado.
A piora nas perspectivas para a economia contribui para a performance ruim das empresas que atualmente apresentam baixa rentabilidade (se com a economia crescendo a rentabilidade está ruim, com a economia contraindo e juros altos em 2023, a rentabilidade tende a piorar).
O repique no mercado de ações aconteceu na última semana em função de diversos fatores, segundo os analistas:
a) muitas ações já caíram muito
b) a queda do Ibovespa foi substancial (20% desde o pico pós-eleição até a mínima de 17 de dezembro)
c) há sinais de moderação no discurso do novo governo (vide entrevista de Fernando Haddad, futuro ministro da Fazenda, em 14 de dezembro).
Contudo, uma redução maior das incertezas só deve ocorrer em 2023, após a posse de Lula e nomeação completa de seus ministros, o que deve ocorrer nesta semana. Até lá o mercado deve permanecer volátil, conclui o relatório.
Ainda que algumas ações tenham se desvalorizado mais, ainda é cedo para grandes aumentos nas alocações.
Os analistas mantêm preferência no mercado de ações por ativos de “qualidade” (empresas com margens altas e dívida baixa). O relatorio aponta que a queda do Ibovespa gerou upside elevado em diversas empresas com boas qualidades, como margens altas e baixo endividamento. Eles destacam Itaú Unibanco (ITUB4), Arezzo (ARZZ3), Multiplan (MULT3), Weg (WEGE3) e Cielo (CIEL3).
A piora do cenário macroeconômico após discursos de Lula e a Pec da Transição ofuscou o desempenho positivo da chamada “Cesta Lula”, com papéis mais voltados para o varejo, empresas de educação e construção.
Como os nomes da Cesta Lula incluem principalmente empresas pequenas (small caps) e também empresas que atualmente estão com margens mais deprimidas (como empresas de educação), toda a performance criada desde meados de setembro foi “devolvida” em novembro.
Ainda que tenha havido na última semana um repique que levou o Ibovespa de 100 mil pontos para 110 mil pontos, no curto prazo estes temas não devem ser relevantes para a performance das ações, na visão dos analistas. Fatores macroeconômicos, como política fiscal e monetária, devem ser mais relevantes que possíveis políticas microeconômicas que serão adotadas por Lula.