Dorio Ferman, gestor do Logica II: de fora da onda do e-commerce no Brasil e com 30% do patrimônio no exterior (Opportunity/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 3 de abril de 2022 às 08h45.
O Opportunity foi uma das primeiras gestoras independentes a gerenciar um portfólio de private equity no país, investindo diretamente em empresas com elevado potencial de crescimento. E acabou levando esse olhar de "dono" também para os seus fundos de investimento e as empresas nas quais investe.
O Opportunity Lógica II FIC FIA é um fundo de ações que tem posições importantes em empresas nas quais tem cadeira no conselho de administração: um exemplo é a Equatorial (EQTL3).
A estratégia de value investing (em que se aposta no valor de uma empresa no longo prazo) já soma 36 anos -- o fundo é resultado da fusão de três clubes de investimento -- e continua a entregar resultados. Desde a sua criação, em 1996, até o mês passado, o fundo rendeu 5.092,64%, enquanto o Ibovespa valorizou 1.995% no período.
Por trás dessa estratégia está Dorio Ferman, um dos fundadores da gestora junto com Daniel Dantas e Veronica Dantas em 1994, dois anos antes do lançamento do Lógica II, portanto. O nome do fundo faz referência a uma corretora de valores de pequeno porte de propriedade de Ferman antes de fundar o Opportunity.
Há anos longe dos holofotes, o experiente e respeitado gestor aceitou o convite da EXAME Invest para falar sobre o desempenho recente do fundo, segundo colocado na categoria Fundos de Ações Long Only na premiação Melhores do Mercado, organizada pela EXAME com a parceria técnica da Quantum Finance.
O Opportunity Lógica II só pode ser acessado por investidores qualificados. Mas a gestora criou em 2011 o Selection, que replica a carteira do Lógica II com uma aplicação mínima inicial de R$ 5.000 e é aberto ao público em geral.
Além de explicar por que o fundo navegou bem um momento tão inesperado e desafiador como o da pandemia da covid-19 em 2020 e 2021, Ferman expôs sua visão atual sobre o mercado e ativos. Acompanhe abaixo a entrevista completa concedida pelo gestor à EXAME Invest.
A que se deve o resultado do Lógica nos últimos dois anos, especialmente em 2021?
Nossa estratégia consiste em comprar ações de empresas sólidas para receber o seu fluxo projetado de dividendos descontado da taxa de juros. Acreditamos que esse fluxo irá crescer ao longo do tempo. Nosso foco é no longo prazo, mas não somos passivos. Se achamos que o preço do papel não está mais condizente com o cenário, saímos da posição.
[Warren] Buffett sempre diz que existem negócios que não devemos fazer. E nestes últimos dois anos não compramos algumas empresas de e-commerce porque achamos que o preço estava quatro vezes acima do razoável. Não ter entrado em ações no preço errado nos permitiu ter rentabilidade no período. Agora, os preços estão 75% menores. Para nós, não está claro quais serão os vencedores no segmento. Ficamos de fora.
No auge da pandemia, deixamos de ganhar 10 pontos percentuais de rentabilidade porque optamos pela segurança. Não alavancamos em hipótese alguma. É o melhor controle de risco e algo sagrado para nós.
Já alavanquei no passado. O retorno era grande, mas a perda também. Em um estudo interno vimos a importância da média geométrica. Se o fundo caísse 50%, teria de valorizar 100% para compensar. Sem contar que, nessa recuperação, você pode levar outra "cacetada".
Não tenho medo do risco que podemos prever, mas do que não podemos. Mas se optamos por empresas consolidadas, dificilmente elas serão afetadas por eles.
Quais são as maiores posições do fundo, e por quê?
Acreditamos que diversificação é importante, mas a concentração também. Dessa forma, é possível ter uma maior rentabilidade. Nossas posições podem chegar a representar 16% da carteira.
Temos atualmente uma posição de 11% em Google. Acreditamos muito nas vantagens competitivas da empresa e no seu potencial de crescimento de longo prazo.
Outra posição de destaque é Equatorial, que representa 9% da carteira. É um papel que passa batido: em dez anos, não apareceu entre os cinco mais rentáveis da bolsa [em nenhum ano], mas conquistou o posto de mais rentável da última década: teve rentabilidade nominal de 30% ao ano. Somos conselheiros da empresa, ao lado da gestora Squadra, e achamos que a companhia é um exemplo de boa governança.
O fundo tem uma fatia relevante em empresas no exterior. Quais são as principais posições?
No total, o fundo tem 30% do portfólio em empresas lá fora. A pandemia não foi o incentivo: acreditamos que as empresas americanas estariam melhores. Temos uma fatia em Microsoft, que teve uma recuperação espetacular. Essa posição foi adquirida após nossa saída da Amazon. Também tivemos uma posição bem-sucedida na empresa telecom americana Charter, mas já saímos também.
Temos também na carteira algumas empresas que parecem exóticas, mas não são. Uma delas é a maior empresa de semicondutores do mundo, a TSMC, de Taiwan. A ação é barata porque muita gente acredita que a China possa interferir na companhia. Daqui a uns 15 anos, talvez realmente possa fazer isso. Mas até lá ganhamos. É um risco que está no preço e aceito correr. Acreditamos que a tomada será pacífica, portanto deve ser algo pouco relevante.
Qual a sua visão sobre os papéis da Vale e da Petrobras?
Temos Vale na carteira. Ninguém investiu na mineradora durante muito tempo. Hoje, a Vale tem uma diretoria e um conselho responsáveis que não vão jogar dinheiro fora. A empresa ganhava muito mas fazia muito investimento ruim. Com a atual diretoria, sabemos que haverá distribuição de dividendos e que, se a empresa investir, irá investir bem.
Temos uma posição de 7% na Petrobras. É uma estatal bem gerida. A gestão de Pedro Parente e Ivan Monteiro quitaram dívidas da empresa, e o Roberto Castello Branco continuou esse bom trabalho. Hoje, a companhia já está institucionalmente mais segura e exporta 400 mil barris por dia. Acreditamos que o papel está muito barato, tanto que aumentamos recentemente a nossa posição.
Quais tipos de papéis evitam ter na carteira?
Fugimos de companhias que vivem de dividendos de controle. Quando a empresa no exterior tem uma filial no Brasil que deve satisfação à matriz, e dá lucro para ela, e não para si mesma, acreditamos que não é interesse do controlador atender o acionista brasileiro.