Casa foi uma das primeiras no país a seguir o conceito de value investing (A+R Fotografia/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 6 de março de 2022 às 07h00.
Nos dias de hoje, não é incomum encontrar gestores que se tornaram famosos, que expressam suas visões de mercado nas redes sociais ou se apresentam em eventos e palestras, fazendo previsões ouvidas atentamente por investidores.
Contudo existem casas e gestores que preferem a discrição total. Apostam na minimização de ruídos, esperando que a performance de seus fundos falem por si só. E falam. Muito.
Uma delas é a carioca Dynamo, cuja reabertura recente de seu fundo Cougar, após quase uma década, causou sensação no mercado financeiro. A captação de R$ 650 milhões para não-clientes, a primeira por meio de plataformas digitais, se encerrou em 46 segundos, algo que teria surpreendido gestores da própria Dynamo.
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A forte demanda se deu mesmo com uma estratégia de abertura seletiva. Um número reduzido de clientes de bancos e corretoras conseguiu acessar o fundo de ações por meio de aplicações mínimas de R$ 30.000. Mas desde que fossem qualificados, ou seja, tivessem mais de R$ 1 milhão investidos.
Gestoras como a Vitreo buscaram criar, por meio de cotas adquiridas, um fundo mais acessível para pequenos investidores. Mas essas cotas se esgotaram rapidamente, e as obtidas foram alocadas em um fundo de fundos.
A rentabilidade do Cougar tem sido estratosférica, de 25.714% desde janeiro de 1996 até 28 de fevereiro em termos nominais. No mesmo período, o Ibovespa subiu 2.096%.
Descontando a inflação medida pelo IPCA durante todo esse tempo, o Cougar somou 5.132% de rentabilidade, um rendimento real de 11,1% ao ano. Descontada a inflação, o Ibovespa subiu 349%.
O Cougar foi criado em setembro de 1993. Contudo, até a estabilização da moeda após a criação do Plano Real, em 1994, a inflação era muito alta. Por isso, esse período foi retirado do cálculo, já que poderia distorcer os resultados. Foi considerada, portanto, o início da série histórica do fundo na Anbima, em janeiro de 1996.
O rendimento do Cougar remete a lembrança do investidor a outro fundo famoso pelo seu desempenho também extraordinário, o Verde, de Luis Stuhlberger, com rendimento de 18.501% desde janeiro de 1997, quando teve início.
Cabem aí três disclaimers (avisos) fundamentais:
Isso significa que os dois fundos não são comparáveis.
Enquanto o Verde, gerido diretamente por Stuhlberger, é um fundo multimercado com apenas parte do portfólio em ações, o Dynamo Cougar é composto em 90% do seu portfólio por papéis da bolsa. Trata-se de um fundo de ações.
O Cougar é mais comparável ao Manacá, da gestora Tempo Capital, outro fundo que tem desempenho impressionante ao longo do tempo e foi criado sete meses depois do fundo da Dynamo. Enquanto o Manacá rendeu 24.463% desde janeiro de 1997, o Cougar da Dynamo rendeu 17.057% no mesmo período. Contudo, a comparação tem limite claro: o Cougar tem patrimônio bem maior (R$ 7 bilhões) do que o do Manacá (R$ 428 milhões). Quanto maior um fundo, maior é também o desafio de gerir ativos.
Mesmo que rentabilidade passada não signifique desempenho futuro, quando ela se mantém por décadas, isso é uma demonstração de consistência e confiabilidade nos gestores.
A Dynamo foi uma das pioneiras do conceito de value investing no país. Desde o ínicio, se mantém fiel à cabeça fundamentalista, de investimento de longo prazo.
Seus sócios, Bruno Rocha, Luiz Orenstein e Pedro Damasceno, fundaram a asset em 1993. A casa foi a primeira a se concentrar em ações. Sua resiliência é impressionante: diversas gestoras criadas na mesmo época, acompanhando um movimento de expansão global, ficaram pelo caminho.
Boa parte desse desempenho pode ser explicada por uma cultura forte. Desde a sua criação, no início da década de 90, a casa já está em sua terceira ou quarta geração de gestores. Mas chama a atenção a baixa rotatividade da equipe, em comparação a outras casas e grandes bancos.
Nem mesmo a tragédia que se abateu sobre a casa em 2017 modificou essa cultura. Um dos sócios, Pedro Damasceno, morreu subitamente de um ataque cardíaco, aos 47 anos. O que mostra que a Dynamo nunca foi uma máquina de um homem só, e tem uma metodologia clara de trabalho.
O objetivo do Cougar é investir nas melhores empresas brasileiras, que tendem a sobreviver ao tempo. O fundo gira pouco sua carteira: costuma carregar as ações por janelas de ao menos cinco anos.
A estratégia parece simples: apostar em 15 ou 20 ações, minimizando, dessa forma, os riscos. Mas não é. Os gestores estudam cada companhia a fundo, e acompanham as empresas de perto.
Apesar de possuírem estudos quantitativos profundos, o diferencial da equipe é a análise qualitativa, obtida em conversas com fornecedores e concorrentes. Ou seja, se informando de bastidores da companhia que muitos não conseguem ver.
Recentemente o fundo vem comprando papéis de empresas que se preocupam com mudanças tecnológicas. E se mantém firme a esta estratégia. Segundo relatório mais recente, no portfólio do Cougar estavam nomes como Natura, Cosan, Intermédica, Vibra, Localiza, Eneva, Suzano, Gerdau e ações do Mercado Livre no exterior.
Por que o Cougar abriu agora? Porque viu oportunidades de comprar papéis baratos na bolsa, após um semestre difícil para os ativos.
Geralmente, gestores discretos, com bons desempenhos, costumam captar recursos com uma base menor de cotistas.
Como a venda das cotas é limitada, se o gestor puder escolher menos pessoas com tíquetes maiores, que entendam melhor o risco que estão correndo na aplicação, possíveis dores de cabeça com excesso de resgates em momentos de crise diminuem.
Essa estratégia, de certa forma de se manter exclusivo, para poucos, é um anti-marketing que é bem eficaz em atrair clientes. É da psicologia humana e, especialmente, do perfil de clientes endinheirados, ter algo exclusivo. A reabertura arrasadora do Cougar é prova disso.
O mercado é hoje composto por mais analistas, gestoras e fundos do que no início da década de 90. Algumas gestoras cresceram muito de 2018 para cá, passando de R$ 2 bilhões sob gestão para R$ 15 bilhões sob gestão. Esse cenário divide mais a atenção do investidor.
O Dynamo Cougar se mantém com R$ 7 bilhões de patrimônio. E por que a gestora não abre seu fundo para pessoas físicas como forma de ganhar escala, ainda mais diante de tamanho sucesso? Como fez, aliás, a Verde, dando aval para a criação de fundos espelhos voltados para pessoas físicas?
Além de questões regulatórias que na opinião de analistas poderiam ser revistas, há no mercado quem aponte que a teoria de que o financial deepening (aprofundamento financeiro) dos investidores chegou ao Brasil um tanto exagerada.
Afinal, a poupança ainda concentra a maior parte das aplicações. Dados da B3 também mostram que ainda que ainda que existam 5 milhões de investidores na bolsa, mais da metade deles têm menos de R$ 5 mil aplicados.
Ou seja, o risco de saques descontrolados diante de uma maior volatilidade ou queda na bolsa continua alto. Tanto que aconteceu, aliás, durante a crise da covid-19. E nenhum gestor gosta de ter de vender ativos às pressas.
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E antes que os investidores acreditem que a trajetória espetacular do Cougar foi linear, não faltou volatilidade. Apenas na última década a Quantum Finance detectou ao menos três drawdowns do fundo (queda máxima que um ativo ou carteira sofre em um determinado período de tempo).
Em 1998, o Cougar chegou a ficar 50% abaixo de sua cotação máxima. A mesma oscilação aconteceu durante a crise financeira de 2008 e no início da pandemia.
Ou seja, o investidor precisa aprender a não se espantar eventuais ruídos. A trajetória do Cougar mostra que, no longo prazo, e até mesmo em janelas de cinco anos, vale a pena ter paciência.