CMN: novas regras para títulos incentivados passam a valer a partir desta sexta-feira, 2 (Divulgação/Shutterstock)
Repórter de finanças
Publicado em 3 de fevereiro de 2024 às 08h00.
Última atualização em 3 de fevereiro de 2024 às 12h22.
O mercado foi pego de surpresa na noite de quinta-feira, 1º, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, em uma reunião extraordinária, duas novas resoluções que alteram as regras para títulos agrícolas e imobiliários, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRA), Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito Agrícola e Letra e Letra Imobiliária Garantida (LIG).
As Resoluções nº 5.118 e nº 5.119 promovem diversos ajustes que englobam desde os lastros elegíveis até os prazos de vencimento, sendo que algumas regras já passaram a valer a partir desta sexta-feira, 2.
Em nota, o Banco Central (BC), em conjunto com o Ministério da Fazenda, afirmaram: "As medidas adotadas têm o intuito de aumentar a eficiência da política pública no suporte aos setores do agronegócio e imobiliário, assegurando que os referidos instrumentos sejam lastreados em operações compatíveis com as finalidades que justificaram a sua criação e contribuindo para um mercado de crédito mais robusto.”
Chamados de títulos incentivados, esses investimentos recebem isenção do Imposto de Renda (IR), ou seja, os rendimentos distribuídos ao investidor não são tributados iguais a outros investimentos. Isso porque, como a finalidade desses títulos é financiar o setor imobiliário e agrícola, o governo concede benefícios fiscais.
Entretanto, a grande questão gira em torno da regulamentação desses ativos, segundo explicou Gabriel Capella, sócio do Cascione Advogados em Mercado financeiro e mercado de capitais. De acordo com o especialista, diversas empresas utilizavam brechas na regulamentação e captavam recursos através desses títulos para outras finalidades, se beneficiando da isenção do IR. Por conta disso, o especialista enxerga que o principal motivador para as novas regras foi aumentar a arrecadação do governo.
Ao impedir as emissões desses títulos para empresas que não atuam nesses setores, essas companhias precisarão encontrar outras alternativas para captar recursos, como emitir títulos de dívida (debêntures ou notas comerciais), voltando a pagar impostos, é o que explica Jéssica Mota, diretora de desenvolvimento de negócios da Bloxs, empresa especializada em operações estruturadas.
Durante coletiva de imprensa, Felipe de Olívio Derzi, chefe adjunto do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro, explicou que, atualmente, entre 15% a 20%, no máximo, da captação de LCI e LIG estava servindo de fonte de recurso para o financiamento imobiliário. “As instituições que operavam essas letras para outra finalidade, terão que buscar alternativas”, explicou aos jornalistas.
Na prática, algumas estruturas conhecidas do mercado não poderão mais existir, tais como, CRI de Home Equity, CRA de Redes de Restaurantes, CRI de Supermercado e Farmácia, CRI de S&LB com lastro intercompany, CRI de Energia, CRI de Reembolso com lastro estruturado, entre outros.
Derivado deste movimento, o investidor pessoa física que investia em uma determinada empresa por meio desses títulos, terá que encontrar no mercado outros tipos de títulos com taxas menores de retorno, já que, por sua vez, serão tributados.
“[Para exemplificar], a Dasa acabou de registrar uma operação de CRI de R$ 1,7 bilhão que vai para o varejo. Essa operação, se ela não tivesse registrado antes, teria que sair como uma debênture, uma nota comercial, outro título que não fosse o CRI. E nisso, essa operação seria tributada. Então uma taxa que seria IPCA + 10, no final ficaria menor efetivamente, por conta da tributação”, explica Mota.
Outro ponto destacado pela especialista é a questão da diminuição de oferta. Em sua visão, por uma questão lógica, vai ter uma redução das emissões, visto que empresas que antes emitiam esses títulos não poderão emitir mais. Entretanto, não é possível ainda afirmar que uma menor oferta irá causar algum impacto no retorno para os investidores. Isso porque, atualmente, já não é maioria a oferta para o público de varejo.
“Cerca de 30% a 40% das ofertas que saíram de securitização foram para um público varejo, todas as outras foram para um público qualificado ou institucional. Então, já existe uma alta demanda e uma baixa oferta para esse investidor. Agora, o mercado vai baixar ainda mais a oferta [...] Mas não dá para afirmar que as taxas serão menores”, finaliza.
Já Capella explica que no ano passado, a Comissão de Valores Monetários (CVM) aprovou novas normas que impulsionam o acesso do varejo a esses títulos. Entretanto, reitera que não enxerga as pessoas físicas muito expostas a esses títulos de forma direta e, sim, através de fundos imobiliários (no caso de CRIs) ou Fiagros (no caso de CRAs).
Esses fundos, por sua vez, podem ter algum impacto, mas segundo os especialistas, ainda é muito cedo para afirmar que irá afetar em termos de taxas de retorno. Capella também concorda que o maior impacto ainda é sobre uma menor possibilidade de investimento para pessoa física: “A redução do volume de novas operações parece ser um movimento natural.”
No final da tarde de sexta-feira, 2, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) se posicionou e disse não gostar da decisão: “De modo geral, as medidas não devem contribuir para crescimento do funding do crédito imobiliário, aumentando o desafio de fortalecer as fontes alternativas aos recursos da poupança e do FGTS”, diz a Abecip, em nota.
Segundo a entidade, no ano passado, do total da emissão de CRI, aproximadamente R$ 48 bilhões, o que equivale a cerca de 50%, foram de CRI lastreados em operações que, agora, serão “restringidas pela nova norma”.
No caso da LCI, segundo a Abecip, essa norma estabeleceu a vedação da captação de recursos para o crédito imobiliário por meio de novas emissões com lastro em operações de empréstimos garantidos por alienação fiduciária ou hipoteca concedidos a pessoas jurídicas.
“Aparentemente a imposição de restrição à captação de recursos para atendimento de setores empresariais relevantes para a economia não se justifica, uma vez que essas operações são pouco representativas nos R$ 360 bilhões de estoque de LCI.”
As mudanças tiveram o objetivo de reduzir as possibilidades de emissões desses títulos por empresas cuja atividade preponderante não seja imobiliária ou do agronegócio. Pelas resoluções, para se encaixarem na definição, elas precisam ter dois terços de suas receitas vindas de um desses dois setores.
Com o intuito de proteger as operações já acordadas, as novas medidas afetarão apenas as emissões realizadas após a decisão do CMN. Derivado disto, as principais mudanças elencadas foram: