O francês Stéphane Monier, CIO (executivo-chefe de Investimentos) do banco suíço Lombard Odier | Foto: Lombard Odier/Divulgação (Lombard Odier/Divulgação)
Marcelo Sakate
Publicado em 20 de setembro de 2021 às 06h30.
Última atualização em 20 de setembro de 2021 às 08h48.
O aperto regulatório do governo da China contra empresas de tecnologia e de setores sensíveis para o país, como o de educação, acendeu um sinal de alerta entre investidores globais.
O governo da segunda maior economia do mundo tem adotado nos últimos meses medidas para impedir práticas de abuso de poder de mercado de gigantes de tecnologia e determinou que certas empresas de ensino se transformem em organizações sem fins lucrativos, entre outras medidas.
Mas, para uma das instituições globais que há mais tempo investem no país asiático, é preciso distinguir os efeitos de curto dos de longo prazo e analisar as novas medidas regulatórias chinesas à luz do que é praticado em países do Ocidente.
"Plataformas de big techs chinesas, como Alibaba ou Meituan, operavam com uma regulação muito leve até o ano passado, para não dizer com total liberdade. O governo da China aprovou uma regulação anti-monopolista em 2007, mas foi somente em 2018 que uma agência foi criada para garantir o cumprimento das leis. As pessoas dizem que as novas medidas são muito duras, mas é algo que já existe em muitos países desenvolvidos", disse Stéphane Monier, executivo-chefe de Investimento (CIO) do banco suíço Lombard Odier, em entrevista à EXAME Invest.
Um exemplo, segundo ele, foi a decisão do governo chinês de acabar com a prática das gigantes de tecnologia de impedir que vendedores de uma plataforma pudessem comercializar seus produtos em uma concorrente. Trata-se de uma conduta que fere a concorrência que muitos países já coibiram nas big techs americanas.
O Lombard Odier é um dos bancos suíços mais longevos, com fundação em 1796. Atua voltado para gestão de patrimônio -- wealth e asset management --, com cerca de 380 bilhões de dólares administrados no mundo.
Monier também analisou o cenário para investimentos em ativos relacionados aos princípios ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), que ganharam tração de vez na pandemia. Neste ano, a emissão de títulos "verdes" deve chegar ao intervalo entre 400 bilhões e 500 bilhões de dólares, segundo estimativas da Climate Bond Initiative.
Com a experiência de uma instituição que investe em ativos de impacto ao menos desde a década de 1990, ou seja, muito antes de se tornar "moda" no mercado, o banqueiro aconselhou: a receita é olhar para o futuro e a mudança no modelo de negócios da empresa investida, em vez de atentar para o que ela realizou até aqui.
"Se o investidor escolhe o ativo com base nos ratings, há um desafio de que nem sempre são convergentes. Uma mesma companhia por ter um rating positivo da Bloomberg e um negativo da Sustainalytics [um site especializado), por exemplo. Isso é um primeiro problema, mas não é um grande problema. O mais importante, para mim, é que os ratings são baseados no histórico de práticas de negócios", disse Monier em entrevista por telefone.
"Como investidor, eu prefiro ter o foco no futuro e em como a companhia muda o seu modelo de negócios", completou o executivo do Lombard Odier. Ele citou como exemplo o escândalo conhecido como Dieselgate há alguns anos, envolvendo a Volkswagen e a camuflagem de testes de emissão de gases pela montadora.
Leia a seguir, divididos por tópicos, os principais pontos da entrevista de Monier à EXAME Invest:
"Algumas das medidas regulatórias foram uma tentativa do governo da China de acabar com o que eu chamo de práticas monopolistas e também uma tentativa de encorajar a competição. As autoridades quiseram também promover a estabilidade do sistema financeiro. Houve também o objetivo de proteção de dados.
O governo quis também melhorar as condições de trabalhadores e de proteção dos consumidores. O mais importante, eu diria, foi a disposição de melhorar a dinâmica demográfica.
É sabido que a China teve por muito tempo a política de um filho por família, algo que ajudou o país a alcançar o nível atual de desenvolvimento. Mas que é contraprodutivo no médio e no longo prazo, e o governo sabe disso.
O governo mudou a política em 2015 e passou a permitir um segundo filho por casal. E, neste ano, permitiu uma terceira criança. As autoridades estão muito cientes dos desafios demográficos. E o que aconteceu? Na minha avaliação, as medidas foram tomadas mais no sentido de atualização da regulação do que uma vontade de nacionalização de segmentos inteiros da economia chinesa (que foi o que aconteceu com parte do ensino privado).
Para a classe média chinesa, tudo é muito caro. O setor imobiliário se tornou muito caro em parte do país, enquanto é muito difícil e competitivo entrar nas melhores universidades do país. A prática de oferecer tutoria para crianças se tornou um negócio com preços muito elevados para as famílias e que gera lucros enormes para as empresas.
Por essa razão, o que pode acontecer é que muitas famílias se sentem desencorajadas a ter mais crianças, porque não possuem condições de sustentá-las para que consigam ter chance de ascensão social. O governo agiu para endereçar essas questões.
No caso das plataformas de big techs chinesas, como Alibaba ou Meituan, elas operavam com uma regulação muito leve até o ano passado, para não dizer com total liberdade. O governo da China aprovou uma regulação anti-monopolista em 2007, mas foi somente em 2018 que uma agência foi criada para garantir o cumprimento das leis. As pessoas dizem que as novas medidas são muito duras, mas é algo que já existe em muitos países desenvolvidos.
Como investidor, não posso discordar totalmente das medidas tomadas porque, se eu assumo uma perspectiva de longo prazo, fazer o país ter uma taxa de natalidade mais elevada será definitivamente algo positivo para o crescimento da China."
"No longo prazo, estamos fortemente convencidos das oportunidades de investimento na China e estamos fortemente comprados (overweight) no país. A China representa mais de 16% do PIB global. Mas, quando olhamos para os índices de mercado, sejam de ações ou de renda fixa, o país representa em torno de 5%.
Há uma desconexão entre a importância da economia chinesa e a sua capacidade de atrair capital para financiar o seu desenvolvimento devido ao fato de que a maior parte dos índices têm como base a capitalização de mercado.
Nós fizemos uma aposta muito forte em 2020 de levar nossa alocação na China para algo mais próximo de sua importância econômica. No portfólio de clientes do Lombard Odier, na maior parte do tempo a alocação de ativos na China está acima de 10%. É o dobro da alocação pela capitalização de mercado.
E por que isso? Nós avaliamos que a China vai convergir para o que chamamos de fronteira tecnológica global.
Estamos também cientes do fato de que há um grande aumento na classe média e na sua disposição para consumir. Entendemos que o governo chinês melhorou a sua gestão macroeconômica e que tem um perfil muito sólido de dívida externa. E estamos confortáveis com a exposição à dívida soberana interna, às ações e ao renmibi. É um approach estrutural de longo prazo."
"Se falarmos de volatilidade de curto prazo, estivemos um pouco preocupados com alguns fatores no início de 2021. Não antecipamos tudo o que aconteceu, mas esperávamos um pouco de aperto monetário, algo que veio no primeiro trimestre. Também percebemos que a dinâmica de lucros corporativos não seria tão boa como em outras regiões.
Sabíamos que o valuation de ações estava muito elevado e que talvez isso não fosse se materializar. Além disso, estávamos um pouco preocupados com o embate entre Estados Unidos e China pela supremacia do mundo.
Decidimos em março reduzir a nossa alocação e ficar "underweight" em ações chinesas. Tivemos sorte porque a atividade regulatória durante esse período, como mencionei, não foi bem recebida no mercado. Mas elevamos para 'neutro' recentemente por causa da nossa confiança no longo prazo, como destaquei."
"O investimento sustentável sempre esteve no foco do Lombard Odier. Gosto de citar um caso de 1841, quando Alexandre Lombard escreveu um artigo na imprensa de Genebra pressionando contra o investimento em empresas do sul dos Estados Unidos porque elas se beneficiavam da escravidão. O banco também foi um membro-fundador da Cruz Vermelha em 1917. E faz uso de scores do conceito ESG desde 1997.
Dito isso, acredito que nos próximos meses o grande foco do investimento sustentável estará em todos os ativos relacionados com a transição climática. Será o grande 'driver' de performance dos portfólios.
Há poucas semanas, o IPCC, que é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, divulgou relatório apontando que estamos em um ponto de transição climática que o secretário geral da ONU chamou de Código Vermelho para a Humanidade.
Se eu tenho como foco as implicações desse fenômeno, podemos dizer que há quatro tipos de companhias, e é a partir dessa análise que construímos o nosso portfólio."
"O primeiro tipo de companhia é formado por aquelas com baixa pegada de carbono no seu processo produtivo. Dada a escala global, não é o tipo de companhia que será acusada de ser responsável pelo aquecimento do planeta. São empresas de indústrias que não estão nem aumentando nem reduzindo o aquecimento de forma significativa.
O segundo tipo é que que chamamos de 'lenhas em chamas'. São empresas que estão aumentando de forma significativa o aquecimento global com sua operação, como uma grande petrolífera ou uma com foco em combustíveis fósseis. São companhias desalinhadas com a transição climática e cujos modelos de negócios estão em risco. São empresas nas quais evitamos investir.
O terceiro tipo são empresas que chamamos de 'cubos de gelo'. Representam companhias cujos modelos de negócios geram muita emissão de carbono, mas que estão em processo de transição para reduzir isso. A boa notícia é que são empresas que podem causar grande impacto na transição climática. Por exemplo, a mesma petrolífera que mencionei pode ser enquadrada como cubo de gelo se passar a ter foco em energia solar, por exemplo.
Nós gostamos desse tipo de companhia e entendemos que deve entrar nos portfólios de nossos clientes porque vão se tornar um 'driver' de performance dos portfólios daqui em diante.
Por fim, mas não menos importante, há as empresas que fornecem soluções para reduzir as emissões de carbono.
Quando conduzimos uma análise de uma companhia com fins de investimento para o portfólio de nossos clientes, olhamos não apenas para aspectos financeiros mas também para o que chamamos de valor do impacto climático. É basicamente uma ferramenta que nos ajudar a avaliar os riscos de uma empresa para o futuro de diferentes formas: não só os riscos físicos, como enchentes ou incêndios, mas também de responsabilidade.
Se uma empresa está poluindo com a emissão de carbono, talvez em algum momento o órgão regulador possa multá-la por isso. Ou alguns dos clientes de uma companhia podem não querer mais comprar seus produtos porque vão ficar sabendo que sua operação não é favorável para o meio ambiente."
"Muitas pessoas investem em temas ESG com preocupações ambientais. Se o investidor escolhe o ativo com base nos ratings, há um desafio que é o fato de que nem sempre eles são convergentes. Uma mesma companhia por ter um rating positivo da Bloomberg e um negativo da Sustainalytics [um site especializado), por exemplo.
Isso é um primeiro problema, mas não é um grande problema. O mais importante, para mim, é que os ratings são baseados no histórico de práticas de negócios.
Como investidor, eu prefiro ter o foco no futuro e em como a companhia muda o seu modelo de negócios.
Vou dar um exemplo. Você deve ter ouvido falar no "Dieselgate", que envolveu a Volkswagen há alguns anos. A empresa estava trapaceando nas suas declarações sobre as emissões de gases de seus modelos movidos a diesel. Aposto que os scores da empresa antes do Dieselgate eram elevadas. Depois que o escândalo aconteceu, a empresa teve a nota rebaixada e muitos investidores tiveram que vender as ações que tinham da companhia, perdendo dinheiro.
Como investidor, no entanto, eu estaria inclinado a fazer o contrário. Preferia ter baixa exposição à Volkswagen antes do Dieselgate, mas, depois que ele veio à tona, e dado o fato de que é uma companhia financeiramente forte, você pode estar certo de que a companhia colocou tudo em ordem em emissões, até por uma questão de sobrevivência.
O que eu quero destacar é a questão de tentar investir olhando para o retrovisor. É muito melhor tentar antecipar se o modelo de negócios da companhia será consistente com o futuro."
"Temos uma perspectiva construtiva para a economia global neste segundo semestre. Eu diria que temos sido cautelosamente otimistas por algum tempo desde o início da crise de Covid-19 em março e abril de 2020. É uma convicção reforçada recentemente por alguns dados econômicos divulgados, como o começo de normalização do mercado de trabalho nos Estados Unidos, com a criação de 1,053 milhão de vagas em junho e de 962.000 mil em julho. Vimos isso como algo muito positivo, ainda que, é claro, ainda seja cedo para cantar vitória.
Temos observado que esse fenômeno não é limitado apenas aos Estados Unidos mas a países com elevadas taxas de vacinação. Claramente, é o caso também do Reino Unido. Estamos vendo uma forte recuperação que, na nossa avaliação, vai se traduzir em lucros corporativos. Esse é um lado da equação."
"Há muita preocupação com a inflação. Muitas pessoas dizem que toda essa política monetária acomodatícia e todos os estímulos fiscais em vários países, especialmente nos Estados Unidos, estão criando uma situação em que há o risco de que a inflação saia de controle. Mas, na Lombard Odier, sempre pensamos que a ressurgência inflacionária seria transitória. A principal razão é que a alta da inflação foi causada basicamente por um efeito base.
Um exemplo é o preço do petróleo. Em abril de 2020, a cotação caiu para 30 dólares o barril. Em abril deste ano, estava próximo de 70 ou 75 dólares, o que significa que a alta foi acima de 100%. Para que continue nesse ritmo, o preço terá que estar em algo como 140 dólares em abril de 2022.
Além disso, entendemos que a inflação mais elevada ficou restrita a um certo número de setores que foram mais atingidos durante a crise provocada pela Covid, como o de carros usados, tarifas áereas e de hospedagem.
Por último, mas não menos importante, o fenômeno inflacionário foi muito mais um fenômeno da economia americana, não visto na Ásia desenvolvida ou na Europa desenvolvida. O que é notável é que, durante o verão (no Hemisfério Norte), o medo da inflação desapareceu e o mercado passou a temer uma desaceleração muito forte da economia."
"Nós pensamos que esse medo de desaceleração não é justificado. Não porque a economia não vai desacelerar, porque é claro que isso vai acontecer, mas porque atualmente temos taxas de crescimento de 9% na China, de 8% nos Estados Unidos e de 6% na Europa. São taxas muito acima do crescimento potencial desses países ou regiões.
Essas taxas vão acabar convergindo para o que consideramos o crescimento potencial dessas áreas, algo em torno de 5% na China, 2% nos Estados Unidos e talvez 1% na Europa, nos próximos dois ou três anos."
"Diferentemente do tapering (a retirada dos estímulos por meio da compra de títulos) de 2013, que foi seguida pelo que foi chamado de "tantrum" (aumento das taxas dos títulos do Tesouro americano, queda nas ações de emergentes e de títulos com baixo rating e maior volatilidade dos mercados), a preparação do mercado desta vez tem sido excelente. Se você está no mercado, não pode fingir que não está esperando que o tapering aconteça.
Se o tapering ocorrer com o timing e a amplitude esperada no mercado, será um evento conhecido. E essa é basicamente a razão pela qual estamos positivos."
Estamos muito positivos com ativos de risco, com uma visão overweight. Com frequência investidores nos perguntam: 'Stéphane, você não acha que as ações estão caras em relação ao histórico?' Se olharmos para as métricas históricas, sim, os valuations estão muito altos.
Mas o que eu ressalto é que a temporada de resultados no segundo trimestre foi excepcional, em muitos setores. Quando observamos os valuations em relação aos lucros, eles aumentaram.
Uma das razões pelas quais eu acredito que ações estão atrativas é que esperamos que os resultados corporativos serão fortes no terceiro e no quarto trimestres e que isso vai dar suporte ao preço das ações. Nesse contexto, nem todos os mercado são iguais. É necessário fazer escolhas setoriais e regionais. Desde o fim de 2020, estamos mais favoráveis para ações cíclicas e de valor do que para ações de crescimento, com um posicionamento que não é extremo."