Helô, que se define como contrarian investor, ensina valuation e busca ações que passam despercebidas na bolsa | Foto: Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 30 de maio de 2021 às 08h10.
Heloísa Neves Cruz, analista certificada, é uma das mulheres conhecidas e respeitadas no mundo da Fintwit, a comunidade do mercado financeiro brasileiro no Twitter. Conhecida como Helô Cruz, ela pode ser considerada uma analista de ações influente. Entre seus quase 70.000 seguidores estão alunos de seus cursos, que ensinam como calcular o preço justo de um papel. Para ela, a subida recente da bolsa de valores faz com que esteja perto de seu topo, mas ainda há boas oportunidades.
Cruz defende seu trabalho: é especialista em apostar em ações com baixa e média capitalização que passam despercebidas pela maioria dos investidores. Após sete anos, a gestora resolveu abrir o seu fundo, o Stoxos, que antes tinha o formato de clube de investimentos. Focado em small caps, já captou 50 milhões de reais e tem cerca de 500 cotistas em menos de seis meses. Desde o seu início, o fundo se valorizou cerca de 40% ao ano.
A taxa de administração cobrada é de 2% ao ano, enquanto a taxa de performance é de 20% sobre o que exceder o Ibovespa. O valor da aplicação mínima inicial é de 5.000 reais, e, as demais, de 100 reais. Chama a atenção o resgate das cotas, fixados em D+122 dias, para, segundo Cruz, "afastar os zé cotinhas". "Meu fundo tem objetivo de longo prazo. Quem embarca tem de concordar com a minha tese."
Veja abaixo a entrevista completa concedida pela gestora para a EXAME Invest:
Qual é a sua visão atual sobre a bolsa e os IPOs?
Acredito que a bolsa esteja perto do topo. Estou animada com a política e a economia. Mas, a partir de 120 mil pontos do Ibovespa, eu trabalho com hedge para queda grande. Claramente muitas ações estão bem precificadas.
Não sou otimista com o índice Ibovespa. Quando olho bancos, por exemplo, evito ações que podem ser disruptadas de maneira relevante. Além disso, Vale (VALE3) já foi bastante precificada: não acredito que a China vá deixar o preço do minério de ferro em mais de 200 dólares para sempre.
Diversas varejistas e empresas relacionadas ao consumo também já andaram bastante. Magazine Luíza (MGLU3) e Mercado Livre (MELI34) precisam agora crescer em um ritmo forte para a atração voltar, pois já têm um baita crescimento precificado em suas ações.
Resumindo, minha visão agora é a de que nem tudo é oportunidade, mas ainda existem muitas empresas pouco vistas e que apenas não estão organizadas, redondas ou com margem alta.
Há uma concentração de market share no mercado, provocada pela pandemia. Para o país isso não é bom, mas para as grandes empresas listadas, sim. Agora entramos em uma segunda etapa, a de fusões e aquisições. Já percorremos metade do mercado otimista. Essa segunda etapa pode ser longa (nos Estados Unidos durou dez anos), mas pode não ser.
Nesse cenário de taxa juros baixas existe espaço para muitos IPOs, mas o mercado está seletivo. Vieram alguns bons IPOs e depois a qualidade começou a cair. Mas consigo ver um ciclo positivo para o Brasil pós-pandemia. Há boas expectativas para o PIB: as revisões são todas para cima. Se a inflação desacelerar agora e a taxa de juros continuar baixa, vai ter espaço para as small caps abrirem capital. Tem apetite para isso.
Você já disse que há menos assimetria de informação a favor dos grandes fundos, o que beneficia o pequeno investidor. Pode explicar?
Neste sentido a pandemia foi boa para o investidor pessoa física. Muita coisa acontecia na forma de reuniões em que participavam apenas os investidores institucionais. Agora tem live disponível no YouTube. Diversas empresas entenderam que, em geral, os fundos ficaram muito grandes e não conseguem investir em small caps. Quem fez um bom trabalho neste sentido foi o Thiago Alonso, CEO da JHSF (JHSF3). Viu que precisava ajudar a pessoa física a entender o negócio.
Sou uma investidora institucional, mas faço a ponte das empresas com pessoas físicas nos meus cursos. Ajudo a se comunicarem melhor. Muitas empresas fazem IPO e, quando vão apresentar resultado, não explicam direito o negócio.
O IPO é muito injusto com a pessoa física, que não tem metade da informação que um fundo tem. A empresa precisa equalizar isso, até mesmo produzindo vídeos. O investidor institucional consegue visitar a fábrica, mas o pequeno, não. Tem de ser multimídia, visual, ter comentários de clientes e fornecedores.
Existem várias empresas buscando essa linha e que entenderam que a pessoa física é leal, que compra a ação e esquece. Muitos são clientes do negócio. Recentemente a ação da moda era a da Via Varejo (VVAR3). Você via acionistas ativos nas redes sociais que mandavam comprar ação e dizendo com orgulho que comprou eletrodomésticos na rede. Isso reforça a marca.
A Weg (WEGE3), por exemplo, tem uma base enorme de investidores pessoas física. A ação teve até uma queda relevante, na questão de preço justo, mas mesmo assim o pessoal compra. É uma empresa que conquistou sua base.
Tem grupo no mercado que diz que não se deve investir em fundo, que uma pessoa pode fazer stock picking. Mas para isso precisa estudar. Na pandemia muita gente conseguiu entrar em papéis com preços muito baixos e viu multiplicar. Se o investidor gasta uma hora com ginástica, cuide da cabeça, leia e estude também. Vale a pena.
Se conseguir não depender do INSS na aposentadoria, melhor. Só tem que tomar cuidado para não ser enganado. Tem muito malandro no mercado.
Com o avanço da pessoa física na bolsa, poderemos ter IPOs menores, de 150 milhões de reais. É o meu sonho. A B3 poderia ter mil empresas listadas.
Como analisa o cenário macroeconômico? Tem uma visão pessimista ou positiva sobre o país?
Vivemos em um cenário de taxas de juros mais baixas que talvez tenha vindo para ficar. Há uma mudança de paradigma, de que não cabe mais ser rentista no Brasil.
Antes da queda dos juros, muitos empresários até tinham dinheiro para comprar máquinas, mas se a máquina dava rentabilidade de 12% e ele conseguia 10% deixando o dinheiro parado na renda fixa, se acomodava. Agora, com taxa de juros que não paga a inflação, muita gente está colocando o dinheiro para trabalhar na produção agrícola e na pequena indústria.
Contudo nas minhas contas ainda não coloco que os juros baixos vieram para ficar. Espero uma comprovação maior de que haverá um controle da inflação e do dólar. A manutenção desse cenário depende de muita coisa.
Mas, olhando o que o Tarcísio Gomes de Freitas (Ministro da Infraestrutura) está fazendo, eu consigo acreditar que o custo Brasil começa a cair e que o país pode se tornar mais competitivo lá fora e receber mais investimentos. Há um grande caminho para isso, mas começa a acontecer.
Você recomenda comprar empresas que não dependam do fim da pandemia para continuar crescendo, cujo crescimento não esteja precificado e que sejam referência na respectiva área. Quais você cita?
Não vejo tanta incerteza em relação à pandemia, mas, sim, um problema de narrativa. Há incerteza, mas o Brasil não vai acabar. Apesar da minha tese pró-economia, não tenho convicção de que a pandemia acabou nem de que em apenas dois ou três meses de vacinação a vida voltará ao normal. Portanto, prefiro estar exposta a empresas que, para crescer, não dependam do fim da pandemia.
Sobre exemplos de empresas, gosto de citar a Ambipar (AMBP3), que é uma empresa minúscula e pode se tornar uma gigante. É uma empresa que criou um serviço que a indústria já fazia, mas que passou a fazer de forma mais eficiente e qualificada. Mesmo na década passada, na qual o Brasil andou de lado, o grupo cresceu muito.
Tenho umas quatro ações apimentadas, empresas de que o mercado não gosta e que compro barato. Um exemplo é a Inepar (INEP4), que entrou em recuperação judicial. Comprei há quase três anos. Entrei no papel a 6 reais e agora ele é vendido por 60 reais. A empresa podia ter quebrado, mas com frequência compro uma posição pequena, equivalente a no máximo 10% do fundo. É uma fatia, mas com potencial para multiplicar por até oito vezes, sabendo que há o risco de dar errado.
Na hora em que encontro um negócio muito barato com margem de segurança, mesmo que o resultado venha pior e a receita não suba tanto, há uma chance maior de ganhar do que de perder. O desafio é olhar e entender até que ponto a operação não faz sentido.
Muitos gestores estão diversificando investimentos no exterior. Como olha o mercado lá fora?
Eu me prendo mais à minha tese do que à exposição em dólar. O Brasil está em uma disputa política bizarra, na qual todos perdem, mas não acho que vamos virar uma Argentina ou uma Venezuela. Minha visão é neutra, não pessimista.
Compro papéis que não percam muito com oscilações do dólar e monto teses que não precisam da economia voando para dar certo. Se consigo ficar mais descolada dos ciclos econômicos, melhor. Mas meu cenário é que o Brasil está melhorando.
Sua estratégia 'contrarian investing' é necessariamente arriscada? O que seus alunos e cotistas devem entender?
Acredito que existam oportunidades em qualquer segmento, desde que você consiga entender o que faz. Se o negócio é mais complexo, estude. O risco está em coisas que você não consegue entender.
Eu não sei se o PIB vai subir, mas sei que ganho muito se subir e, caso não suba, perco pouco em uma ação. A partir do momento em que você evolui como investidor, você passa a gostar de volatilidade, pois ela abre oportunidades.
Também não tenho ideia de em quanto vai estar o dólar, mas eu busco um cenário no qual se ele estiver a 4 reais ou a 6 reais eu não perco. Se o dólar está volátil, eu preciso ter a convicção que a ação está barata.
O risco em ações é o valuation, não necessariamente a volatilidade.
Seus tuítes delineiam uma posição política. Qual é a relação que faz entre investimentos e política?
Eu separo muito bem política e investimentos. Me envolvo com o tema porque amo o Brasil e estamos passando por um momento estranho da política, em que houve ruptura após 30 anos, de um outsider. Vejo mil xingamentos, mas nenhum esquema grande de corrupção.
Mas sou fria e menos emocionada. Busco entender o que realmente muda com o ruído. A preocupação deve ser com a política que significaria ruptura em direção à Venezuela e à Argentina. Fora isso, a política está aí. Mesmo com ela, as empresas boas ganharam dinheiro e foram resilientes ao barulho político. Tento não cair na narrativa.
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Na Petrobras (PETR4, PETR3), 50% da venda de diesel é para caminhão. Na Aeris (AERI3), um único cliente representa 50% da receita. Em algum cenário a empresa poderia xingar esse cliente? Não, assim como o CEO da Petrobras não pode ir à TV dizer que os caminhoneiros não são problema dele. Cada um usa a narrativa como convém.
A política pode ajudar, mas prefiro aplicar em empresas tão boas que tenham espaço para ganhar market share, ou criá-lo. E que conseguem fazer isso com PIB para cima e para baixo. Não a empresa que fica com 80% de market share e só consegue crescer a receita se o mercado voltar, que seja uma empresa cíclica.
Fale um pouco sobre o histórico de seu fundo.
Busco ter agilidade e desejo ter controle da análise nas minhas posições. Por causa disso, meu objetivo é fechar o fundo com a metade do capacity, cerca de 300 milhões de reais. Dá para dizer que é um fundo micro de uma mulher só.
Acredito que as melhores oportunidades da bolsa estão nas menores ações. Quero ter tamanho para isso. Conheço milionário que não consegue sair da posição no Ibovespa. Para mim, mais do que a taxa, o que importa é a performance. Preciso encontrar de duas a três ações por ano para performar bem. Se acerto, carrego por anos.
A maior posição do Stoxos é em Simpar (SIMH3), um papel que já negociou apenas 150.000 reais por dia. É uma posição que levei um tempão para montar. Meu fundo sai do padrão, mas funciona. Vejo vários alunos montando estrutura de clube. Juntam dinheiro de amigos e montam uma pequena asset. Se tiver só fundo grande no mercado não teremos espaço para pequenos IPOs.