Ivan Barboza, sócio-gestor do Ártica Asset Management (Ártica Asset/Divulgação)
Repórter
Publicado em 6 de setembro de 2023 às 06h30.
Última atualização em 6 de setembro de 2023 às 11h17.
Investidores já sacaram mais de R$ 65 bilhões dos fundos de ações nos últimos 20 meses. Mas a gestora Ártica Asset Management tem ido na contramão. No ano passado, quando a onda de resgates teve início diante da alta de juros, seu fundo de ações teve captação líquida positiva próxima de R$ 70 milhões. A entrada de recursos representa mais de 25% de todo o volume sob gestão atual, que gira próximo de R$ 245 milhões, já considerando a valorização da cota neste ano. Até o fim de agosto, o fundo do Ártica acumulava em 2023 18,6% de rendimento contra 5,5% do Ibovespa. A discrepância é ainda maior desde seu início, em 2013. Nesses 10 anos, o fundo do Ártica rendeu 1.398%, enquanto o Ibovespa, 143%.
A estratégia de distribuição restrita a poucos (e fiéis) investidores contribuiu para a captação positiva. Fora das plataformas de varejo, o fundo só é acessível por meio de contato direto com seu administrador, o BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da Exame), o que explica a base de cotistas relativamente baixa para um fundo aberto (e com tamanha rentabilidade). São apenas 180 investidores. "Vimos que as ações estavam baratas no ano passado. Então, começamos a aportar nosso próprio dinheiro e a recomendar que nossos cotistas fizessem o mesmo. Já o investidor de varejo vem fácil, mas vai embora fácil também e ele tende a investir quando o momento está ruim e a sair quando está bom", disse Ivan Barboza , sócio-gestor do Ártica Asset em entrevista à Exame Invest.
Dos mantras do mercado, comprar na baixa é o que a Ártica tenta seguir à risca. "Se o fundo está com caixa, torcemos para a ação continuar caindo. Melhor que o conforto de ver o preço subir é o de comprar barato." Barboza dificilmente monta posições "táticas", que visam retornos de curto prazo baseados em eventos específicos. Mas quando encontra um bom negócio a um preço atrativo, ele não hesita em apostar alto e manter o investimento até a tese maturar. As cinco maiores posições ocupam cerca de 70% de toda a carteira do fundo, sendo que somente as duas principais representam cerca de 25% da carteira cada.
Uma dessas posições relevantes é na fabricante de ônibus Marcopolo (POMO4). A Ártica investe na empresa desde 2019, mas é só agora que está colhendo os frutos. Os papéis já subiram mais de 130% no ano. "No estudo da tese, que durou seis meses, percebemos a necessidade de renovação da frota de ônibus, que já estava envelhecida e demandando muito custo de manutenção. O último boom de vendas havia sido entre 2013 e 2015 por meio de uma linha subsidiada pelo BNDES. Essa linha acabou e o setor entrou em período de vacas magras. Tinha tudo para as compras voltarem, mas aí veio a pandemia", contou Barboza.
Para identificar quando a demanda por ônibus seria retomada, a Ártica desenvolveu um programa que rastreava o volume de passageiros de 400 rotas do país. "Esse indicador mostrou que em 2021 que as pessoas estavam voltando a andar de ônibus rodoviário. Então decidimos aumentar 6 vezes o tamanho da nossa posição." Só que, mesmo com a maior demanda pela renovação de frotas, surgiram desafios do lado da oferta: a falta de semicondutores para a fabricação de ônibus, que só foi resolvida no fim do ano passado.
"Hoje, a fabricação de ônibus está rodando na capacidade máxima e, mesmo assim, é insuficiente para atender a demanda. Isso tem gerado uma rentabilidade histórica para a companhia", explicou Barboza. No segundo trimestre, a empresa registrou lucro líquido de R$ 140,5 milhões, representando uma alta anual de 424,1%. "Nem sempre conseguimos acertar o momento ideal de comprar a ação. Mas se tiver estômago de segurar por anos uma ação que está barata, a chance de isso se tornar um bom investimento é grande."
A segunda maior posição do fundo, atualmente, é na Porto Seguro (PSSA3). A ação chegou a cair mais de 40% desde a pandemia, mas já vem dando sinais de recuperação. Para retomar retomar o preço anterior (e até superá-lo), disse o gestor, é só uma questão de tempo.
"A Porto Seguro sofreu porque, durante a pandemia, a baixa circulação de carros levou a empresa a reduzir o preço dos seguros. Na retomada, a companhia já estava com os seguros vendidos a um preço mais baixos, o que levou a uma compressão de margem devido à elevação dos sinistros. Agora, os preços já estão normalizados. "Ela já é líder de mercado. Não precisa acontecer nada muito atípico para ganharmos dinheiro com a ação. Gostamos desse tipo de tese."
Já uma aposta que Barboza considera mais arrojada em seu portfólio é a na Multilaser (MLAS3), que acumula 70% de desvalorização desde sua Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês), em meados de 2021. " Além da aversão às novatas da bolsa nos últimos anos, a Multilaser sofreu com a estratégia de elevar seu nível de estoque para além do ideal, forçando a venda a margens negativas. "Muito fundo entrou no IPO, que saiu caro, e perdeu dinheiro. Quando falamos com outros gestores, eles debocham dela. Mas agora as ações estão em níveis atrativos e empresa possui um histórico muito positivo. Seu retorno sobre capital (ROE, na sigla em inglês) médio está perto de 21% nos últimos 10 anos. Então, não é um negócio cronicamente ruim."
Barboza assemelha a Multilaser a um "atleta resfriado". "O erro de estoque foi pontual e não quer dizer que vão comprar estoque demais nos próximos trimestres. Aumentamos a posição após o erro, porque a ação ficou muito barata. É como um atleta bom que está resfriado. Quando a gripe sarar, ele vai voltar a correr. Mas o mercado não quer saber se é passageiro: se o resultado veio ruim, batem no preço da ação."
Em comum, Multilaser, Porto Seguro e Marcopolo têm o fato de estarem de fora do Ibovespa, o principal índice da B3 que concentra as ações das maiores e mais negociadas empresas da bolsa. Para conseguir navegar com maestria fora dos holofotes do Ibov, Barbosa considera uma vantagem ter um fundo relativamente pequeno. "Não somos um fundo gigantesco, o que ajuda a nos posicionar em ações com menos liquidez. Quanto mais dinheiro tivermos, mais difícil será conseguirmos bons retornos. Então, nosso limite seria algo próximo de R$ 1 bilhão. Também temos um período de resgate maior, de 90 dias, para dar tempo de reduzirmos as posições."