Alexandre Muller, sócio da gestora JGP: visão construtiva para setores mais cíclicos, como commodities (Divulgação/Divulgação)
Bianca Alvarenga
Publicado em 28 de março de 2022 às 16h42.
Última atualização em 28 de março de 2022 às 17h20.
Mesmo os gestores que administram fundos de renda fixa e que estão habituados à volatilidade típica do mercado brasileiro tiveram que buscar estratégias para navegar durante o ano de 2021. A disparada da inflação causou uma virada rápida na Selic, e os juros básicos saíram dos 2% ao ano no fim do primeiro trimestre para quase 10% em dezembro. A taxa tem continuado a subir e está no patamar de 11,75% ao ano atualmente.
Boa parte do movimento se deu quando o mercado antecipou a alta dos juros e tentou estimar até onde iria o ciclo de aperto monetário. A dose de incerteza aumentou quando ficou claro que a inflação seria mais persistente que o estimado e que, portanto, isso poderia exigir do Banco Central uma mão mais firme para colocar os preços nos eixos e ancorar as expectativas.
Conforme a Selic subia, os prêmios de risco oferecidos nas aplicações de renda fixa foram caindo. Os fundos de renda fixa investem em títulos que rendem um percentual fixo de prêmio (chamado de spread) somado ao valor acumulado do CDI ou da inflação. Com a alta dos juros e dos índices inflacionários, a parte do spread foi ficando mais magra.
Para a gestora JGP, a estratégia principal ao longo do último ano foi manter o caixa bem alocado para aproveitar as taxas maiores antes da virada nos prêmios. A decisão gerou frutos: o fundo JGP Corporate Plus FIC FIM CP foi premiado como o terceiro melhor do país na categoria de Crédito Privado High Grade do Melhores do Mercado, elaborado pela EXAME em parceria técnica com a Quantum Finance (Veja mais sobre o ranking aqui).
Em entrevista à EXAME Invest, Alexandre Muller, sócio da JGP, explicou como o fundo captou a mudança de cenário de 2021 e quais são as expectativas para 2022, em um contexto ainda de juros em alta. Leia abaixo a entrevista com o gestor:
Qual foi o cenário para o investidor de renda fixa e crédito privado em 2021?
2021 foi ainda positivo para o mercado local. No início do ano, os spreads estavam na casa de 2,1%, mas até dezembro esse prêmio caiu consideravelmente. A mudança gerou um carrego positivo nas carteiras de crédito e um efeito positivo de marcação a mercado no geral. Ou seja: quem conseguiu se posicionar cedo acabou aproveitando melhor esse momento.
A leitura foi a de que o mercado iria responder bem ao início do ciclo de normalização de taxa de juros, e nós sabíamos que a correção dessa trajetória iria atrair um fluxo de investidores para a renda fixa. Nossa estratégia foi apostar nesse movimento, deixar o fundo bem alocado e evitar uma grande quantidade de caixa não investido que pudesse diluir retorno. Dado que o spread acabou comprimido, foi uma leitura acertada que gerou bons rendimentos.
A inadimplência é uma preocupação para os títulos de crédito?
Não vimos grandes eventos de crédito nas operações. Os indicadores de inadimplência bancária encerraram 2021 perto das mínimas históricas, e as análises de crédito estão boas. Para cada empresa que tem sua nota de crédito rebaixada, quase três tiveram um aumento no rating [nota de crédito atribuída por agências independentes]. As empresas da bolsa terminaram o ano com a alavancagem em mínimas históricas também.
Por outro lado, em 2022 as empresas devem enfrentar um aumento do custo financeiro, dada a elevação da Selic. A disciplina de estrutura de capital é bem importante, porque empresas com alavancagem alta têm um consumo de resultado maior quando a Selic sobe rápido, como acontece agora.
Em 2021, a mudança no cenário de juros causou um impacto negativo para os títulos de inflação. O fundo sofreu de alguma forma esse efeito?
A marcação a mercado poderia ter machucado o fundo se tivéssemos exposição a títulos de inflação ou prefixados, mas tipicamente não trazemos para o portfólio esse tipo de ativo. Quando trazemos, contratamos algum mecanismo de hedge. Quando investimos em debêntures com rendimento ligado ao IPCA, por exemplo, contratamos um derivativo que sintetiza o ativo e retira o risco de abertura de curva de juros. Se a debênture começa a perder por causa da marcação a mercado, ganhamos no derivativo.
Além disso, nosso fundo tem uma uma resiliência de passivo boa, porque não é um fundo de curto prazo. Tradicionalmente, o investidor de renda fixa gosta dos fundos de D+1 [prazo de resgate em 1 dia útil], mas nosso fundo tem uma carência média de 45 dias. É um prazo que possibilita um passivo estável, inclusive em cenários de estresse. Fundos com resgate mais curto atraem um tipo de passivo mais reativo e criam o incentivo para o investidor ficar pulando de galho em galho.
Quando o prazo é mais longo, o investidor entende melhor o valuation do fundo e faz uma alocação que é parte de construção de portfólio. Isso também diferencia o produto em relação a outros que tiveram grande flutuação de passivo.
Além disso, o resgate mais curto cria uma dinâmica que dilui o retorno do produto, em particular em momentos favoráveis, como no ano passado. Quanto mais alocado melhor: no nosso caso, rodamos com um caixa de 10% do patrimônio. Fundos de menor prazo rodam com 40% do patrimônio em caixa e aí acabam perdendo agilidade.
Quais são os setores ou empresas que podem ter bom desempenho neste ano?
De maneira geral, estamos com uma cabeça muito construtiva para setores mais cíclicos, como o de commodities, pois a maior parte desses produtos está com preços muito elevados. É um movimento que começou pelos problemas nas cadeias de suprimentos, durante a pandemia, que foi agravado por efeitos climáticos, como a quebra de safra no Brasil, e que deve ser perpetuado pela questão geopolítica, principalmente pelo conflito na Ucrânia.
Vemos o milho, a soja, o petróleo e outras commodities renovando recordes históricos de preço e acreditamos que essas cotações vão seguir em alta. São setores com uma perspectiva de resultado positiva e com boas oportunidades de investimento.
As empresas lá fora também são avaliadas sob essa perspectiva?
Fundos como o nosso podem ter até 10% de investimento em crédito no exterior. Na JGP, procuramos boas oportunidades em América Latina e nos Estados Unidos, mas, no geral, reduzimos um pouco a utilização desse limite e temos aproximadamente 4% do patrimônio alocado em ativos desse perfil.
Lá fora, os títulos de crédito privado estão mais sujeitos a efeitos de preço. A própria situação da Rússia e da Ucrânia tem causado flutuação de preços, porque, no exterior, os títulos são em maioria prefixados com duration maior. No Brasil, a regra são pós-fixados com duration menor, que são mais defensivos.
Então, as expectativas de elevação de juros nas economias desenvolvidas têm reduzido os preços dos títulos. Quando o Federal Reserve sobe os juros, o investidor sai do crédito privado e procura alternativas pós-fixadas.