Trump propõe vistos milionários, mas medida ainda não tem efeito prático
Redação Exame
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 07h51.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou na última sexta-feira (19) uma ordem executiva criando os vistos Gold Card e Platinum Card, destinados a estrangeiros de alta renda que desejem obter residência permanente no país.
Pelo modelo anunciado, indivíduos poderão doar US$ 1 milhão (R$ 5,34 milhões) ao Departamento de Comércio para obter a autorização, enquanto empresas terão de aportar US$ 2 milhões (R$ 10,67 milhões) em nome de executivos.
Um programa mais restrito, o Platinum Card, deve ser detalhado futuramente e poderá exigir contribuições de até US$ 5 milhões (R$ 26,69 milhões).
Especialistas em direito, contudo, ressaltam que a ordem executiva de Trump ainda depende de aprovação no Congresso e de regulamentação para entrar em vigor.
Ao analisar o conteúdo da ordem executiva publicada no site da Casa Branca, nota-se que o presidente apenas determinou ao secretário de Estado e a outras autoridades competentes que estudem formas de acelerar processos de imigração já previstos na legislação.
Segundo Daniela Poli Vlavianos, advogada do escritório Arman Advocacia, a proposta apresentada pelo governo norte-americano não tem eficácia imediata no campo jurídico.
"É um ato administrativo dependente de regulamentação e limitado pelos marcos normativos da imigração", explica.
Sem aprovação do Congresso, acrescenta, não se pode falar em criação de novas modalidades de green card.
"O que existe, por ora, é apenas um anúncio político, que não altera as regras materiais de concessão já em vigor", afirma.
Do ponto de vista técnico, explica a advogada, a ordem se aproxima mais de um mecanismo para flexibilizar a tramitação de vistos já existentes, como os das categorias EB-1 e EB-2, voltados a estrangeiros com habilidades extraordinárias ou profissionais de relevância nacional.
“O que se sugere, portanto, é a criação de um atalho, mediante contribuição financeira, para acelerar a obtenção desses vistos. Isso, contudo, não altera as exigências legais em vigor, podendo apenas estabelecer um fluxo interno mais rápido, condicionado a regulamentações infralegais”, afirma.
Na mesma linha, o advogado Daniel Toledo, especialista em Direito Internacional e fundador da Toledo e Associados, alerta que "o presidente apenas deu uma ordem para o secretário de Estado criar caminhos para aceleração de processos de vistos já existentes. E se analisarmos os termos utilizados na ordem, os 2 primeiros que surgem à mente são os vistos EB-1 e o EB-2”, afirma Toledo.
Para ele, a proposta cria uma espécie de atalho mediante doação financeira, mas sem alterar as regras de concessão já em vigor.
“Na prática, a pessoa que aplicar a solicitação para esses vistos poderá ter um processamento acelerado, mas pagando US$ 1 milhão se for pessoa física ou US$ 2 milhões se for empresa. Esse dinheiro vai direto para o Tesouro dos Estados Unidos e não volta”, explica.
Ele acrescenta que a medida não se sustenta diante dos mecanismos já existentes.
“Na minha opinião, não faz sentido algum, porque hoje já existe o premium processing, que custa cerca de US$ 3 mil e garante uma decisão em até 15 dias úteis. Ou seja, pagar milhões por algo que já é oferecido legalmente a um custo muito menor soa como uma estratégia de criar fumaça para gerar expectativa”, critica.
Segundo Trump, o projeto Gold Card irá gerar mais de US$ 100 bilhões “muito rapidamente” e o dinheiro será usado para reduzir impostos, financiar projetos de crescimento econômico e pagar a dívida americana.
O lançamento dos vistos milionários ocorre em paralelo a outras mudanças propostas pelo governo Trump, como a exigência de uma taxa de US$ 100 mil para pedidos de H-1B, categoria usada por empresas de tecnologia para contratar trabalhadores estrangeiros altamente qualificados.
Para Toledo, a movimentação reflete o esforço da Casa Branca em privilegiar a imigração de alto nível intelectual e alto capital.
“É um desenho migratório cada vez mais seletivo, que restringe trabalhadores comuns e abre portas apenas para pessoas realmente qualificadas ou milionárias”, avalia.
Especialistas também apontam que, por se tratar de uma ordem executiva, o programa pode sofrer questionamentos legais e até ser suspenso em tribunais, como já ocorreu com outras medidas migratórias.
“Quem considerar essa via precisa estar ciente da instabilidade jurídica. Existem alternativas tradicionais, como o EB-5, que exigem investimento produtivo e geração de empregos, mas oferecem maior previsibilidade e segurança ao imigrante”, completa Toledo.
Por outro lado, Fabrício Bertini Polido, sócio do L.O. Baptista, destaca que a ordem executiva não cria uma nova modalidade de visto.
"O que ela faz é utilizar do poder que o executivo tem nos EUA para estruturar e implementar um programa que aplique essas decisões, no caso, em matéria migratória. A decisão sobre a elegibilidade do visto, entretanto, continua a depender de outros critérios”, explica.
“No caso do programa Golden Card, a ordem permite que agências governamentais — como o Secretário de Comércio, o USTR e o Departamento de Estado, responsáveis por questões migratórias — recebam pedidos de visto acompanhados da comprovação de investimentos vinculados à criação de empregos nos Estados Unidos”, continua Fabrício.
Quando uma pessoa jurídica é constituída no país, ela deve se comprometer a abrir postos de trabalho.
"O interessado no visto precisa demonstrar, dentro dos requisitos exigidos para essa modalidade, que fez a doação estipulada pela ordem. Essa doação, na prática, não funciona como um atalho para obtenção do visto, mas integra o conjunto de elementos probatórios que comprovam a elegibilidade do solicitante. Ou seja, ela faz parte dos critérios já previstos pela lei americana para autorização de residência”, completa.
Segundo Polido, a ordem executiva instrui os Secretários a implementar o programa, no qual doações ao Departamento de Comércio serviriam como evidência de “habilidade extraordinária” ou benefício nacional, com o objetivo de facilitar e acelerar pedidos de residência pelo Gold Card.
A implementação, no entanto, dependerá de atos regulamentares, coordenação entre agências e conformidade com as categorias já previstas na legislação.
O especialista acrescenta que a principal vulnerabilidade jurídica do programa é a possibilidade de que sua execução ultrapasse as competências legislativas do Congresso, responsável por legislar sobre imigração, ou viole procedimentos administrativos, o que poderia levar a medidas judiciais ou até à revogação do programa.