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Tenha pressa em diversificar, mas vá com calma, diz Ana Leoni, da Anbima

Especialista em educação financeira alerta para as armadilhas de quem faz uma transição de ativos e de risco na carteira rapidamente

Para Leoni, pandemia mostrou que equilíbrio financeiro não é suficiente. É mais recomendável buscar independência e autonomia (Leandro Fonseca/Exame)

Para Leoni, pandemia mostrou que equilíbrio financeiro não é suficiente. É mais recomendável buscar independência e autonomia (Leandro Fonseca/Exame)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 1 de março de 2021 às 18h17.

Apesar da democratização do mercado de investimentos nos últimos anos, dados da Anbima mostram que apenas 10% dos brasileiros investem, e dentre eles apenas 9% pensam na velhice. O que parece um cenário desolador representa um grande avanço na visão de Ana Leoni, superintendente de educação financeira da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais.

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Leoni começou a atuar no mercado financeiro há 15 anos, quando a educação financeira ainda não era tão urgente. Atualmente, apesar do longo caminho para tornar os brasileiros poupadores, está otimista com o cenário: é possível verificar um movimento de produtos de renda fica para mais sofisticados, que ficaram mais acessíveis, além do crescimento da participação dos pequenos investidores no mercado financeiro de forma consistente nos últimos anos.

Veja abaixo a entrevista completa dada por Ana Leoni para a Exame Invest:

As opções de investimento aumentaram mas também as fraudes. Tanto que a Anbima e a CVM firmaram uma parceria para alertar investidores. Qual a mensagem que desejam passar?

Hoje temos legiões de pessoas falando sobre investimentos, que virou o tema da moda, nas redes sociais e na internet. Isso acontece porque as pessoas estão se interessando mais sobre o tema e buscam informação onde elas estão. Esse conteúdo é produzido por grupos variados de pessoas, que têm uma abordagem bacana, mas não necessariamente acumulam conteúdo confiável. Então, é difícil selecionar o que é certo e errado. É um cenário desafiador para educar.

Geralmente o investidor é abordado com dois discursos: o verdadeiro, que mostra que o processo de investimento é de longo prazo, um processo que não acontece do dia para a noite. Esse discurso é penoso, mas real. A outra abordagem é: "fique rico rapidinho sem ter dor de cabeça. Olha eu aqui tirando foto no meu barco".

Como o investidor está mais conectado à internet, está mais exposto a essas ofertas. A CVM tem recebido denúncias recordes sobre abordagens duvidosas. Para tratar a questão criamos uma campanha em parceria com a autarquia, no qual abordamos os principais traços e desenhamos uma fraude. Mas não precisamos apenas explicar melhor fraudes: precisamos também explicar melhor os investimentos.

A nova cara das fraudes é a dos autoproclamados traders de sucesso? O mais comum antes era o marketing multinível.

A abordagem é diferente, mas no fundo a estrutura é a mesma. Contudo é necessário entender que estamos falando de fraudes que lesam a poupança popular, que é um crime investigado pelo Ministério Público. Operações de risco são outra coisa.

Mas tem gente que oferece day trade como forma de renda, um objetivo inapropriado. Estudos mostram que esse é um mercado para profissionais com objetivo específico, e não para uma pessoa que vive na frente do computador e acredita que ficará milionária do dia para a noite. Mas a oferta seduz, contém a teoria do jogo, que vicia. É uma dinâmica apetitosa para o cérebro. Você perde e quer recuperar, e é aí que está o problema.

Então, o investidor precisa ficar atento com o objetivo da oferta e quem a está fazendo. Todas têm muita coisa em comum: sempre oferecem ganho rápido, risco baixo, histórias de sucesso, desintermediação e pedem para depositar dinheiro na conta. Então é necessário o mínimo de diligência para verificar se a pessoa é autorizada a operar no mercado, se tem reclamações contra ela em órgãos como a CVM e até no Reclame Aqui.

Se o investidor for atento aos detalhes já terá muita informação. Quanto entramos no perfil desses influenciadores vemos que uma hora eles estão em uma parte do mundo e dois dias depois no outro extremo. Mas são montagens: o intervalo do post nem daria tempo suficiente para o deslocamento. É necessário sair do automático e ter mais julgamento. E questionar: o influenciador está ganhando dinheiro vendendo cursos ou realmente operando?

O ensinamento trazido pela pandemia sobre a necessidade da reserva de emergência veio para ficar? 

Talvez não tenhamos uma mudança tão rápida de comportamento e atitude, mas o estado de consciência das pessoas mudou. Hoje há uma percepção mais clara de que o equilíbrio financeiro é muito perigoso, que nada mais é do que ter renda suficiente para honrar gastos.

Um exemplo é quem ganha 100 mil reais e gasta 98 mil reais. A pessoa tem equilíbrio: não tem dívidas, não se alavanca e vive bem. Mas isso é muito frágil em momentos de crise como a que estamos vivendo. Empresários e profissionais liberais viram de hora para outra sua renda zerar e ficaram em um estágio de vulnerabilidade financeira.

Então as pessoas começam a entender que ter equilíbrio é muito pouco e no mínimo precisam ter independência financeira. Ou seja, não depender de renda porque têm uma reserva financeira. E melhor ainda é ter autonomia financeira, que é gerir a vida financeira a partir de suas vontades, escolher o investimento mais adequado para o seu objetivo.

Além de aprender a criar uma reserva de emergências, é preciso saber usá-la. Há quem a utilize para aproveitar oportunidades no mercado. A questão do compartimento dos objetivos ainda não está clara?

A reserva de emergência é destinada para imprevistos. Como a pandemia foi um imprevisto maior, e mais duradouro, pegou muita gente de surpresa. Mas de fato as pessoas olham para a reserva de emergência e a misturam com o resto das coisas.

Então, a teoria das três caixas (aposentadoria, reserva de emergência e objetivos) é um jeito de compartimentar as necessidades. Temos de dar pesos para cada reserva. Isso nos ajuda a organizar. Tem gente que lamenta que levou muito tempo para juntar dinheiro e teve de usar pandemia, mas na verdade queria fazer uma viagem. Está errado. É necessário ter uma reserva para imprevistos e outra para viajar. Como pode fazer isso ganhando pouco? Controlando custos.

Por outro lado as pessoas ficam em média 11 anos com dinheiro na poupança. Se perguntarmos por quê, elas citam a segurança e liquidez. Mas se ficam tanto tempo com o dinheiro parado não estão se beneficiando desses atributos. As pessoas que geralmente têm uma boa reserva financeira têm poucos investimentos em renda variável para objetivos de longo prazo.

Esse temor precisa ser desconstruído. Precisamos entender que não vivemos só de emergência. Esse medo é muito ruim, dá uma carga negativa ao processo de investimento que não é sustentável no longo prazo. Não trabalhamos para colecionar dinheiro, mas precisamos ter dignidade no futuro.

Muita gente sai da renda fixa e vai para a bolsa. Quais os riscos de uma transição rápida?

Meu conselho é: tenha pressa, mas vá com calma. Não dá para ficar no estágio em que está. Então é necessário diversificar, mas não pode pensar que todo mundo está na bolsa e se ficar de fora vai perder o bonde. Tem de ter pressa na organização dos objetivos, entender se tem a gaveta da reserva de emergência cheia e a da aposentadoria vazia, olhar se estão equilibradas. E começar. Só se aprende fazendo.

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A atual conjuntura da economia não permite mais o luxo de ficar só observando o mercado financeiro. Quanto tínhamos rendimento de 15% por ano o temor podia valer a pena. Agora não. Quem mudar depois pode abrir mão de anos de renda na aposentadoria.

Na pandemia houve o fenômeno da poupança circunstancial de quem não perdeu renda e passou a gastar menos com transporte, viagens e restaurantes. Como criar e fazer perdurar bons hábitos quando a pandemia acabar? 

É importante não confundir padrão de vida com gastos excessivos. É possível ter um bom padrão de vida com gastos racionalizados. Não é constrangedor levar marmita para o trabalho, assim como pode ser divertido cozinhar em casa com a família. Obviamente estamos vivendo um período de contingência e não será possível manter tudo. Não queremos viver assim por muito tempo. Mas dá para preservar algumas coisas.

O necessário é entender a diferença entre prazer e benefício. O prazer imediato é uma sobremesa que você saboreia. Já uma dieta equilibrada com frutas é um benefício que só vai aparecer no futuro.  Consumir é prazer: você materializa uma conquista. Mas liberdade financeira é abrir mão do prazer hoje para o de amanhã. Talvez nem se perceba esse prazer algum dia, mas com certeza se sentirá os beneficios de ter feito boas escolhas.

 

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