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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
Márcio Cypriano, atual presidente do Bradesco, vai assumir em março a presidência da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban). Gabriel Ferreira, atual presidente, assumirá a Confederação Brasileira das Instituições Financeiras (CNF), entidade que representa todo o setor, substituindo Antonio Bornia.
É a primeira vez em mais de dez anos que um executivo do Bradesco dirige a Febraban. O último bradescano a assumir o cargo foi o ex-ministro Alcides Tápias, em 1992. Por enquanto, Cypriano tem pouco a dizer. Ainda não quero falar muito sobre os planos da Febraban , disse Cypriano na entrevista coletiva que concedeu na tarde da quinta-feira na sede da Febraban, no centro de São Paulo. Prefiro me aprofundar mais no funcionamento da casa antes de falar.
Cypriano, que preside o Bradesco desde janeiro de 1999, ficou sabendo de seu novo cargo na manhã da terça-feira. A sucessão na Febraban contrariou as expectativas do mercado. O mais cotado para assumir o cargo era Décio Tenerello, vice-presidente do Bradesco. No entanto, a opção dos banqueiros foi por um nome de maior peso. Cypriano ainda está um pouco desconfortável com a nova atribuição. Ele começou a entrevista fazendo ironia. Eu tenho uma agenda pesada no Bradesco, mas fui convencido a aceitar o cargo para ocupar o período entre meia-noite e seis horas da manhã.
Pode parecer apenas uma burocrática sucessão em uma das inúmeras entidades de representação do sistema financeiro. No entanto, a entrada de Cypriano mostra que os bancos estão prevendo e se preparando para um ano difícil em 2004. Especialmente os de varejo, cujos interesses a Febraban representa.
Há dois motivos para isso. Um deles é puramente econômico, a perspectiva de queda dos juros. O cenário macroeconômico que os bancos desenham é otimista. Cypriano acredita em um crescimento de 25% na carteira de crédito do Bradesco em 2004, mais do que a média do setor. Segundo os estudos da Febraban, a carteira total de empréstimo dos bancos deverá aumentar 15% no ano que vem. No entanto, por causa da queda dos juros que recuaram de 26% ao ano em dezembro de 2002 para 16,5% em dezembro de 2003, e que poderão encerrar 2004 a 14% ao ano o ganho dos bancos com crédito vai encolher bastante. Será um ano de lucros muito menores , diz um executivo de um grande banco de varejo.
O corte das taxas de juros em segmentos importantes, como cheque especial, crédito pessoal e cartões de crédito vai diminuir o brilho dos balanços. A margem global das operações de crédito deve cair de 30% a 40% , diz o executivo. Essa queda não será compensada pelos ganhos de tesouraria - que também vão encolher com a queda dos juros. Além disso, há limites para a elevação das tarifas de serviços. Portanto, o ano que vem será farto em rumores de bancos e seguradoras comprando e vendendo partes de seus negócios, ou mesmo buscando associações para reduzir os custos.
Esse movimento vai tornar-se muito nítido em 2004. Os bancos terão de fazer um grande esforço para racionalizar seus custos , disse Cypriano. Vamos compartilhar serviços e procurar eliminar ineficiências. Ele citou especificamente o transporte de dinheiro para as agências e as redes de caixas automáticos. A Avenida Paulista, por exemplo, tem seis agências do Bradesco, que precisam ser abastecidas por diversos carros-fortes todos os dias. Nós podemos prestar esse serviço para outros bancos que também têm agências na região , disse ele. Outro exemplo são os caixas automáticos. O aeroporto internacional de São Paulo tem oito caixas automáticos de diversos bancos, e poderia atender o mesmo número de clientes com apenas quatro.
O segundo fator de turbulência no segmento bancário é político. Brasília fará muita pressão para que os bancos diminuam a distância entre o que pagam ao investidor e o que cobram do tomador de crédito, conhecida como spread bancário. Atacando pelos flancos do microcrédito, do crédito em consignação com desconto em folha de pagamento e com uma esperada entrada maciça dos bancos federais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) o governo poderá tirar boa parte do mercado dos bancos de varejo.
Isso explica a necessidade de o setor ser representado por um banqueiro com força tanto perante os bancos quanto perante o governo. Daí a escolha de Cypriano. Além de presidir o maior banco privado brasileiro, ele dirige uma organização que vem crescendo em setores nos quais os bancos tinham uma participação tímida, como consórcios e financeiras. Isso mostra que os bancos terão uma atuação pró-ativa em relação às demandas do governo em 2004 , diz um executivo que conhece bem os meandros dos bancos.
Na coletiva de imprensa que anunciou sua escolha, Cypriano mediu as palavras ao falar do governo, mas deixou claro que os bancos também têm suas reivindicações. Não é possível baixar juros por decreto , disse ele. Para que o spread bancário encolha em 2004, é preciso reduzir os impostos que incidem sobre o crédito e dar mais garantias para quem empresta dinheiro. Ou seja, conseguir a aprovação da nova Lei de Falências, que aumenta a proteção ao credor e, para os bancos, reduzir tanto os depósitos compulsórios sobre os depósitos a vista e a prazo. Os depósitos a vista têm um compulsório de 45% , disse Cypriano. Esse dinheiro fica parado sem remuneração no Banco Central, quando poderia estar ajudando a movimentar a economia. Assunto para os bancos discutirem em Brasília, com um representante que carregue no bolso o crachá de presidente do maior banco privado nacional.