EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
É possível alongar o prazo da dívida pública e o dos investimentos? Diversas autoridades, entre elas o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, vêm defendendo essa proposta. Lisboa disse em um seminário em São Paulo na semana passada que o governo pretende alongar os prazos das aplicações financeiras. Isso significa que o governo levaria mais tempo para resgatar seus títulos, pagando, nesse caso, juros maiores. Do ponto de vista do investidor, o resgate dos fundos só poderia ser feito - sem perda de rentabilidade - a prazos maiores, mensal ou trimestralmente, por exemplo.
Essa intenção vai ao encontro das boas normas de gestão da dívida pública. Papéis mais longos, de preferência prefixados, tornam os juros um instrumento mais eficaz para controlar a temperatura e a pressão da economia. Com a dívida alongada, uma pequena alteração na taxa Selic pelo BC pode ter um grande impacto no custo do dinheiro para as pessoas e as empresas no dia-a-dia, sem necessariamente elevar a fatura que o governo terá de gastar com juros da dívida pública. Há outra vantagem: títulos mais longos da dívida pública permitem que os bancos emprestem por prazos mais longos e abrem espaço para o financiamento de longo prazo, a parte mais fraca do sistema financeiro brasileiro.
Do ponto de vista dos investidores, que fornecem capital, esse alongamento também se justifica. É uma tendência futura do mercado financeiro, diz Carlos Rocha, vice-presidente da área de private banking do banco americano JP Morgan. É natural que o governo queira alongar a dívida pública, e isso também será benéfico para os investidores no longo prazo. Segundo Rocha, se o administrador de recursos não tiver de manter uma parcela tão grande dos recursos geridos em aplicações de curtíssimo prazo, ele poderá escolher alternativas mais longas e rentáveis. A exigência da liquidez diária limita a criatividade do gestor, diz Rocha. Com prazos mais longos, haveria espaço para operações mais criativas e sofisticadas.
Com tantas vantagens, será possível alongar tanto a dívida pública quanto o prazo das aplicações financeiras? Os especialistas são céticos. O Banco Central pode até tentar vender títulos mais longos, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pelos fundos de investimento, pode até tentar promover a redução da liquidez dos fundos. Mas essas iniciativas terão pouco sucesso se forem voluntárias - e causarão mais mal do que bem se forem compulsórias.
Em primeiro lugar, a resistência psicológica a comprar papéis públicos muito longos, com vencimento acima de três anos, é grande. Quem administra o dinheiro dos outros tem uma lembrança ruim muito viva na memória. O mercado não se esquece dos problemas no fim do ano passado com os títulos de longo prazo, diz Alexandre Póvoa, economista-chefe e estrategista de investimentos do banco carioca Modal. Quem tinha esses papéis em carteira não conseguiu vendê-los. O preço de mercado caiu muito, forçando o Banco Central a realizar uma série de leilões de compra para encurtar o perfil da dívida pública. Por esse motivo, Póvoa prevê uma grande resistência em comprar títulos que vencem, por exemplo, a partir de 2006. Será outro governo, outro mandato, e pouca gente se anima a correr esse risco de novo.
Esse não é o único fantasma que assusta os administradores de dinheiro. Em abril de 2002, o Banco Central forçou os administradores de fundos a contabilizar o valor dos títulos nas suas carteiras pela cotação de mercado do dia, e não mais por uma estimativa de rentabilidade calculada a partir da data de compra do título. Essa mudança, conhecida como marcação a mercado, levou investidores de produtos tidos como sem risco como os fundos DI a amargar perdas de até 5% em um único dia. Além de lançar uma generosa dose de desconfiança sobre os fundos de renda fixa, o trauma da marcação pode ser sentido até hoje na gestão da dívida pública.
Até antes da marcação, o Banco Central administrava uma sobra de caixa diária de 20 bilhões de reais na economia. O sistema bancário normalmente tinha essa quantia em dinheiro de curto prazo, que não era destinado a títulos públicos. Logo após a marcação, essa sobra de caixa mais do que dobrou, chegando a 55 bilhões de reais. Depois caiu um pouco, e hoje está em 43 bilhões de reais. Foi dinheiro que saiu dos fundos, diz Póvoa. Como 80% dos recursos dos fundos vão para títulos da dívida pública, o aumento da sobra de caixa indica um crescimento na rejeição do mercado aos títulos do governo. Na ponta do lápis, os profissionais de tesouraria acreditam que tentar atrair esses descontentes com papéis de prazos mais longos custaria caro. O Banco Central teria de oferecer um prêmio muito maior de juros para conseguir vender esses papéis, diz um profissional de tesouraria de um banco internacional.
Os pequenos investidores, cuja avaliação não é assim tão técnica, também resistiriam a papéis mais longos, por um motivo simples: esses títulos são mais voláteis. Para entender porque isso ocorre, é preciso um pouco de matemática. Quando o governo vende um título público prefixado, oferece um papel que valerá, por exemplo, 1000 reais no dia do vencimento. Se os juros fossem de 10% ao ano e calculados linearmente, hoje esse papel teria de ser comprado pelo investidor por cerca de 910 reais _ que, acrescidos dos 10% de juros, valerão os 1000 reais no dia do vencimento. Se o investidor precisasse do dinheiro daqui a seis meses, teria de vender o título para outro investidor que pudesse esperar o vencimento. Mas vender por quanto?
Aí entra a dificuldade. Num mundo ideal, em que os títulos públicos têm liquidez absoluta e os bancos trabalham de graça, esse papel deveria ser vendido por pouco mais de 950 reais. Como o mundo não é ideal e os bancos não trabalham de graça, na prática esse papel será comprado a 945 reais e vendido a 955 reais. Quanto maior a incerteza do mercado por exemplo, com relação às decisões de política monetária do presidente do Banco Central em 2008 maior será o intervalo entre os preços de compra e venda. E maiores serão os solavancos que o investidor perceberá se o gestor de fundos tiver de recalcular suas quotas todo dia em função das oscilações de preço dos papéis. O pequeno investidor acostumou-se com alta rentabilidade e pouca oscilação, diz Póvoa. Vai ser muito difícil mudar essa cultura no curto prazo. É difícil, portanto, acreditar em um alongamento voluntário da dívida pública.