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O confisco da poupança poderia acontecer novamente?

Boatos que dizem que um novo confisco da poupança pode ocorrer não têm fundamentos, dizem especialistas

Armadilha: brasileiros não seriam surpreendidos por um novo confisco, dizem advogados (Thinkstock/Nomadsoul1)

Armadilha: brasileiros não seriam surpreendidos por um novo confisco, dizem advogados (Thinkstock/Nomadsoul1)

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Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2016 às 09h23.

São Paulo – Com a intensificação das crises econômica e política no Brasil, boatos sobre a possibilidade de um novo confisco da poupança, como o que ocorreu em 1990 no governo de Fernando Collor de Mello, têm circulado com certa frequência em correntes pela internet.

Um dos mais recentes surgiu com um áudio no qual um homem se apresenta como major Duarte e diz, em tom alarmante: “A Dilma vai passar a mão em todo o dinheiro da poupança no dia 15. [...] Já existe uma revolução em São Paulo, vai ser instaurada uma guerra civil no nosso país, a informação é precisa, ela vem dos Estados Unidos”.

Especulações à parte, existe de fato a possibilidade de um novo confisco? EXAME.com consultou alguns especialistas para encontrar uma resposta racional sobre o assunto e eles foram unânimes em afirmar que isso nunca aconteceria novamente e que qualquer boato que diz o contrário deve ser ignorado.

O principal argumento que descarta a possibilidade de confisco é a Emenda Constitucional nº32/2001, que modificou o artigo 62 da Constituição Federal. Ela afirma que é vedada a edição de medida provisória “que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”.

Claudio Souza Neto, advogado e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que a emenda elimina qualquer possibilidade de confisco da poupança.

“No governo Collor, havia tolerância por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), a Constituição tinha acabado de entrar em vigor e o Brasil vivia um período de hiperinflação. Hoje as instituições avançaram muito e, apesar das dificuldades, a economia em nada se compara com a de 1990, nós temos bilhões de reais em reservas internacionais”, diz Souza Neto.

O professor acrescenta que a Constituição prevê o direito de propriedade, segundo o qual nenhum cidadão pode ter seus bens confiscados. As únicas hipóteses de expropriação permitidas seriam em caso de uso de terra para o cultivo de drogas ou para exploração de trabalho escravo.

Carlos Ari Sundfeld, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que a emenda que diz respeito ao confisco proíbe a edição de medida provisória, mas não elimina a hipótese de confisco por meio da proposição de uma nova lei. Ainda assim, o projeto de lei teria de ser submetido ao Congresso Nacional e os investidores teriam tempo de resgatar seus recursos antes que ele fosse aprovado.

Mesmo ao considerar um cenário extremo, em que o governo decretasse um feriado bancário para que o confisco passasse no Congresso sem que a população sacasse seu dinheiro, a tática também não daria certo. “Mesmo que 100% do Congresso fosse a favor, imaginar um mês para aprovar esse tipo de lei já seria um sonho, e se os bancos ficassem fechados por esse período a economia quebraria”, diz Sundfeld.

O professor da FGV diz que o STF nunca julgou a constitucionalidade do confisco realizado em 1990 porque não teve condições políticas e econômicas de fazê-lo, mas a maioria das ações judiciais julgadas posteriormente consideraram que o confisco é inconstitucional, o que sugere que esse seria também o desfecho em uma eventual reprise do sequestro da poupança.

Além de inconstitucional, confisco seria um tiro no pé

Mesmo que não existisse uma emenda proibindo o confisco de recursos, o sequestro da poupança seria algo completamente insano do ponto de vista econômico, diz Simão Silber, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e doutor em economia pela Universidade Yale.

O economista argumenta que a rentabilidade da poupança está muito baixa e já não tem conseguido nem superar a inflação. “É como se o governo já estivesse dando um calote para quem está deixando dinheiro lá, já que a remuneração está abaixo de inflação.”

Além disso, ao realizar um confisco o governo não teria mais nenhum resquício de credibilidade. Portanto, se o objetivo fosse sequestrar os recursos para ajustar as contas, a medida seria um tiro no pé. “O efeito contábil de uma medida assim seria dramático, simplesmente não entraria mais dinheiro no Brasil e investidores fugiriam. Quem acredita que isso poderia acontecer só pode estar maluco”, diz Silber.

Assim como Souza Neto, da UFF, Silber também afirma que a situação econômica que o país vivia no governo Collor, com todos os prejuízos causados pela hiperinflação, era muito pior que a atual, portanto não é razoável fazer qualquer comparação entre os dois períodos.

O professor da USP diz ainda que um novo confisco dependeria de um apoio político imenso, algo impensável para o governo Dilma. “Esse governo já acabou, ele não tem condições de editar mais nada. Existe uma expressão em inglês para definir alguém que está no poder sem condições de governar: ‘lame duck’, que significa pato manco. A Dilma é um pato manco hoje.”

Advogado vê brecha, mas ainda assim refuta a possibilidade de impeachment

Ainda que seguindo os preceitos da Constituição, o confisco da poupança não seja possível, Dircêo Torrecillas Ramos, professor livre-docente pela USP e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, defende que a hipótese de sequestro não pode ser completamente descartada porque o confisco poderia ocorre por meio de um golpe.

A palavra está muito em voga e tem suscitado diversas interpretações, mas um golpe nada mais é do que um ato realizado sem base na Constituição. Sendo assim, Ramos afirma que, de fato, juridicamente não existe possibililade de confisco da poupança, mas na prática tudo pode acontecer ao considerar a hipótese de um golpe.

Ele afirma que, segundo o inciso II do artigo 154 da Constituição, no caso de uma guerra externa, impostos extraordinários podem ser criados. Assim, um presidente poderia fazer uma analogia e alegar que vivemos uma guerra civil para editar uma medida provisória de criação de um imposto extraordinário sobre a poupança que resultasse no seu confisco. “Seria um golpe, mas poderia acontecer.”

A tese, no entanto, é baseada em algo extremamente improvável. Ao avaliar o contexto em que vivemos hoje, Ramos admite que o confisco não vai acontecer. “Mesmo se esse fosse o último cartucho do governo, isso não aconteceria porque colocaria a sociedade em risco e isso poderia resultar em uma intervenção das forças militares. Não vamos chegar a esse ponto”.

Sundfeld, da FGV, afirma que é impensável o governo se valer do artigo 154 para criar um imposto extraordinário já que a Constituição deixa claro que isso ocorreria apenas em caso de guerra externa. Além disso, ele afirma que para um golpe ocorrer, o presidente precisa contar com certa legitimidade. “Na condição atual, seja com a Dilma ou com um substituto, como Michel Temer, seria impossível imaginar que o presidente teria legitimidade para isso”, diz.

Se um golpe fosse dado em prol do confisco, Sundfeld diz que imediatamente o Supremo Tribunal Federal julgaria o ato inconstitucional, suspendendo seus efeitos, e no dia seguinte seria iniciado o processo de impeachment na Câmara. “A nomeação do Lula como ministro mostrou o que acontece em uma situação assim: alguém entra com uma medida no Supremo e no dia seguinte seus efeitos são suspensos.”

Em um cenário ainda mais improvável, se um presidente tentasse fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso para levar a decisão a cabo, no mínimo ele precisaria convencer as Forças Armadas a apoiá-lo, e como se sabe, os militares dificilmente fariam isso pelo atual governo.

O que diz o governo

EXAME.com entrou em contato com o Banco Central para questionar se os boatos sobre o confisco procedem, mas a assessoria de imprensa do BC respondeu por e-mail que “o Banco Central não comenta boatos”.

Já a assessoria do Ministério da Fazenda afirmou apenas que mantém o que foi falado em uma nota divulgada em fevereiro do ano passado. “Não procedem as informações que estariam circulando pela mídia social. [...] Tais informações são totalmente desprovidas de fundamento, não se conformando com a política econômica de transparência e a valorização do aumento da taxa de poupança de nossa sociedade, promovida pelo governo, através do Ministério da Fazenda”, diz o comunicado.

Em dezembro, o governo também publicou uma nota na página Fatos e Boatos - blog hospedado no site do governo para desmentir boatos que circulam pela internet - na qual dizia: “Não. O governo NÃO vai confiscar a poupança de quem quer que seja! [...] Uma legislação de 2001 proíbe qualquer medida para bloquear a poupança. Mesmo se o governo quisesse - e ele não quer, nunca quis e não o fará! -, não poderia tomar medidas para tirar o seu dinheiro".

Retrospectiva

O confisco da poupança ocorreu no dia 6 de março de 1990, um dia depois de Collor tomar posse como presidente após um período de 21 anos de ditadura. Na ocasião, foi decretado um feriado bancário de três dias. Depois que os bancos voltaram a funcionar, os saques de contas correntes e poupanças foram limitados a 50 mil cruzados novos.

O confisco era apenas uma das medidas que faziam parte do chamado plano Collor, um pacote econômico que tinha o objetivo de estabilizar a economia e conter a hiperinflação - entre 1980 e 1989, a inflação média no país foi de 233,5% ao ano - por meio de um congelamento de recursos equivalente a cerca de 30% do PIB.

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